Há
alguns dias critiquei severamente a decisão de Sérgio Moro. Disse que a
sentença dele me parece problemática por causa de três detalhes importantes:
1- A
condenação considerou prova do crime cometido pelo réu as reportagens
jornalísticas que acusaram Lula de receber propina. Em virtude dos fatos
enunciados nestes documentos particulares elaborados por jornalistas o juiz
resolveu desprezar um documento público (a certidão do Cartório de Registro de
Imóveis que prova que a construtora sempre foi e ainda é a legítima
proprietária do Triplex);
2- A
Lei considera crime receber propina, mas Sérgio Moro condenou Lula não porque
ele recebeu propina e sim porque ele foi acusado por jornalistas de ter
recebido propina (o que é muito diferente). Portanto, me parece evidente que ao
proferir sua sentença o juiz da Lava Jato inventou um novo tipo penal para
decretar a prisão do réu;
3- Em
virtude da condenação, todos os bens de Lula adquiridos honestamente foram
arrestados pelo juiz. Mas Sérgio Moro tomou o cuidado de não arrestar o Triplex
que seria o próprio objeto do crime. Ele fez isso porque o terceiro
proprietário poderia facilmente desembaraçar seu imóvel expondo a incoerência
da condenação de Lula? http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/explorando-as-cavernas-dos-casos-de-sergio-moro-por-fabio-de-oliveira-ribeiro.
Hoje
o juiz da Lava Jato resolveu confiscar o Triplex para entregá-lo à Petrobras. A
princípio, a nova decisão parece coerente. Afinal, Sérgio Moro declarou que
Lula recebeu o imóvel como propina, portanto, ele seria o proprietário do bem.
E nada seria mais justo do que perder a propriedade do objeto do crime.
Todavia,
a decisão esbarra em dois problemas. O primeiro é o princípio do Direito Penal
de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do réu expressamente assegurado no
inciso XLV, do art. 5o. da CF/88. O imóvel está registrado em nome da
construtora e ela não é parte no processo em que Lula foi julgado e condenado.
Portanto, a pena imposta a Lula ultrapassa a pessoa do réu para produzir
efeitos na vida do terceiro.
Outro
problema é a grave violação do direito de propriedade da construtora. No Brasil
o proprietário de um imóvel (aquele em cujo nome o bem está registrado no
Cartório de Imóveis) tem seus direitos garantidos pelo art. 5o., XXII, da
CF/88. O criminoso pode ser condenado a perder a posse e a propriedade da coisa
que foi objeto do crime. Mas o imóvel não está registrado em nome de Lula e a
construtora não foi parte no processo que resultou na condenação do
ex-presidente.
Além
de garantir o direito de propriedade, a CF/88 prescreve expressamente que
ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5o. LIV).
O proprietário pode até perder seu imóvel numa ação desapropriação, mas isto só
ocorrerá mediante justa e prévia indenização apurada num processo em que o
prejudicado tenha tido a oportunidade de se defender (art. 5o., XXIV c.c. art.
5o. LV).
Sérgio
Moro expropriou o Triplex de Lula não para atribuí-lo à construtora (legítima proprietária
do bem de acordo com o registro no Cartório de Imóveis), mas para entregá-lo à
Petrobras. A construtora foi privada do seu bem sem o devido processo legal e
sem indenização. Quem indenizará o prejuízo causado por Sérgio Moro à
construtora? Como pode a Petrobras receber a restituição de um imóvel que nunca
lhe pertenceu?
A
mim parece que neste caso a emenda ficou pior que o soneto. Para conferir mais
“aparência de coesão” à sua decisão, o Juiz da Lava Jato foi obrigado a
grosseiramente violar vários princípios constitucionais. Na prática Sérgio Moro
transformou a 13a. Vara Federal de Curitiba num Tribunal de Exceção.
Desprezando o que consta no art. 5o., XXXVII, da CF/88, ele age como se
pudesse criar as regras jurídicas que vai aplicar, pouco se importando com sua
obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir fielmente a Lei tal como ela foi
aprovada e promulgada (art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura).
Em
30 anos de profissão (27 de advocacia mais 3 de estágio) nunca vi nada
parecido. De abuso em abuso, Sérgio Moro está cada vez mais se transformando
num personagem literário. Não, não estou me referindo ao guarda que zomba
Joseph K. dizendo que ele “Admite não conhecer a lei, mas declara-se
inocente…” (O processo, Franz Kafka). Sérgio Moro está cada vez mais
ficando parecido com o pobre Gregor Samsa, caixeiro viajante que certo dia
acordou transformado num inseto (A metamorfose, Franz Kafka).
Ao
impor uma pena à construtora que não foi parte do processo movido contra Lula,
ao privar o terceiro da propriedade do Triplex sem o devido processo legal e,
pior, sem qualquer indenização para entregá-lo a quem nunca foi seu legítimo
proprietário, O
juiz da Lava Jato se transformou num fantástico ser kafkiano. Mas ao contrário
de Gregor Samsa, o vaidoso Sérgio Moro parece não ter qualquer consciência da
imagem que está projetando dentro e fora do Brasil. Quem em sã consciência
investiria num país em que os membros do Judiciário são capazes de ignorar,
pisotear, violar e desprezar o direito de propriedade?
GGN