“Se um cachorro morde o homem isso não é
notícia. Notícia é quando o homem morde o cachorro”. Entre formas mais
elaboradas e outras nem tanto, aprendi na escola de Jornalismo (USP) o que é ou
não deve ser visto como notícia. E aqui estou, em princípio, a propósito do
silêncio da TV Globo sobre as acusações de Tacla Duran sobre os vícios que
rondam a Farsa Jato.
Até
então, o lado mais visível da ópera bufa de Curitiba era o discurso moralista,
por meio do qual se promoveria a redenção do país. O lado comercial mais
visível não passava de adesivos para automóveis e camisetas postas à venda por
entidades de classe da Polícia Federal e congêneres. Depois, mais suspeitas no
ar, quando parece que a Justiça não foi muito prudente ou rígida com a
transmissão de audiência sigilosa, por celular, para um blogueiro da revista
Veja. Sem rigor cronológico, surgiram via Nestor Cerveró notícias da “venda de
informações para revistas”.
O
mercantilismo foi amadurecendo e evoluiu para o comércio de palestras –
proferidas por oficiantes da Farsa Jato ou não, até desaguar na realização de
eventos voltados para o combate à corrupção, leis sobre lavagem de dinheiro,
compliance. Entretanto o lado mais comercial estaria por aparecer e eclodiu com
entrada em cena de Marcelo Miller, ex-assessor do trapalhão Rodrigo Janot. Eis
que o caso JBS dá origem à Operação Tendão de Aquiles (PF), para apurar
transações que teriam garantido à empresa ganhos milionários no mercado
financeiro. Tudo isso sem contar que graças Farsa Jato o Brasil está
sendo vendido a preço de banana.
Como
se não bastasse, estão em pauta as denúncias do advogado Tecla Duran. Segundo
ele, o advogado Carlos Zuccolotto Júnior negociava abrandamento de pena e
permissão para usufruir de benefícios do crime em troca de “delação
direcionada”. Zuccolotto é amigo pessoal e padrinho de casamento de Sérgio
Moro. É também sócio do escritório de advocacia de Rosângela Wolff, esposa de
Moro. Zuccolotto pedia 1/3 dos honorários por fora. A série de reportagens
sobre a indústria da delação premiada, feita em conjunto pelo
Jornal GGN e o DCM ilustram com primor a parte necrosada do enredo
golpista. São fortes as suspeitas de negociatas envolvendo as delações.
Seria
imprudente e contraditório de nossa parte, tornar absoluta a essência das
matérias produzidas pelo GGN/DCM. Afinal, a sociedade ainda espera ansiosa que
a Farsa Jato apresente as provas concretas contra Lula. Seguindo o mesmo
caminho, deve prevalecer o raciocínio inverso de que mais provas possam surgir
contra os oficiantes da Farsa Jato. Mas, como macaco não olha pro seu rabo,
Sérgio Moro disse que não se pode dar credibilidade a certas pessoas, ainda que
ele, quando lhe convém, trace o caminho inverso dessa assertiva. De qualquer
forma, as denúncias precisam ser contextualizadas sob outras perspectivas.
Senão, vejamos.
Está
escrito no Art. 4º da Lei 12.850/2013 que o juiz poderá, a requerimento das
partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena
privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação. A mesma lei
prioriza a personalidade do acusado e efetivos resultados da colaboração
(delação), destacando também que nenhuma sentença condenatória será proferida
com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. O que mais
chama a atenção na lei é que a colaboração (delação) deve ser voluntária.
Noutras palavras, deve ser iniciativa do próprio acusado.
Com
propriedade, o jurista Luís Flávio D’ Urso em artigo na revista eletrônica
Conjur destaca que “uma das principais regras a ser observada é a da
voluntariedade, pois a delação premiada não pode ser compelida ao delator, que
jamais poderá ser forçado a delatar. A voluntariedade está intimamente ligada à
origem da delação premiada, pois o delator deve agir movido pelo sentimento de
arrependimento ou de colaboração com a Justiça, afastando-se da prática
criminosa”.
É
justamente sob essa perspectiva da voluntariedade, espontaneidade que as
delações precisam ser examinadas. Na prática, as prisões têm servido como
instrumento de tortura para que haja a colaboração (delação). Se isso por si só
tem desmoralizado processos e sentenças conduzidos dessa forma, novos
horizontes se abrem com a denominada indústria das delações. Os diálogos, se
procedentes, revelam não apenas a inexistência de espontaneidade e, pelo
contrário, demonstram uma nova face mercantil da Farsa Jato.
Nesse
sentido, três aspectos importantes chamam a atenção. Primeiro, ter sido
surpreende que Sérgio Moro, de pronto, tenha saído em defesa de um dos
envolvidos. O segundo é a omissão de Raquel Dodge, procuradora-geral da
República do Brasil, de quem não se esperaria que fosse investigar aquele
magistrado ou seus messiânicos colegas da Farsa Jato. Mas que pelo menos
determinasse que fosse apurada a procedência das suspeitas levantadas,
sobretudo diante das notícias de fraude processual, extratos fajutos, contas
inativas, diálogos suspeitos, além de francos indicadores de mercantilismo nas
tratativas. O terceiro é a indiferença diante do cachorro mordido pelo homem,
promovida pela TV Globo et caterva. Tecla Duran não é notícia.
Parto
do princípio de que Sérgio Moro e sua trupe sejam pessoas honradas. Mas, é
inegável que uma série de ilegalidades, muito além das apontadas neste texto,
estão presentes na Farsa Jato. Diante das ilegalidades conhecidas, posso supor
que os oficiantes do engodo golpista nacional acham que os fins justificam os
meios. Desse modo, para salvar o Brasil do pecado, do comunismo e promover a
redenção do povo e do PIB, estão aceitando ilegalidades, posturas erráticas
para defender bens e valores maiores - ambos dignificantes. Leia-se, cometem
crimes.
É
fácil perceber que o modelo social, político e econômico defendido por Moros,
Marinhos, Maçons e Malafaias tem vícios que corromperiam até o papa Francisco
se assumisse a Presidência da República. Talvez isso explique a liderança de
Lula nas pesquisas. É como se o povo, além de ter Lula na memória como o melhor
presidente do Brasil, também ache, assim como Moro, que os fins justificam os
meios. Se algum crime Lula cometeu, o povo já o perdoou. E a isso chamo de uma
recíproca quase verdadeira.
Armando
Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia
Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
GGN