Acordo
coletivo previa que trabalhadores não receberiam por tempo em deslocamento; TST
foi contra, mas STF manteve.
Direitos
previstos na legislação trabalhista estão sendo atacados; categorias devem se
unir para preservá-los - Pedro Ventura/Agência Brasília.
Uma
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 2 de junho, abriu
espaço para discussões no meio jurídico sobre os rumos dos direitos dos
trabalhadores após a "reforma" implementada em 2017, ainda durante o
governo de Michel Temer (MDB).
O
Supremo confirmou uma cláusula de acordo coletivo que suprime direitos
previstos na legislação trabalhista, em votação do colegiado do STF, que deu
ganho de causa à Mineração Serra Grande S/A, de Goiás, em recurso contra
decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O
acordo coletivo assinado previa que a empresa forneceria transporte para os trabalhadores
entre o centro urbano da cidade de Crixás e a sede da mineradora, mas sem
pagamento pelas horas gastas em deslocamento. O TST anulou essa cláusula
do acordo – e foi essa decisão que foi derrubada pelo STF.
Centrais
criticam a decisão
Em
nota em seu site oficial, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) lamentou a
derrubada, e lembrou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Justiça
do Trabalho geralmente autorizavam que "o negociado prevalecesse sobre o
legislado", desde que não implicasse em retirada de direitos. Desde as mudanças na legislação trabalhista, porém, a pedido dos
patrões, o critério passou a poder ser aplicado de sinal trocado: a Justiça
passou a ter a prerrogativa de retirar direitos.
O
advogado José Eymard Loguércio, que representou a CUT Nacional na votação no
Supremo, afirmou que a negociação coletiva deve ser valorizada, mas o
Judiciário não pode naturalizar a retirada de direitos. A entidade foi
convidada a participar, mesmo não sendo parte diretamente envolvida, como
representante dos trabalhadores em geral, que têm interesse direto no processo.
"Quando
se faz uma naturalização da regressão de direitos para a construção da
autonomia coletiva, começamos a desproteger novamente, porque não há princípio
de equivalência entre as partes", disse, durante o primeiro dia do
julgamento no Supremo (quarta, dia 1º).
O
secretário-geral da Intersindical, Edson Índio, destacou que a supressão do
direito de pagamento pelas horas em deslocamento não teve nenhum tipo de
contrapartida. Ele disse que a decisão do Supremo acompanha a posição das
entidades patronais, que há muito tempo pressionavam para poder retirar
direitos, o que culminou com a "reforma" de Temer.
"Foi
um retrocesso, mas não esperávamos coisa diferente, já que as decisões de
matérias que chegam ao STF geralmente têm sido ruins para os
trabalhadores. Esse debate, inclusive, sobre pagamentos de horas gastas em
itinerários a locais de difícil acesso, aconteceu durante a tramitação da reforma,
isso já era previsto", lamentou.
Índio
disse, ainda, que a decisão do Supremo é perigosa em pontos menos específicos.
Por exemplo, quando é citado que os direitos trabalhistas podem ser negociados
abaixo do que preveem as legislações, desde que um "patamar mínimo"
de direitos seja respeitado.
"Só
pode haver negociação para melhorar o que já está conquistado. Negociar pra
reduzir é que não pode. Não vamos, centrais e sindicatos, negociar abaixo do
patamar que já temos. Isso inclusive vai contra o princípio constitucional do
não retrocesso social", alertou.
Alerta
para os trabalhadores
Para a juíza do trabalho, Valdete Souto Severo, que também é
professora de direito do trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), o caso deve ser observado com atenção pelas entidades de classe. Ela
lembra que a discussão nas instâncias superiores da Justiça só existiu por que
o acordo coletivo previu que os trabalhadores não receberiam pelas horas que
passam no transporte fornecido pela empresa.
"Nesse
caso específico, a discussão não se relaciona com a questão do 'pactuado sobre
o legislado'. O STF está tirando um direito previsto em lei, mas retirado em
acordo. O que o Supremo está dizendo é que é possível um acordo coletivo
retirar um direito previsto em lei", alerta.
A
juíza chama atenção para o fato de que a legislação em vigor prevê requisitos
mínimos para as relações de trabalho, e isso inclui, por exemplo, o tempo
máximo de jornada de trabalho, a necessidade de salário mínimo e o oferecimento
de condições de segurança. E alerta: cabe aos sindicatos negociarem para
conquista de melhores condições para as categorias que representam – e não
piores.
"Essa
decisão é muito importante para ser refletida e discutida, pois mostra como o
STF está se comportando perante alguns direitos que são reconhecidos como
fundamentais. O problema é quando convenções e acordos retiram direitos, e cada
vez retiram mais. O sindicato assinou um acordo", destaca.
Espaços
em disputa
Professor
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o jurista Jorge
Souto Maior vai na mesma linha, e afirma que a classe trabalhadora não deve
aceitar argumentos econômicos de que "se a empresa não reduzir
direitos, ela não vai conseguir se manter", em ambientes de negociação e
reforça que as categorias devem se recusar a aceitar propostas que retirem
conquistas anteriores.
A
decisão do STF no caso da mineradora goiana, segundo Souto Maior, não
"faz terra arrasada" nos direitos trabalhistas. O caso é muito
específico e ainda há muitos espaços de disputa. "Não é uma situação
simples, mas é absolutamente necessário que os sindicatos, as centrais
sindicais e o movimento trabalhista como um todo deem uma resposta em outro
sentido: não negociar nada que envolva redução de direitos. Essa contraposição
política é que pode estabelecer mudanças positivas", pondera.
A
mineradora goiana pertence ao grupo sul-africano AngloGold Ashanti, um dos maiores da área no mundo. A
decisão tomada beneficia a gigante, e, por ser uma decisão específica, não tem
impacto favorável a outras empresas, deste e de outro setor.
"Nesse
caso é um benefício para esta empresa em detrimento de outras, que não
conseguem o mesmo patamar de redução de benefícios. Quando os trabalhadores
assinam um acordo de retirada de direitos, eles favorecem o grande
capital", destaca Souto Maior.
"Só
vai ser possível reverter esse cenário com uma atuação da classe trabalhadora
como classe. O que interfere na vida dos petroleiros deve dizer respeito
também aos metroviários. O que interessa aos metalúrgicos, interessa também aos
bancários. Sempre que houver esse tipo de ameaça a uma categoria, as demais
devem estar solidárias", completa.
Brasil
de Fato: Rodrigo Durão Coelho.