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Ricardo Stuckert
Duas
pesquisas publicadas nos últimos dias confirmaram a tese que defendemos no
artigo publicado na semana passada: a
de que houve um efeito saturação com as denuncias e ataques a Lula. A
pesquisa CNT mostra que Lula venceria as eleições de 2018 em todos os cenários.
E a pesquisa Ipsos mostra que a rejeição de Lula cai e que aumenta a rejeição
do juiz Moro, de Dória, Bolsonaro e vários outros políticos. A falta de
materialidade de provas contra Lula reforça a ideia de que ele é alvo de um
ataque persecutório por parte de Moro. Dória vem se evaporando no ar por diversos
motivos. Já, Bolsonaro, começa a assustar os eleitores na medida em que, de sua
boca, saem investidas de cavalaria.
A
crise política e institucional, contudo, parece não ter chegado ao apogeu e a
complexidade e incertezas que ela suscita tendem a aumentar. O fato é que o
golpe desorganizou o funcionamento institucional e já não há governo, não há
Congresso e não há Judiciário funcionando nos parâmetros da normalidade
democrática e institucional. Nem o Judiciário e nem o Congresso mostram-se
capazes de solucionar a crise. A questão central é essa: há um governo
ilegítimo, sem nenhum apoio social, cujo presidente da República é chefe de uma
organização criminosa, nas conclusões da Procuradoria Geral da República. O
presidente e as instituições estão desmoralizados e sem legitimidade.
O
povo brasileiro está posto de joelhos em face da incapacidade da oposição de
produzir um movimento de massas para tirar o presidente. O presidente, por
força da Constituição, é comandante-em-chefe das Forças Armadas. Não é normal
que as Forças Armadas de um país, com os seus padrões de disciplina,
hierarquia, ordem, sensos de honra e moralidade, sejam comandadas por um chefe
que, ao mesmo tempo, é chefe de uma organização criminosa, conforme conclusão
de investigações. É neste contexto que deve ser compreendido o pronunciamento
de militares, agora da ativa.
O
pronunciamento dos militares faz crescer o impasse da crise. Se, por um lado, é
correto que eles não podem aceitar como comandante alguém que chefia uma
organização criminosa, por outro, há um claro limite constitucional para a sua
ação política. Eles não podem agir como poder interventor acima da
Constituição. Mas ao mesmo tempo, o Judiciário e o Congresso mostram-se
incapazes de solucionar a crise, ao menos parcialmente, com a remoção do
presidente ilegítimo.
Ao
impasse militar e ao impasse do Congresso e do Judiciário, soma-se um terceiro
impasse: A investida de vários setores na sanha quase cruenta para impedir a
candidatura de Lula à presidência. Esses setores são legionários do caos,
estimuladores da desobediência civil, engendradores de rebeliões. Se o Brasil,
a República, as instituições e o sistema político estão destroçados e carentes
de legitimidade, como tirar do processo eleitoral o líder com maior
legitimidade? E como tirá-lo a golpes arbitrários, sem provas cabais de ter
cometido os delitos de que é acusado? Como tirar do jogo eleitoral justamente o
líder que pode reconfigurar a legitimidade institucional? Na verdade, esses
setores, estão armando um ciclone de grandes proporções no horizonte da
política brasileira.
A
hora do confronto
A
crise brasileira só poderá ter um início de solução pacífica se o processo
eleitoral for marcado pela legalidade e legitimidade, o que implica permitir
que Lula dispute as eleições. Se este é o requisito condicional de uma eleição
democrática, as forças progressistas e de esquerda precisam se organizar e
organizar linhas de defesa desde já para salvaguardar a democracia. Os líderes
progressistas atuais terão seus nomes inscritos na ignominiosa histórica da
covardia se agirem como agiram na derrubada de Dilma, na aceitação de fato de
Temer e na falta de reação na votação da reforma trabalhista.
Alguns
analistas, inclusive de esquerda, afirmam que Lula é passado, que faz parte do
arranjo que emergiu da Constituição de 1988 e que este arranjo desmoronou
porque expressava a conciliação e esta não tem mais lugar a partir do golpe.
Nisso tudo, apenas a última afirmação é verdadeira. Na verdade, há uma enorme
incompreensão na avaliação de que Lula é passado. Ocorre que o movimento
positivo do país que nasceu com a nova Constituição e que teve nos governos
Lula seu ponto mais alto, teve sua trajetória interrompida e o Brasil está
passado por um grave retrocesso nos direitos, na cidadania, na democracia, na
ciência e tecnologia, na soberania, na pluralidade, na convivência, na cultura
etc..
Lula
é o único líder, neste momento, capaz de interromper este retrocesso, pois as
forças democráticas e progressistas estão desorganizadas e desorientadas. O
país não vive nenhuma situação revolucionária. Pelo contrário, o memento é de
resistência para impedir uma destruição maior. Este momento requer unidade das
forças progressistas e capacidade de liderança e comando. O conteúdo que o
movimento em defesa da candidatura Lula e de sua possível candidatura vierem a
assumir dependerá do grau de unidade e de engajamento das esquerdas, dos
democratas e progressistas nesses esforços. Trata-se de um conteúdo em disputa,
que dependerá da força política o organizacional que os setores progressistas
dispuserem para barganhar no programa ser construído e nas políticas
públicas que poderiam vir a ser implementadas.
A
fragmentação das forças progressistas as despotencializará, reduzindo o número
de deputados, senadores e governadores eleitos. Dividir e fragmentar significa
ser a esquerda que a direita quer. A unidade tem que ser com Lula ou sem Lula,
se ele for impedido. Se o momento é de resistência e de recuperação terreno
tomado pelo inimigo, trata-se de ser prudente, econômico nas expectativas e
severo nas advertências, pois os riscos de novas derrotas são significativos.
Lula terá que ter a sabedoria e a humildade para conduzir essa unidade e
o PT terá que deixar de lado o seu costumeiro exclusivismo, fazendo concessões
justas ao seus aliados.
Mas
tudo isto é possível? A resposta a esta pergunta é mais de dúvida do que de
certeza. A esquerda é madrasta de sua própria desgraça. Lutar para afastar
Temer, mobilizar para garantir a candidatura Lula e construir a unidade
democrática e progressista são as três principais tarefas da conjuntura. Mas o
que se vê nos partidos, movimentos e organizações sociais e de esquerda é mais
confusão, dispersão, falta de unidade e de rumos.
A
fragmentação que está se armando caso Lula não possa concorrer poderá produzir
uma nova derrota devastadora: nenhum candidato progressista no segundo turno
das eleições presidenciais. Este seria o preço a ser pago pela ausência de
responsabilidade histórica e pela ambição inconsquente dos partidos e de
potenciais candidatos do campo progressista. A incapacidade de perceber o
momento histórico-político do país faz com que partidos e grupos mirem os seus
egoísmos particulares ao invés de olharem para o sofrimento do povo e suas
necessidades.
Aldo
Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Do
GGN