Em alegações finais, República de Curitiba sustenta que é "razoável reconhecer a dificuldade probatória" contra Lula, no caso triplex, e cita trecho de livro de Sergio Moro em que o juiz aborda a dispensa de "provas cabais" durante um julgamento.
Foto: Instituto Lula
Em mais de
300 páginas de alegações finais, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
inseriu um capítulo inteiro sobre a dificuldade de processar crimes de lavagem
de dinheiro, corrupção passiva e organização criminosa, como os imputados a
Lula no caso triplex, e apela por uma "flexibilização" do material
probatório, ou seja, que o juiz Sergio Moro dê um desconto pela inexistência de
"provas cabais".
As alegações
finais foram apresentadas pela equipe de Deltan Dallagnol no dia 2 de junho,
explorando o uso de "indícios e presunções" como provas, a partir de
um livro do coordenador da força-tarefa, além de outra obra, publicada por
Moro, sobre a dispensa de "provas cabais" quando a dificuldade em
coletá-las é grande.
No caso
triplex, os procuradores dividiram as acusações contra Lula em três eixos: no
primeiro, o ex-presidente é acusado de liderar um engenhoso esquema de
corrupção que perpetuou o PT no poder e ajudou a comprar partidos aliados, além
de promover o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos nos crimes. Nesse
cenário, só a OAS pagou R$ 87,6 milhões em propina, em troca de 3 contratos com
a Petrobras. Lula teria ficado com cerca de 2% desse valor, relacionados ao
eixo 2 da acusação: o recebimento de um apartamento triplex no Guarujá,
reformado e contruído com recursos da OAS, no valor de R$ 2.424.990,83. O
terceiro eixo diz respeito à contratação da empresa Granero, pela OAS, para
armazenar o acervo presidencial, ao custo total de R$ 1.313.747,24.
Para
construir o enredo do eixo 1, a Lava Jato destacou trechos da delação premiada
de Delcídio do Amaral (que a defesa de Lula aponta ter sido negociada após
tortura do ex-senador) e do depoimento de Pedro Corrêa (cuja delação,
misteriosamente, não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal).
Ambos os
colaboradores colocaram Lula no topo de comando das decisões em torno da
Petrobras, a partir de suas experiências políticas. Como Lula supostamente
teria sido o responsável final pela indicação e manutenção de diretores
condenados por corrupção na estatal, ele é considerado o mentor do
"complexo esquema criminoso".
A defesa de
Lula, por outro lado, diz que o Ministério Público Federal sequer consegue
detalhar a participação do ex-presidente nesse suposto esquema e,
consequentemente, não construiu com clareza a parte da denúncia que deveria
tratar do crime antecedente à lavagem de dinheiro por meio do triplex,
necessário à condenação por esse tipo de delito.
"O
ponto aqui é que disso tudo flui que os crimes perpetrados pelos investigados
são de difícil prova. Isso não é apenas um 'fruto do acaso', mas sim da
profissionalização de sua prática e de cuidados deliberadamente empregados
pelos réus", rebate a Lava Jato. "Ficou bastante claro que os
envolvidos buscavam, a todo momento, aplicar técnicas de contrainteligência a
fim de garantir sua impunidade em caso de identificação pelos órgãos de
repressão penal do Estado", acrescenta.
Mesmo diante
de questionamentos múltiplos, se consideradas as defesas dos demais réus, a
Lava Jato insiste na solidez da teoria acusatória e afirma que, como o caso em
torno de Lula é de notável "dificuldade probatória", "a solução
mais razoável" é reconhecer isso e "medir adequadamente o ônus da
acusação".
Em um dos
trechos do documento, o MPF chega a citar o voto de Rosa Weber no julgamento do
Mensalão, no Supremo Tribunal Federal, invocando o paralelo que a ministra fez
com casos de estupro, em que é preciso acreditar no relato da vítima para
dimensionar o tamanho da pena do agressor, tendo em vista que esse tipo de
crime raramente é cometido diante de testemunhas. Ou seja, para a Lava Jato, na
falta de elementos probatórios irrefutáveis, é preciso acreditar na palavra dos
delatores contra Lula.
"A
Ministra bem diagnosticou a situação: em crimes graves e que não deixam provas
diretas, ou se confere elasticidade à admissão das provas da acusação e se
confere o devido valor à prova indiciária, ou tais crimes, de alta lesividade,
não serão jamais punidos e a sociedade é que sofrerá as consequências."
"Uma
condenação pode legitimamente ter por base prova indiciária no lugar de uma
prova cabal". Para isso, basta "produzir convicção para além da
dúvida razoável".
Para sustentar
esse ponto de vista, a República de Curitiba cita o livro "Autonomia do
crime de lavagem de dinheiro e prova indiciária", de Sergio Moro, que
aborda um julgamento por tráfico de drogas, no qual se abre mão da "prova
cabal".
"O
próprio entendimento segundo 'o qual não é exigida prova cabal' do crime
antecedente da lavagem de dinheiro, que foi externado exemplificativamente nas
apelações criminais 2000.71.00.041264-1 e ACR 2000.71.00.037905-4 pelo TRF4,
citadas por Moro, indica a assunção da necessária flexibilização de standard
dentro dos limites permitidos pelo modelo beyond a reasonable doubt."
"Em
conclusão, há farta doutrina e jurisprudência, brasileira e estrangeira, que
ampara a dignidade da prova indiciária e sua suficiência para um decreto
condenatório. Paralelamente, há um reconhecimento da necessidade de maior
flexibilidade em casos de crimes complexos, cuja prova é difícil, os quais
incluem os delitos de poder. Conduz-se, pois, à necessidade de se realizar uma
valoração de provas que esteja em conformidade com o moderno entendimento da
prova indiciária", conclui a Lava Jato.
Em vídeo
publicado nas redes sociais, Cristiano Zanin cita trechos do livro "As
lógicas das provas no processo: prova direta, indícios e presunções", de
Deltan Dallagnol, usado nas alegações finais. Já na introdução, o procurador
diz que "provar é argumentar". Mais adiante, diz que prova é "o
nome dado a um crença que desenvolve função de suporte em relação a outra
crença". Ele ainda defende que "julgar é um ato de crença, ou seja,
um ato de fé", relata Zanin.
"Ora,
não podemis admitir que provar é argumentar e ter crença, nem que julgar é um
ato de fé", diz o defensor, citando o direito à presunção de inocência,
que só pode ser afastado com provas cabais de crime.
"Se
você defende e concorda com as alegações finais que o MP apresentou defendendo
que alguém possa ser condenado por convicação, crençã e fé, você está se
colocando contra o que diz a Constituição Federal. É preciso conhecer bem as
teses que estão embasando o pedido de condenação do Ministério Público",
avalia Zanin.
GGN