A Vila de Shyamalan pode nos parecer um lugar estranho com
seus pactos, criaturas e segredos, mas ecoa o mundo que criamos para viver.
‘Aqueles-dequem-não-falamos’, nossos monstros, foram concebidos por nossos
próprios líderes, em última análise, somos nós mesmos (“A VILA, O medo como
instrumento de organização espacial”, por Roberta Carvalho)
Maringá é uma cidade do norte do Paraná. Foi criada a partir
de uma empresa colonizadora (CMNP – Companhia Melhoramentos Norte do Paraná) há
mais de 70 anos.
De inspiração inglesa, tem largas ruas e avenidas, grandes
praças e ampla arborização (perdendo em área verde somente para a cidade de
João Pessoa, na Paraíba).
Estratégica para o comércio agrícola, especialmente graças à
colheita de café (antes dos trágicos eventos climáticos, geadas negras de 1975
e 1979, que dizimou os cafezais), também se beneficiou do arroz e, mais tarde,
da cultura da soja. Cresceu rapidamente e, hoje, é a terceira maior cidade do
Estado (perde para a capital, Curitiba, e Londrina).
Maringá tem uma história política interessante, sempre aliada
de poderosos, incluindo um arcebispo, hoje falecido, muito próximo dos
militares que destruíram a democracia brasileira no pós 1964.
Ele detinha, em toda a década de 70, uma rede de TV, um
grande jornal e emissoras de rádios. Todos estes veículos de foram vendidos
para os barões da elite local, que hoje monopolizam a informação: o jornal para
um “repórter” de coluna social e a TV para uma grande retransmissora da Globo.
A cidade é sede de família de coronéis, especialmente uma
família com sobrenome de hebdomadário e outra da matéria original da Criação
(mas no plural…).
Aqui nasceram expoentes da direita que hoje dominam a
política e o judiciário nacionais, encabeçados, de um lado, por um que foi
entronado Ministro da Saúde, e um juiz-justiceiro que ganha com palestras e
abraça penduricalhos que estouram o teto constitucional.
Maringá tornou-se um curral eleitoral e município propagador
do ódio que hoje campeia no país. Transformou-se numa cidadela como a do filme
“A Vila”, dirigido por M. Night Shyamalan e estrelado por Joaquin
Phoenix, Adrien Brody, William Hurt e Sigourney Weaver.
Tal como na fita, os maringaenses vivem a ilusão de habitar
num lugar exclusivo, imiscível do resto do país (um de seus prefeitos, por dois
mandatos, chegou a compará-la, na Veja, a Dallas, nos EUA…).
A população é mantida sob o domínio extremo do temor ao
comunismo, das leis do consumo exacerbado, da música sertaneja, e da ilusão de
que aqui todos são ricos e de “primeiro-mundo”.
A única coisa que embaça essa “visão” são os inúmeros
negócios fechados (cerca de 30%), os imóveis de aluguel às moscas, a
mendicância nos faróis, os indígenas vendendo seus artesanatos na rua, o grau
crescente de criminalidade.
A segunda cidade mais arborizada do Brasil
O maringaense encontrou-se na esquina da Avenida Tiradentes
com a Avenida Herval, em frente ao McDonalds, para comemorar a queda de Dilma,
as decisões de Moro, a condenação de Lula.
Por trás do lustro, Maringá é uma cidade que abriga uma
classe média que se caracteriza pela alta sonegação fiscal, pela audiência de
repórteres policiais sempre mancomunados em programas televisivos e
radiofônicos com os políticos de plantão.
A cidade é habitada por uma “panela de raças”, de europeus a
japoneses. Afrodescendentes são raros, e encontramos muitos veículos com
adesivos de mensagens xenófobas como “O SUL É O MEU PAÍS”.
As conversas nas rodas mais “bacanas” giram em torno do
último sucesso sertanejo, da melhor academia, de quem “ficou com quem na high
society”, de quem poderia estar sendo achacado em programas policiais, das
últimas decisões da “FIESP” local, da genial ideia de se usar um caminhão do
Exército como ônibus turístico, de quem engravidou de algum poderoso, da
possibilidade de algum maringaense no BBB ou no The Voice.
O povo se indigna com Dilma, espera a prisão de Lula e deseja
que os comunas sejam executados. Mas fala à boca-pequena de operações da PF que
nunca vão adiante envolvendo empresários e políticos locais que dão sustentação
ao governo Estadual, envolvido em bilionários desvios de recursos de escolas
públicas (Operação Quadro Negro).
Os maringaenses respiram aliviados quando sabem que tudo
acabará em nada, como a não prisão de um ex-prefeito da cidade, Jairo Gianotto
(acusado de desviar 1 bilhão de reais de recursos públicos), livrado por Sergio
Moro, ou o tiro n’água do caso do BANESTADO, liderado por esse mesmo juiz, que
não puniu ninguém, nem seu principal operador, Yousseff.
Eles se divertem em seus belos parques muito arborizados. Na
praça da catedral se reúnem para protestar contra as coisas de sempre. Aos
sábados e domingos, templos evangélicos ficam em festa exorcizando o diabo e
arrancando dízimos dos fieis.
Assim são os dias em Maringá, a desilusão da humanidade.
*POR MARCOS DANHONI, Professor-titular da Universidade
Estadual de Maringá, onde nasceu.
GGN