Não resta mais dúvida, para quem tem um mínimo de capacidade
de reflexão crítica, que o Brasil está descendo ladeira abaixo na qualidade de
sua governação política. Os dados não disfarçam, apesar da mentira pregada dia
a dia pelos golpistas em torno de seu chefete Michel Temer.
Aumentam os índices de violência na sociedade, espelhados na
taxa de homicídios por 100 mil habitantes; aumenta a população carcerária em
função da suspensão de um decreto de indulto pela presidente do STF e a
insensibilidade de juízes e promotores com a explosiva situação social;
aumentam os subempregos legalizados em virtude do massacre promovido aos
direitos trabalhistas; diminuem drasticamente os investimentos públicos,
principalmente por conta de uma política fiscal irresponsável e sem compromisso
com o país e, no mesmo passo, aumentam as endemias pelo descaso do grupelho que
se aboletou no Planalto para com a aquisição e aplicação sistemática de vacinas
à população.
Em resumo: estamos ao Deus dará e só está feliz quem especula
com o capital financeiro improdutivo.
Temos o pior dos cenários para as futuras gerações, largada
nas mãos de um ministro da educação que de educação entende tão pouco quanto um
jogador de luta livre deve entender das sutilezas de uma cerimônia do chá.
A mais nova do mendoncinha-pula-cerca (sim, o dito ministro
“da educação” golpista ficou célebre por fugir de alunos e se debandar de uma
universidade pública pelos fundos, pulando a cerca que delimitava seu campus!)
é a censura política a atividades acadêmicas em total desrespeito a e
ignorância da autonomia universitária. Como não gostou do uso da palavra
“golpe” no programa de disciplina de curso de Ciência Política, absolutamente
adequada para qualificar a deposição fraudulenta da presidenta Dilma Rousseff,
acionou o ministério público contra a universidade e o professor.
Pouco se lhe deu de examinar a ementa e o programa, até
porque o semi-analfabeto censor disso nada entende. Mas, se tomasse um
pouquinho seu tempo para isso, ao invés de receber ator de filme pornográfico,
logo verificaria a exatidão científica da proposta de ensino, propedeuticamente
esforçada em explicar o uso do termo “golpe”, para, depois, examinar as varias
facetas do processo político que redundou na tomada do poder pelo arrastão de
trombadinhas de que o sedizente ministro “da educação” faz parte. Tudo com
rigor metodológico e calçado em rica bibliografia.
O que chama mais atenção, porém, na iniciativa de
mendoncinha-pula-cerca é o descarado uso do ministério público para anular a
autonomia universitária. Para o interlocutor de ator pornô, magistério superior
é caso de polícia. Se alguém ainda titubeasse sobre se o aparelho judiciário é
ou não é parte do esquema do golpe, aqui vai a prova: é merecida a confiança
que angariou junto a atores como o censor de disciplinas.
Já há tempos membros do ministério público se arvoram em
reitores de universidades públicas sem ter titulação para tanto. Metem-se em
tudo: às favas com a autonomia universitária inscrita na constituição!
Autonomia que vale é só a dos meganhas togados do parquet. O resto é
bobagem, porque ninguém pode barrar sua atuação. São incontrolados e
incontroláveis. E se vangloriam disso. Podem até mesmo legislar em causa
própria, concedendo-se vantagens muito distantes do que a lei prevê. Para quem
pode tudo isso, chutar a autonomia universitária é “peanuts”!
É por isso que dão palpites a conteúdo e avaliação nos
concursos públicos de professor; determinam relógio de ponto para docentes,
mesmo se eles não tem sala de trabalho em suas faculdades; julgam reitores pelo
valor da lata de lixo que a prefeitura do campus adquiriu para sua residência
oficial; discordam da legalidade de financiamento de pesquisas e cursos com
recursos da reforma agrária, quando beneficiam lavradores sem terra; metem seu
bedelho na discussão sobre políticas de cota… e por aí vai. Hoje, para alguém
administrar uma universidade, basta que faça concurso para procurador da
república!
E os membros dessa casta parajudicial têm majoritariamente os
mesmos valores de Temer, mendoncinha-pula-cerca et caterva. Do alto de
suas redomas de bem-estar social, têm bronca de petista e de povo. Só gostam
mesmo é de paneleiros de camiseta da seleção quando protestam contra a PEC 37.
Não é à toa que seu outrora líder inconteste, Rodrigo Janot, não tenha mexido
um dedo para obstar a violência contra a constituição, quando a presidenta
Dilma Rousseff foi destituída.
Pelo contrário: colocou lenha na fogueira, abrindo inquérito
contra a chefe de estado, acusando-a de ter indicado ministro do STJ para
passar a mão na cabeça de Marcelo Odebrecht. Claro que a acusação infundada não
foi longe, mas deu munição aos estilingues dos trombadinhas em arrastão. Dizem
que, a essa altura, o então PGR estaria piscando os olhinhos para o chefete do
golpe, ávido por mais um mandato à frente de sua instituição-corporação, com ou
sem lista associativa que o calçasse.
Merece, com certeza, o esforço academico de ensino, pesquisa
e extensão o momento ímpar de nossa vida política. A engrenagem do golpe é
assaz complexa para ser explicada em poucas linhas d’um ensaio. A prova maior
dessa complexidade está aí: a tranquilidade de mendoncinha-pula-cerca ao clamar
pelo socorro dos procuradores da república, na certeza de que, como no golpe,
não o deixarão na mão.
DCM