Admito que este Xadrez é bastante polêmico. Os movimentos descritos a
seguir ainda são incipientes e há dúvidas de monta sobre seus desdobramentos.
De qualquer modo, monto o Xadrez, alinhavo o raciocínio, encaixo as
peças até para facilitar as análises e críticas. Com a narrativa estruturada,
fica mais fácil identificar os pontos vulneráveis dos cenários traçados.
Peça 1 –a polarização eleitoral
Quem se der ao trabalho de conferir os Twitters ou mensagens de juízes
punitivistas – como Marcelo Bretas –, ministros politicamente comprometidos –
como o corregedor João Otávio Noronha, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) -
ou procuradores partidários do fake prosecution. verá em comum
os mesmos bordões propalados pela ultradireita MLB, mas que antecedem sua fundação.
Por exemplo, criticar a defesa de minorias, como se significasse
retirada de direito das maiorias; o deboche do politicamente correto; o
tratamento de desperdício a qualquer política social.
Esse pensamento simplório, porém eficaz junto aos setores mais
anacrônicos, é a argamassa que une polos contrários, dos que manobram o
discurso anticorrupção, à quadrilha que se valeu das manifestações para se
aboletar no poder.
Esse discurso de intolerância começou a ser explorado pela
revista Veja na campanha contra o desarmamento. Ali, pela
primeira vez, se percebeu o potencial comercial e político do discurso de ódio
e preconceito. À medida em que foi se ampliando, embarcaram dinossauros
convictos, pequenos oportunistas e organizações criminosas, como a comandada
por Eduardo Cunha.
Com o tempo, a reiteração do discurso de ódio ganhou camadas mais
amplas, especialmente no Judiciário e no aparelho repressivo.
Vários grupos se apressaram em dar carne fresca ao tigre e aproveitar
seu potencial mobilizador: mídia, Lava Jato, juízes punitivistas, PSDB e,
finalmente, a quadrilha de Cunha-Temer.
Hoje em dia há uma nítida identidade de pensamento entre esses setores,
mas uma disputa entre os punitivistas do Judiciário e do Ministério Público
contra o bloco de Temer.
É uma barafunda, um conjunto de peças soltas que não forma um todo. E se
mostra incapaz de gerar um projeto de país.
Essa mesma incapacidade assola a equipe econômica, que se valeu do
sequestro do Executivo pela quadrilha para impor um conjunto de políticas que
não resistem ao primeiro teste eleitoral. E que sequer resistem ao teste da
legitimidade. Só um pensamento tecnocrático tosco para apostar em algo assim.
Para as próximos eleições, os desdobramentos dessa polarização são
nítidos.
Numa ponta haverá o lulismo – com ou sem Lula -, carregando os erros
econômicos dos últimos anos, a estigmatização de quinze anos de campanha diária
da mídia, mas com um grande acervo de políticas públicas e de avanços sociais.
Na outra, o antilulismo, brandindo exclusivamente o discurso bilioso e o
preconceito em estado puro, e equilibrando-se no discurso moralista.
No meio, um enorme contingente de grupos modernos, muitos decepcionados
com os rumos do lulismo mas que, nas últimas eleições, deram a vitória a Dilma
Rousseff – menos por convicção, mais pelos espaços mantidos e por se dar conta
de que a eleição de Aécio Neves significaria o retrocesso.
Peça 2 – os movimentos da direita
moderada
A direita mais moderada – e moderna - já se deu conta de que a vitória
só será possível com a consolidação do centro-democrático. Não se trata apenas
da viabilidade eleitoral, mas da única possibilidade de uma pacificação
nacional, que impeça a guerra interna e o caos decorrente da radicalização.
Mas não conseguiu emplacar ninguém capaz de ocupar esse centro. Doria,
Huck, Joaquim, Partido Novo, Marina e o escambau, nada deu certo.
Nenhum dos candidatos a anti-Lula tem dimensão política ou consegue se
desvencilhar desse cipoal de preconceitos anacrônicos. E nenhuma das tentativas
de empinar uma candidatura menos pesada foi bem sucedida.
A receita tatibitate é a mesma repetida por Geraldo Alckmin na convenção
do PSDB: mesmices sobre gestão (ele que não é gestor), sarcasmo sobre direitos
sociais e discurso raivoso contra o “inimigo”.
O centro não quer guerra, não quer sangue, não quer radicalização.
O centro não quer guerra, não quer sangue, não quer radicalização.
É a partir dessa constatação que se monta o Xadrez de Lula.
A enorme dificuldade em encontrar um tertius, a radicalização
representada por Bolsonaro ou mesmo por Geraldo Alckmin, a desmoralização
crescente com a atuação da organização criminosa que empalmou o poder,
reforçará a percepção de que não existe saída sem Lula.
Peça 3 – os movimentos de Lula
Nos próximos meses crescerá essa percepção no meio empresarial de ponta,
aquele que consegue enxergar os desdobramentos da políticos nos negócios, e
mesmo no mercado e entre antipetistas.
É cedo para saber se será uma tendência vitoriosa ou se esbarrará no
ainda fortíssimo sentimento anti-Lula, cuja contra-ofensiva está concentrada na
atuação da mídia, dos juízes punitivistas e dos procuradores militantes
dos fake prosecution.
Mas à imagem do país partido ao meio serão contrapostas as lembranças
dos melhores momentos do grande pacto nacional representado por Lula, após a
Carta aos Brasileiros, a luta bem-sucedida para superar a crise de 2008 e o
período de bonança em que todos os setores ganharam.
Na outra ponta, continuará aceso o movimento de satanização de Lula
explorando o “mensalão”, a Lava Jato e os traumas com o governo Dilma.
Independentemente do desfecho, Lula se encaminhará inexoravelmente para
o centro, aliás, de onde nunca saiu, colocando-se novamente como o avalista do
novo pacto social, para decepção dos grupos que viram brotar cascavéis dos
pactos com mídia e mercado.
Esta postura será inevitável por duas razões:
1. Será a única maneira de conquistar o centro
democrático e, através dele, bloquear os avanços da ultradireita morista, de
impedir sua candidatura através da Judiciário.
2. No jogo atual, com as candidaturas postas à
mesa, mesmo com os pactos, apenas os grupos mais radicais à esquerda deixarão
de apoiar Lula.
Peça 4 – as dificuldades do novo
tempo
Não se sabe se será bem-sucedida dada a dose de estigmatização da figura
de Lula e o extremo despreparo dos grupos de mídia e de setores empresariais em
prospectar cenários futuros. Desde 2006, a cada traulitada na cabeça da mídia,
havia uma espécie de aposta: os que apostaram que a mídia nunca aprenderia as
lições e se modernizaria ganharam todas as apostas.
O pacto anterior de Lula se consolidou em um período econômico
favorável, com o boom das commodities permitindo que os recursos atendessem às
políticas sociais, que o mercado continuasse se esbaldando nos ganhos de
arbitragem de juros e câmbio, e a indústria e os salários ganhassem com a
expansão do mercado interno.
Esse tempo acabou e deixou lições nítidas sobre os erros cometidos,
especialmente o não enfrentamento do poder da mídia, do mercado e das
corporações públicas.
Agora, a crise fiscal obrigará a montar um pacto menos abrangente que o
de 2003 e a escolher estrategicamente os aliados e, principalmente, os inimigos
a serem combatidos.
Quem acompanhou o discurso de Lula sabe que, em uma eleição limpa, só
param ele à bala ou à caneta de juiz punitivista.
Os desafios pré-eleição são os seguintes:
1. Montar um pacto que permita driblar a
ofensiva jurídica comandada por Sérgio Moro e pelo Tribunal Regional Federal da
4ª Região, os braços armados da ultradireita.
2. Colocar a campo os empresários de confiança,
que mergulharam nas sombras no auge da Lava Jato.
3. Articular a frente dos coronéis do PMDB que
abominam o esquema Eduardo Cunha.
4. Acenar para o mercado que não virão medidas
drásticas.
Se eleito, os desafios serão maiores:
1. Manter a governabilidade com a economia em
crise.
2. Montar um forte pacto com a esquerda
não-petista, administrando a ansiedade dos grupos mais à esquerda.
3. Atacar a questão da dívida pública e do livre
fluxo de capitais.
4. Conquistar corações e mentes do empresariado,
em ambiente de crise.
5. Enfrentar o desafio de enquadrar a Rede
Globo.
Montar um pacto na crise é tarefa hercúlea, mesmo para um
super-negociador como Lula.
Peça 5 – as probabilidades
A hipótese de avanço do Lula ainda repousa em bases muito incipientes.
Importa observar os sinais iniciais desses fenômenos, que acontecerão nos
próximos meses, mas ainda não se sabe em qual intensidade:
· Afirmações progressivamente mais
conciliadoras de Lula;
· Acenos dos parlamentares do PMDB e de
partidos menores, especialmente os nordestinos.
· Manifestações de empresários. Em off
esse movimento já começou. Falta saber quando e se sairá da caixa.
O termômetro maior será acompanhar as manifestações dos grandes
empresários e o desempenho da economia.
Temer e Alckmin apostam na recuperação da economia. A única certeza,
para o próximo ano, será o estrangulamento fiscal gigante, acarretado pela PEC
do Teto, que matará qualquer veleidade do blefe de nome Henrique Meirelles e do
chefe Michel Temer.
GGN