O professor Pedro Serrano acredita que emenda pelas “diretas já” seria
inconstitucional. Serrano, é uma potente voz neste assunto. O professor afirma
que a emenda viria de um “casuísmo”, uma legislação ad hoc, feita para um
momento extraordinário, diferenciado. Serrano tem se pautado pela negação de
qualquer ato de exceção, buscando fortalecer as instituições ao invés de
solapá-las. A lei serve para os momentos ruins e para os bons. Sem distinção.
Já
o professor Yuri Carajelescov acredita que as eleições indiretas não estão
previstas no nosso ordenamento. A lei que regula este tipo de situação é de
1964 e não teria sido recepcionada pela constituição de 1988. Recepcionar uma
lei é um termo técnico que os juristas usam para quando os legisladores aceitam
absorver uma lei originada anteriormente à constituição. Aproveita-se a
positivação anterior desde que não em tensão com o novo ordenamento.
Carajelescov também cita o fato de não ter havido posse correta de Temer, eis
que o impeachment que deu origem à vacância não seria legítimo. E em não
havendo posse legítima não há vacância que enseje a lei de 64. Estaríamos num
limbo e bem viria uma PEC para eleições diretas.
Na
última terça um grupo de juristas da UFRJ (doutores, José Ribas Vieira, Vanessa
Batista Berner, Lilian Balmant Emerique, Carolina Machado, Cyrillo da Silva e
Fabiano Soares Gomes) escreveram artigo informando que a Lei de 64 (a que fala
de eleições indiretas) está em desacordo com a constituição de 88 (notadamente
o artigo 14 que fala da soberania popular e do sufrágio universal). Afirmam que
o correto seria eleições diretas.
Longe
de mim dar pitaco nestas discussões aí. É como criticar corrida de Ayrton
Senna, Alain Prost e Nelson Piquet. Eles que são grandes que se entendam. Meu
caminho é outro, é o da política, é o da história.
A
lei de 64 vai muito bem com a cara do regime militar. Aquele que gostava de
democracia sem povo. O povo, afinal, atrapalha o bom andamento da democracia.
Em tudo o que os militares podiam, eles afastavam o povo. Trocavam participação
por uma espécie de tutoria. O povo era uma criança que precisava ser cuidada,
carregada no colo, alimentada, levar umas palmadas, mas jamais decidir por si
ou caminhar sozinha. Muito perigoso. Me parece que a lei de 64 não se adequa ao
momento atual, usá-la seria a velha solução de exclusão da população do cenário
decisório. Isto é chamado na História brasileira de “decisão pelo alto”. O
impeachment fez isto. Os em posição mais alta nos grupos econômicos e nas
burocracias, aqueles que “sabem melhor do que o povo”, decidem o que é melhor.
O resto segue como boiada.
Eleições
indiretas consagrariam também outra conhecida máxima da história brasileira: a
de mudar as coisas para que continuem todas iguais. Tivemos várias reviravoltas
institucionais durante nossa história. Tiramos imperadores, colocamos regentes,
tiramos regentes para colocar imperadorezinhos, tiramos a monarquia colocamos
militares, tiramos os militares para assumirem cafeicultores ... e assim foi
... chegaram os ditadores, voltaram os militares e nesta dança das cadeiras não
foi mudado o grupo social que sempre se aproveitou do Estado para enriquecer e
sempre decidiu. Nunca houve uma revolução social no Brasil. O que de mais
próximo tivemos foram a inclusão dos trabalhadores pelas leis trabalhistas de
Vargas e a inclusão das classes baixas nos espectros de consumo e nas
universidades feita por Lula.
Nem
se pode dizer que foram “revoluções”, mas definitivamente mudaram a cara da
nossa sociedade. Não é por acaso que ambas são alvos dos grupos que querem
eleições indiretas. Não é por acaso que se tenta acabar com educação, leis
trabalhistas e tudo mais que poderia garantir algum tipo de ascensão social às
populações mais pobres deste país. Eleições indiretas agora seria mudar para
continuar tudo na mesma. Os nomes ventilados assustam. Ou é o jurista-coringa que
trabalhou para todos, menos para o povão. Ou é o multimilionário nordestino,
que está em silêncio para fazer parecer que nada se tem contra ele ou algum
outro nome de ocasião que cheira a perfume importado, fala um português
“escorreito” e tem “entrada” com as elites. Bem ao gosto daqueles que mandam no
país desde 1500.
A
mim, parece claro que não é constituição que recepciona a democracia. Que o
povo não precisa de alguma autorização que os mortos deixaram numa capenga
carta. Carta esta que anda sendo desautorizada desde as questões do anatocismo
(juros bancários), lembram? É a democracia e o pacto entre nós que permite
qualquer constituição. Não há Carta sem pacto democrático anterior. Ando bem
ressabiado porque leio os artigos da nossa constituição, especialmente do
primeiro ao quinto, e não reconheço o país que ali está descrito. Não sei mais,
efetivamente, para que serve aquele amontoado de incisos, leis, artigos se não
para tolher o pobre, afastar o povo e proteger os ricos e poderosos. Se tudo pode
ser mudado por PEC, na calada da noite, com votações surpresa ou decisões do
nosso tão ativo STF, então não há motivo para usar-se como camisa de força uma
lei de 1964.
No
mínimo, in dubio pro democracia. E os que tem medo de povo, medo de voto e medo
de sufrágio que tenham a coragem de vir à público explicarem-se.
Não
se pode aceitar menos do que eleições diretas. Penso ainda que o povo deveria
exigir renúncia de todo parlamento e junto votar um novo parlamento
constituinte. Se é para passarmos a limpo tudo que tomemos a nossa história nas
mãos. E que se diga mais adiante, em caso de tudo dar errado, que o erro foi do
povo. Pela primeira vez, em 500 anos.
Do
GGN