Com ajuda da
mídia, carreira de procurador submergiu dando lugar a uma verdadeira trajetória
do herói.
Há alguns
meses teci alguns comentários sobre o Morodämmerung, no texto O
crepúsculo do deus da Lava Jato. Hoje farei algumas considerações sobre o
crepúsculo de outro inimigo mortal do PT.
Quando
declarou guerra a Lula, Deltan Dallagnol foi apresentado ao respeitável público
como um moço religioso, abnegado, honesto e totalmente comprometido com a
cruzada contra a corrupção. As entrevistas e fotos dele inundaram a internet.
Impossível esquecer a imagem dele ajoelhado sendo ungido por pastores
evangélicos como se fosse um hospitalário que colocaria a vida em risco para
garantir a rota entre a Europa e Jerusalém conquistada aos mouros.
É evidente
que o procurador da Lava Jato deixou de ser apenas um servidor público como
outro qualquer. A imprensa o transformou num personagem grandioso e passou a
reforçar esta imagem. Em pouco tempo a carreira profissional de Deltan
Dallagnol submergiu e deu lugar à uma verdadeira trajetória do herói concebida
sob a inspiração da obra de Joseph Campbell:
Todavia, o
procurador da Lava Jato apenas se tornou um verdadeiro pop-star quando
apresentou o powerpoint demonstrando que Lula era o líder máximo de
uma organização criminosa. Foi nesta oportunidade que ele disse a frase famosa
que começou a destruir sua imagem. Perguntado sobre como havia chegado à
conclusão de que o ex-presidente petista era o capo di tutti capi Dellagnol
disse:
“Não temos provas, mas convicção…”
A corrupção
dos princípios constitucionais de Direito Penal pelo procurador, porém, não foi
notada pela imprensa. O acusado não era um dos mascotes amestrados dos barões
da mídia. José Dirceu foi condenado porque não provou sua inocência (voto de
Luiz Fux), Lula foi denunciado porque a convicção do procurador servia como
indício da prova do crime, da autoria e da motivação.
Imediatamente
os juristas brasileiros começaram a questionar as estranhas teorias de
Dallagnol. Mas a imagem dele não sofreu um grande dano, pois a grande imprensa
seguiu reforçando a imagem positiva que criou para ele. Seguro de si, o
procurador começou a cometer erros.
O primeiro
foi adquirir imóveis utilizando um programa social destinado à população de
baixa renda. Dallagnol ganha quase 100 mil reais por mês e não é exatamente um
pobrezinho que precisa de subsídio estatal para comprar a primeira casa
própria. O segundo erro dele foi bem mais grave do ponto de vista iconográfico.
No dia da audiência de interrogatório de Lula por Sérgio Moro, o hospitalário
do MPF tirou folga e deixou a espada pendurada na parede. A ausência dele foi
interpretada como covardia profissional imperdoável.
E então uma
bomba explodiu no colo do procurador mutilando definitivamente sua imagem de
bom moço. É fato, Dellagnol está utilizando seu cargo e as informações
privilegiadas sobre a Lava Jata que detém para dar palestras em troca de
dinheiro. No início do processo as motivações dele pareciam ser apenas
religiosas, políticas e ideológicas. No final, o que impele o acusador de Lula
é apenas a ganância pelo vil metal.
A saga do
procurador da Lava Jato começou como uma jornada do herói descrita
por Joseph Campbell e tudo indica que ela terminará como uma paródia da obra de
Maquiavel.
“O quanto os homens podem facilmente
corromper-se
O
decenvirato nos fornece um exemplo da facilidade com que os homens se deixam
corromper; da presteza com que o seu caráter se transforma, ainda quando
naturalmente bom e cultivado pela educação.
Basta
considerar como os jovens que Ápio escolhera para acompanhá-lo logo se
familiarizaram com a tirania, deixando-se seduzir em troca de umas poucas
vantagens. Basta ver Quinto Fábio, membro do segundo decenvirato, homem famoso
pela virtude, mas a quem a ambição cegou, sendo seduzido pela perversidade de
Ápio e desprezando a virtude para mergulhar no vício, tornando-se em tudo um
émulo deste.
São fatos,
que examinados maduramente, darão mais motivos ainda aos legisladores da
república e dos reinos para impor um freio às paixões dos homens, tirando-lhes
a esperança de poder errar impunemente.” (Comentários sobre a primeira
década de Tito Lívio, Nicolau Maquiavel, editora UNB, Brasilia, 5a.edição,
2008, p. 139)
Além de
corromper os princípios constitucionais de Direito Penal ao acusar e humilhar
publicamente Lula sem provas, Dallagnol fez a mesma coisa que os corruptos
fazem: ele usou o cargo que ocupa para obter vantagens pessoais. O ciclo dele
está completo e a imprensa certamente irá descartá-lo. A queda do procurador da
Lava Jato é inevitável. Quando for suspenso ou perder o cargo ele poderá
finalmente se dedicar mais ao estudo da bééééblia. Mas se ele resolver estudar
Direito Constitucional e Maquiavel tanto melhor.
Do GGN