segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

MST NO MARANHÃO LANÇA PRÉ-CANDIDATURA DE GILVÂNIA FERREIRA PARA DEPUTADA FEDERAL

Nascida na Paraíba, "Gilvânia do MST" é filiada ao PT e atua há 30 anos na luta pela reforma agrária no Maranhão.

Escolhida pelo MST Maranhão como pré-candidata a deputada federal, Gilvânia Ferreira já soma 30 anos de movimento sem terra - Hannah Letícia,

A imagem da infância é a cerca do latifúndio que esmaga o quintal da casa. Nesse cenário, complementa-lhe o olhar diário a cana-de-açúcar, a usina, os trabalhadores e as trabalhadoras esbagaçados no engenho, além de famílias sem terra buscando pequenos pedaços que lhes caibam na franja das gigantes fazendas de um único dono, para plantar e sobreviver à fome.

Na comunidade de Canafístula, no interior da Paraíba, nos idos dos anos de 1970, uma menina de uma família de camponeses sem terra pobres percebe que as condições de vida dessa gente não andam muito bem. Embora lhe faltasse discernimento à época, não lhe faltava a astúcia do querer saber.

A menina foi crescendo inquieta, enérgica, estudiosa. Devorava livros de literatura emprestados pelas professoras da escola. Começa a imaginar o mundo, que não queria igual ao de sua convivência, por vezes tão brutal. 

Aos nove anos, lê cordel para homens e mulheres analfabetos, que só tinham o fardo do trabalho na roça e na cana, sem arte, sem direito, sem pão, sem chão. Aos 13, escreve cartas carregadas de saudades e novidades a pedido dos camponeses e das camponesas para enviar aos seus parentes distantes, migrantes que foram obrigados a vender sua força de trabalho em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Na juventude, embalada pelos discursos proferidos por Margarida Alves, sindicalista rural na Paraíba, a vida começa a traçar seu destino. Participa da igreja organizando grupo de jovens, até que um dia lhe chega um livro sobre as mulheres combatentes da Nicarágua. A cabeça fervilha. Agora, ela tem a certeza de que as mulheres têm importante papel nesse mundo e passa a conceber que a luta pode ser organizada pelo povo.

Aos 17 anos, em 1987, conhece o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ainda em seu estado natal, Paraíba, num momento de intensos conflitos por terra, caracterizados por violência e assassinatos contra famílias camponesas. Mesmo assim, sem temer, lhe dá vontade de engrossar as fileiras junto a tantos e tantas lutadoras contra a concentração de terra e as desigualdades sociais nesse país. Então decide: “A partir de agora, vou rodar este país, este Nordeste, ocupando terra e fazendo luta pela reforma agrária”. 

Nascia, então, a histórica e sagaz militante, conhecida como Gilvânia do MST. Depois de colaborar com a fundação do movimento em vários estados da região, foi enviada ao Maranhão. Hoje, 30 anos depois de sua chegada ao estado, Gilvânia tem a memória e a participação nos principais embates da luta pela reforma agrária na terra do arroz, da juçara, do babaçu e do reggae. 

Lançada recentemente pelo MST como pré-candidata a deputada federal pelo PT do Maranhão, Gilvânia explica, em entrevista ao Brasil de Fato, porque agora aceitou entrar para outra frente de batalha, onde mulheres negras, mães, educadoras e camponesas como ela não têm espaço.

 

Confira abaixo a entrevista concedida ao Brasil de Fato: 

BdF - São 30 anos de MST-Maranhão. Você ajudou na constituição de muitos assentamentos que beneficiam milhares de famílias hoje. É isso que te chama para uma nova luta concorrendo como pré-canditada à Câmera Federal?

Gilvânia do MST - O que me chama a concorrer como pré-candidata a deputada federal é minha história, minha classe e a decisão do meu movimento, a vontade de mudar este país em benefício dos mais prejudicados, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, as populações extrativistas, as várias juventudes que existem neste país, as mulheres. 

O que me chama é a luta por um conjunto de direitos que nos foram negados e tirados, para reverter isso e promover políticas públicas que ajudem a fomentar saúde, educação, cultura, lazer, trabalho, renda, acesso à terra, habitação, tudo que leve a população maranhense a uma vida digna. [Para] participar de um lugar de luta importante na política brasileira, que sempre negou ou não deixou pessoas com minha trajetória de vida chegar lá – filha de camponeses pobres, sem terra, mãe, negra, camponesa e educadora.

Como você conheceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?

Quando eu tinha 17 anos, foi nesse período que eu escutei falar do MST. A sindicalista Maria da Penha, que estava ajudando nas articulações para a chegada do MST na Paraíba, me convidou para participar de uma oficina sobre o Jornal Sem Terra, editado e produzido pelo Movimento. 

Dessa oficina, já saí como zeladora, que cuida da chegada e distribuição do jornal nas regiões e nos territórios. E fui correspondente também do periódico, ficando responsável por mandar informações sobre as confusões agrárias na Paraíba: a área em conflito, a história do lugar, nome do fazendeiro, quantas famílias estavam mobilizadas, quais as organizações que estavam ajudando no processo de resistência.

Lembro que foi a primeira vez que me chamaram de "comunista", quando eu distribuía o jornal na escola, nas comunidades rurais. "Ah, você é comunista, esse jornal é de comunista". Falar de reforma agrária era ser comunista, isso estava muito vinculado, na Paraíba, às ligas camponesas, que foram muito fortes. 

Depois eu fui pra são Paulo, também numa atividade do Jornal Sem Terra. Sendo minha primeira viagem para fora da Paraíba. E depois fui para o 5º Congresso Nacional do MST em São Paulo, também em 1989. 

E assim virou militante da organização? 

É importante contar um fato que aconteceu um ano antes, em 1988. Além da tarefa do Jornal Sem Terra, eu também estava com a tarefa de articulação da organização do Movimento no estado da Paraíba. E foi nesse ano a realização de um encontro estadual com várias organizações e pessoas para decidirem se a gente ia fundar o MST na Paraíba ou não. 

A pergunta na assembleia, na verdade, era: vamos ou não ocupar terra? Se sim, fundamos o MST no estado. Era um momento de muita violência do latifúndio contra os posseiros, camponeses que queriam terra para trabalhar na Paraíba. Então, as pessoas tinham muito medo desse enfrentamento.

A votação estava empatada. O Jaime Amorim estava nessa assembleia e disse que meu voto foi decisivo. Lembro que Neuri Rosseto estava presente também, dois militantes históricos do MST. Pois bem, votei pelo "sim" das ocupações e ali fundamos o MST na Paraíba. 

Esse "sim" foi para muitas coisas: para a fundação do MST, mas também foi o momento em que tomei uma decisão definitiva na minha vida: "A partir de agora, vou rodar este país, este Nordeste, ocupando terra e fazendo luta pela reforma agrária". 

Eu tinha terminado o ensino médio e já poderia entrar nas fileiras da luta. Esse era o compromisso: não podia largar os estudos, senão a Maria da Penha me "puxava as orelhas".

E você foi rodar o Nordeste nas lutas do MST?

Sim, mas, quando voltamos do quinto congresso, já tínhamos a tarefa de em um mês começar a ocupar terra na Paraíba, ou seja, voltamos pro trabalho de base. É o período em que entro na Frente de Massa, mas sempre me articulando com todos os temas e setores do MST.

Quando, no ato da ocupação, você precisa organizar a terra-mulheres, terra-escola, terra-saúde, terra-juventude, terra-cultura, porque a terra tem todos esses componentes, e o militante da Frente de Massa tem que ter a totalidade do Movimento. 

Tem que saber trabalhar a questão de gênero – às vezes, íamos para as negociações, e um monte de companheiro presente, e as mulheres fazendo a refeição no acampamento. Não, isso não pode acontecer. E eu sempre dizia: "Vamos colocar outras mulheres nessa comissão de negociação, as companheiras da escola, as rezadeiras, as que fazem os remédios medicinais nos acampamentos e por aí vai...".

Por isso que hoje temos uma paridade de gênero no MST. Ou seja, a Frente de Massa foi uma universidade pra mim, porque ali é necessário ser pedagogo, psicólogo, compreender a subjetividade do povo que está no acampamento, entender afetividade e os sonhos das crianças.

A ocupação é a hora da partilha, de vencer o medo e de discutir problemas estruturais da nossa sociedade. Por exemplo, a nossa base social do MST no Maranhão, é majoritariamente negra, então temos que trabalhar a questão racial, sobretudo, da sua participação na construção da riqueza deste país, onde os negros e negras foram violentados, nos seus corpos, na sua subjetividade, na sua sexualidade, foi um processo de violência brutal para produzir riqueza pra colônia. Neste sentido, não podemos nunca esquecer que nossa base é indígena, quilombola, ribeirinha, extrativista. 

Assim, eu fui com todos esses elementos despertos para trabalhar com o povo, andar por este país. Participamos das primeiras ocupações de terra do MST no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Já existia MST na Bahia, Alagoas, Sergipe e Piauí. E no Maranhão já existia uma articulação do Movimento, com várias organizações; entre elas, o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (Centru), coordenado pelo histórico Manoel da Conceição, que nos deixou o ano passado, infelizmente. 

E como foi sua chegada ao Maranhão? 

Minha chegada ao Maranhão se deu através de um convite da Frente de Massa do Movimento para que eu contribuísse com o processo de luta pela terra no estado. Desembarquei em 2 de junho de 1992 na rodoviária de Imperatriz, vim pra passar um ano e já estou há 30 anos [risos].

Ao longo desses anos no Maranhão, muita coisa me marcou. Logo nos primeiros dias, fui para um despejo na cidade de Zé Doca, numa terra grilada pelos fazendeiros da região. Fomos despejados e retomamos a terra depois. Ou seja, "cheguei chegando". 

Depois fui para Vitória do Mearim, na baixada maranhense, ajudar a organizar a escola do acampamento Vila Diamante, que não tinha nada, nem cadeira, nem carteira, nem lousa. Bom, nossa ideia era ocupar a prefeitura e exigir do prefeito da cidade que fizesse as melhorias na escola e cedesse os materiais. 

Mas não tinha dinheiro para pagar os ônibus pra ir até a prefeitura com os acampados. Aí a gente teve a ideia de parar os ônibus na rodovia, enchia de gente e, assim, chegamos e ocupamos a prefeitura. Em muito pouco tempo, chegou muita polícia, com muita repressão, deu tiro de bala de borracha, espancou e prendeu 19 companheiros. 

Diante disso, eu corri até a rádio da cidade para denunciar o que estava acontecendo, e a polícia atrás de mim na rádio para me prender. Consegui escapar pelos fundos e me esconder na casa de familiares de um promotor de Justiça na época. 

No mesmo dia, começou a aparecer deputado, vereador, organizações de direitos humanos vindos de São Luís para libertar os companheiros. 

Como eu estava dizendo na rádio que precisávamos de ajuda e qual era nossa causa, começou também a chegar no meio do tumulto, muitas camionetes com as traseiras cheias de trabalhadores rurais das comunidades. Os moradores da própria cidade saíram às ruas, nos alojaram nas casas deles, foi um momento muito bonito. 

Qual outro momento que você rememora na sua chegada ao Maranhão?

As marchas convocadas pelo MST, que são inesquecíveis. Em 1993, fizemos uma grande caminhada chamada de Marcha da Esperança, que foi de Vitória do Mearim até a capital, São Luís, cerca de 240 km.

Essa marcha foi em conjunto com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Maranhão (Fetaema), com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o movimento das viúvas dos posseiros assassinados na disputa pela terra, as quebradeiras de coco, comunidades tradicionais – que ainda não chamavam de quilombolas, se denominavam comunidade dos pretos, comunidade dos santos, terra de preto, era assim os nomes. Na caminhada, as pessoas iam se juntando à marcha e diziam: "Sou da comunidade das Lagoas"; "[Sou] da comunidade dos Baianos", que tinham perdido suas terras griladas pelo agronegócio, e iam entrando na marcha porque também estavam em conflito.

Fazíamos debate sobre reforma agrária nos municípios e nas comunidades onde parávamos, e tinha um sentido de formação muito importante. Essa estrada que liga as cidades até São Luís é toda de conflito por terras. Foram mais de 10 dias de marcha.

E um dos momentos mais bonitos foi quando chegamos à ponte do Estreito dos Mosquitos, na entrada de São Luís. Ali fizemos o Encontro das Luzes, que era o encontro entre campo e cidade. Os trabalhadores da cidade nos recepcionaram com tochas. Eu tinha 23 anos, e aquele foi um momento muito marcante na minha vida. 

Você chegou por Imperatriz, mas depois foi para outras regiões. Quando é que retornou e territorializou o MST nessa região?

Eu rodava por todo o Maranhão, mas para a região Tocatina vim definitivamente em 1995. Aqui era tudo acampamento, não tinha assentamento. Tive minha filha em 1995, a Tainá. Com menos de um ano da bebê, em 26 de março de 1996, ocupamos a fazenda Califórnia. Era o filé mignon de Açailândia, na beira da estrada.

Os latifundiários já tinham ficado furiosos com a consolidação do assentamento Itacira, conhecido como Vila Conceição, muito próximo à fazenda Califórnia. Fomos despejados em 24 horas. Tinha a polícia vinda de toda a região pra tirar a gente, pois era uma área cobiçada pelo projeto de celulose, inicialmente da Celmar, que passou para a siderúrgica Ferro Gusa Carajás e depois pra Suzano. Eles tinham comprado muitas terras em Açailândia para a produção de eucalipto. 

A fazenda Califórnia, inclusive, estava na lista das fazendas que eles queriam comprar para plantar eucalipto. Depois que ocupamos a fazenda, eles aceleraram o processo de compra e plantação de eucalipto, tanto que hoje o assentamento está cercado de eucalipto. 

Nós conseguimos reverter o processo de despejo fazendo muita mobilização no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], na cidade, porque eram quase 600 famílias nessa ocupação. E assim conseguimos a desapropriação. 

E depois do assentamento Califórnia? 

Como tinham muitas famílias nessa luta, nós tínhamos possibilidade e gente para ocupar mais terras na região. E foi aí que descobrimos que tinha uma área pública do Exército que tinha sido cedida pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) para treinamento dos soldados na região. 

Ocupamos! E o Incra não queria de jeito nenhum conversar com a gente. Então fomos ocupar o Incra. Foram dias intensos de muita mobilização, mas conseguimos as terras cedidas para o Exército, uma área de quase 22 mil hectares que hoje abriga um complexo de assentamentos e vilas: Nova Vitória, Nova Conquista, Macaúba, Conquista da Lagoa, 50 Bis... É uma das maiores conquistas do MST nessa região e demarca nossa territorialização na região tocantina.

Brasil de Fato.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

“DISNEYLÂNDIA DO NEONAZISMO”. MAS NÃO É BRINCADEIRA. FERNANDO BRITO

Aos que acham que esta história de neonazismo é “folclore” em torno de alguns alucinados sem importância, recomenda-se a leitura da reportagem de Janaína Figueiredo, na edição de hoje de O Globo. onde registra-se que o Brasil é, no mundo, o país “onde mais cresce o número de grupos de extrema direita”. São 530, segundo um grupo de professores dedicado à pesquisa do tema:

— Desde 2018, o Brasil se transformou no país com maior crescimento de grupos de extrema direita. Este fenômeno tem a ver com a eleição de Jair Bolsonaro que, num nível subterrâneo, está vinculado a estas ideologias. Hoje, estima-se que 15% dos brasileiros são de extrema direita — afirma Michel Gherman, membro do Observatório da Extrema Direita, professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Instituto Brasil-Israel.

Seu colega Karl Schuster, professor das Universidades de Pernambuco e Vigo, na Espanha:

— Estas mais de 530 células ganharam autorização para aparecer. A pergunta fundamental não é se estes grupos são ou não fascistas, e sim por que eles trazem para si aspectos do fascismo histórico. O que eles ganham se aproximando desses discursos?

Eles manifestam a preocupação com a facilitação do acesso a armas desde que Bolsonaro assumiu a Presidência porque “todos estes grupos são contrários a qualquer tipo de nova regulamentação para voltar a restringir o acesso a armas e munições”.

Creio que a origem deste fenômeno assustador veio de antes, do momento em que a direita brasileira, a pretexto da derrubada de um governo eleito, aceitou conviver com estas ideias.

Parece que ninguém se lembre que, há apenas 6 meses, após o “7 de Setembro” golpista de Bolsonaro, alguns destes grupos acampavam com faixas nos gramados de Brasília prometendo “ucranizar o Brasil”.

Tijolaço.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

KIEV DIZ QUE SERÁ ‘INIMIGO’ QUE EM FOR À RUA APÓS 17 H. POR FERNANDO BRITO

O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, determinou que qualquer pessoa que esteja nas ruas de Kiev após 17 horas (hora local, meio-dia no Brasil) será considerado “inimigo” e, em consequência, preso ou alvejado.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, respondeu que “não precisa de carona” a uma suposta sugestão dos EUA para que evacuasse a capital do país.

O Ministério da Defesa do Reino Unido, certamente mais bem informado que quase todos nós, soltou um comunicado em que diz que a maior parte das tropas russas está acantonada a 30 km de Kiev.

Não existe ainda, e por algumas horas, uma batalha por Kiev. Todos os pequenos avanços russos são localizados, visando destruir os centros militares da capital, com artilharia e ações de comandos e de sapadores. Os russos querem evitar tanto quanto puderem o combate urbano, o que mais causa baixas, mas, ao mesmo tempo, tentam evitar colocar a cidade sob fogo intenso de mísseis e de artilharia, Basta lembrar das ofensivas dos EUA sobre Bagdá, no Iraque, para saber que, se quisesse, Putin teria tantas ou mais condições de aniquilar Kiev com um bombardeio de algumas horas.

Chega a ser mal-disfarçado o interesse da Otan que isso aconteça e lhe dê uma vantagem imensa na opinião pública mundial.

O destino da Ucrânia importa-lhes pouco, porque a submissão do país a Putin será fartamente compensada com o “prêmio” de colocar bases da Otan na Escandinávia e avançá-las na Europa do Leste.

Esqueça qualquer amor à autodeterminação dos povos, não é isso que está em questão, mas o avanço do império norte-americano para Leste, ou Oriente, se preferirem dar ao boi o nome que ele tem.

Tijolaço.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

QUEIXA DE BOLSONARO PODE SER SINAL DE AUMENTO DA GASOLINA. POR FERNANDO BRITO

Jair Bolsonaro, sempre adepto da tática de dizer que os problemas “não são com ele”, fez hoje pesadas críticas aos salários (astronômicos, por sinal) dos dirigentes da Petrobras. Pode ser uma manobra “preventiva” para se dissociar do aumento de preços que todos sabem que está sendo adiado, mas terá de acontecer nos próximos dias, em razão da alta mundial do petróleo.

“O diretor ganha 110 mil por mês. O presidente, mais de 200 mil por mês e no final do ano ainda tem alguns salários de bonificação. Os caras têm que trabalhar! Têm que apresentar a solução e mostrar o que aconteceu na Petrobras nesse tempo e como essa dívida de 900 bilhões de reais está sendo paga”.

Bolsonaro costuma usar o método de atacar as “mordomias” dos diretores da Petrobrás quando estão para sair aumentos de preço, e a ocasião mais aguda foi quando demitiu o então presidente Roberto Castello Branco e nomeou para seu lugar o atual presidente, general Joaquim Silva e Luna que manteve a mesma política de paridade com os preços internacionais do petróleo que, embora mais espaçados, chegaram perto de 50% em 2021.

A queda do dólar, que chegou perto de 10% desde janeiro estava sendo suficiente para segurar o ajuste. Mas o fim das quedas da moeda norte-americana e a disparada do preço do barril no exterior (perto de 30% desde o início do ano) tornou isso inevitável e, com a política de preço que seguem, urgente.

Tijolaço.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

BOLSONARO, O QUE FAZ ERRADO ATÉ QUANDO FAZ O CERTO. POR FERNANDO BRITO

Jair Bolsonaro é tão grosseiro, desqualificado e estúpido que, até ao fazer as coisas certas, faz errado.

Poderia ter ido à Russia sem problemas. Viagem marcada há tempos, parceiro comercial do Brasil, mesmo a crise – ainda sem guerra – da Ucrânia não lhe tiraria a razão de cumprir a agenda, com discrição e formalidade.

Mas fez vários movimentos errados, o maior deles de praticamente reduzir a militares a sua comitiva, e uma escolha desastrosamente errada da palavra a usar em relação ao governo Vladimir Putin: solidariedade. De glacê no bolo, a imbecil insinuação de que, “coincidência ou não”, ele tinha “levado a paz” ao conflito da Europa do Leste.

É, realmente, um “cabeça de meme”.

Mas hoje ele repetiu a dose e, para “corrigir” a estupidez do seu vice, o General Mourão, que havia atropelado e defendido um “solução de força” contra a ofensiva russa sobre a Ucrânia, soltou os cascos em sua mentecapta live das quintas-feiras:

“Deixar bem claro: o artigo 84 da Constituição diz que quem fala sobre esse assunto é o presidente. E o presidente chama-se Jair Messias Bolsonaro e ponto final”, comentou. A declaração foi feita nesta quinta-feira (24).
“Então, com todo respeito a essa pessoa que falou isso, eu vi as imagens, falou mesmo, está falando algo que não deve, não é de competência dela [Hamilton Mourão]. É de competência nossa”

Tudo isso ao lado do Ministro das Relações Exteriores, Carlos França (que havia soltado uma correta nota defendendo o fim das hostilidades e o início do diálogo) que não abriu a boca.

É claro que quem fala pelo país, em matéria de política externa são o presidente e o chanceler e que Mourão é um espectro que está na vice-presidência só porque era um general boquirroto.

Mas desautorizá-lo expressa e grosseiramente assim, Bolsonaro “vende” outra vez um apoio decidido à ação russa, o que é um erro tão grande quanto se alinha ao coro das sanções.

Um imbecil é sempre um imbecil, acima de tudo.

 Tijolaço.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

COM LUCRO RECORDE DA PETROBRAS, É ESCÁRNIO DERRUBAR IMPOSTO. POR FERNANDO BRITO

Dê-se o “desconto” de que o primeiro ano da pandemia foi um tempo de petróleo barato (embora nem tanto a gasolina, o gás e o diesel) e é um exagero pensar que o lucro da Petrobras em 2021 -R$ 106,6 bilhões, contra R$ 7,1 bilhões em 2020 – tenha sido muito maior.

Mas 1.400% de aumento no lucro líquido é uma situação que não só torna a empresa uma extorsionista dos consumidores brasileiros como, descaradamente, uma vilã do processo inflacionário que acontece neste país.

Afinal, subir o preço nas bombas em 50%, em um ano, que nome merece?

Ainda mais quando se articula uma chantagem para tirar dos estados (e dos municípios, que têm grande participação no ICMS – parte de sua receita em tributos sobre o preço dos combustíveis.

A empresa produziu menos petróleo (-2,2%) mas ganhou muito mais na exportação do óleo bruto e dos derivados. Reduziu sua capacidade de refino e anunciou que pretende seguir na sua política de “desinvestimento”, isto é, na venda de “nacos” da empresa, como fez na sua privatização da sua rede lucrativíssima de postos (a BR Distribuidora) que construiu ao longo de cinco décadas de sucesso.

Só de venda de ativos, no último trimestre do ano, foram R$ 28 bilhões.

Dos lucro, R$ 101 bilhões serão distribuídos aos acionistas em dividendos A União fica com R$ 37 bilhões e os R$ 64 bilhões restantes são embolsados pelos acionistas privados, sem um centavo de impostos.

Como era mesmo a declaração “intervencionista” de Lula?

“Nós não vamos manter o preço da gasolina dolarizado. É importante que o acionista receba seus dividendos quando a Petrobras der lucro, mas eu não posso enriquecer o acionista e empobrecer a dona de casa que vai comprar um quilo de feijão e paga mais caro por causa da gasolina”

Que é isso, Lula? 1.400% a mais de lucro é “a mão invisível do mercado” tirando a parte dela…

Tijolaço.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

PUTIN AVANÇA, PARA E ESPERA. POR FERNANDO BRITO

Logo após a fala de Vladimir Putin, ontem, escreveu-se aqui que ele poderia “escalonar sua ofensiva, porque o simples reconhecimento das duas repúblicas não o obriga a nada” embora indique “para uma improvável ofensiva sobre aqueles territórios” : “Ele [Putin] estica a corda e deixa claro que não fará novo recuo até que o Ocidente acene com alguma proposta de limitar a presença da Otan na Ucrânia, como parece ser o seu desejo.

Putin joga xadrez, seus adversários parecem jogar damas.

Era tão evidente isso que foi o que, ao menos nas primeiras 24 horas, aconteceu. Putin jamais daria ao Ocidente o que EUA e Otan queriam: imagens de colunas de tanques, às centenas, com a chama dos disparos na ponta de seus canhões”.

Não quer dizer que esteja descartada alguma ação militar incisiva, mas dificilmente ela seria espetacular.

Lembrem-se que esta guerra, como todas as modernas, tem a propaganda como artilharia mais eficaz.

Não há nada nas sanções anunciadas por Biden e por países europeus que sejam um grande problema para o Governo russo: proibir transações financeiras de bancos russos nos Estados Unidos é como usar uma peneira para conter água, sustar um gasoduto – sanção também há muito prevista – é um tiro no pé da economia alemã e europeia, totalmente dependente do suprimento de gás russo.

Da mesma forma, mandar armas para a Ucrânia, com o nível de sofisticação que armamentos têm hoje é inócuo, porque exceto equipamentos básicos, não há pessoal habilitado a manejá-las com eficiência e é, neste momento, impensável que tropas da Otan e, especialmente, dos EUA vão se engajar em combates no solo.

No mais, pensar em ataques aéreos ao solo, com mísseis e helicópteros, é desalentador: além de conduzir o conflito para um combate sem limites, e não há a supremacia absoluta no ar que houve nas últimas guerras travadas pelos EUA, contra o Iraque, no Afeganistão e na Síria. Disparar um míssil contra território russo e abrir-se a um disparo equivalente contra quem o disparou.

O Ocidente podia ter deixado “por menos”, sem nada ou muito pouco de prejuízo estratégico. A Ucrânia pode querer fazer parte da Otan, mas se a Otan tivesse dito “não”, numa atitude prudente de deixar uma cortina “neutra” nas fronteiras russas, nada na lei internacional tornaria um direito esta associação. Mais adiante, com a crise já instalada, evitar uma atitude hostil, como a do “é mentira e eles vão invadir a qualquer momento” teria deixado Putin na obrigação de dar consequência à sua declaração de que as tropas se recolheriam.

Capitaneados por Joe Biden, com visíveis intenções de reforçar-se internamente depois do fiasco da retirada do Afeganistão, deixaram Putin conduzir como queria a situação.

E, claro, nada tem a ver com a Ucrânia e a segurança e autonomia de seus povos.

Tijolaço.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

PUTIN RECONHECE SEPARATISTAS E CRISE DA UCRÂNIA SOBE OUTRO DEGRAU. POR FERNANDO BRITO

Em uma longa fala – quase uma hora – em que passou em revisão as relações seculares entre a Russia e a Ucrânia, Vladimir Putin anunciou que reconhecerá “nos próximos dias” as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, na região de Donbass, onde há grande parcela de população russa, há um século e meio, desde que o carvão passou ser extraído da região do Donbass e provocou a chegada de grande quantidades russos.

Putin disse que a entrada da Ucrânia em restrições na Otan significa colocar sob perigo de ataque militar toda parte europeia da Rússia, até os Montes Urais: “misseis Tomawank a 35 minutos e mísseis hipersônicos a cinco minutos de Moscou”.

O presidente russo não adotou um discurso belicista e não fez conclamações na base do “tudo ou nada”, como tem feito o Ocidente. Mas falou de olho em seu público interno, destacando o fato de que os russos sempre deram apoio à Ucrânia, inclusive pagando suas dívidas após o fim da União Soviética. Trabalhou o tempo todo para colocar os ucranianos como dissipadores do legado russo., desde o Império e disse que foi Lênin quem produziu um estado ucraniano como república.

Não foi um discurso de guerra aberta, mas não foi um discurso de paz a qualquer preço e deixou claro que não vai oferecer mais do que já ofereceu, semana passada, quando chegou a falar em retirar as tropas à medida em que terminassem os exercícios militares.

Sobrou aos EUA e a Otan retaliar, mas até agora o fizeram de maneira fraca, com a edição de um decreto proibindo novos investimentos, comércio e financiamento nas regiões separatistas. Isso e nada dá no mesmo, claro.

Putin pode escalonar sua ofensiva, porque o simples reconhecimento das duas repúblicas não o obriga a nada, mas lhe dá razões para uma improvável ofensiva sobre aqueles territórios. Ele estica a corda e deixa claro que não fará novo recuo até que o Ocidente acene com alguma proposta de limitar a presença da Otan na Ucrânia, como parece ser o seu desejo.

O fato é que a crise escalou outro degrau e uma solução diplomática está cada vez mais longe, até porque o mundo vive um período de líderes apagados, incapazes de propor soluções e que, por isso, apelam para bravatas que tecem uma armadilha da qual eles mesmos se tornam prisioneiros.

Aqui, para nós, sobra mais alta no preço do petróleo, que bateu hoje 96 dólares (o tipo Brent) e vai deixando, apesar da queda do dólar, cada vez mais provável um aumento dos combustíveis.

Tijolaço.

domingo, 20 de fevereiro de 2022

O PT FOI AO LIMITE COM O PSB. POR FERNANDO BRITO

Ninguém duvida que a disputa presidencial, ainda que com variações dentro da margem de erro, segue polarizada entre Lula e Jair Bolsonaro, muito embora o percentual dos que optam por uma enorme variedade de outros candidatos ainda oscile na casa dos 20%.

Em votos válidos – excluídos brancos nulos, nenhum e indecisos – os dois somam isso, 80 %.

Portanto, ao que tudo está indicando, é esta a disputa que, em princípio, definirá votos para os governos estaduais e para o Congresso.

Aos partidos do Centrão, há boa certeza que não escreverão os nome de seu candidato oficial a presidente, porque sabem que, neste campo a hegemonia será dos “bolsonaristas-raiz”, impulsionados pelas falanges armamentistas, religiosas e belicosas.

No campo da direita não haverá outros espaços, exceto o enclave  “morismo”, que já demarcou claramente seu pequeno alcance.

E no campo popular?

Ao que parece, não há como o “cirismo” possa crescer e que o PSB, apresentando-se afastado de Lula, possa vicejar.

Lula já deixou evidente a sua intenção de agregar e fez o PT aceitar ceder acima e além do necessário para viabilizar alianças.

Até o posto de vice em sua chapa entregou a Geraldo Alckmin ofereceu, sem condições, que o exime de qualquer acusação de que vá procurar uma radicalização.

Mas tem todo o direito de reagir a uma postura de “reciprocidade zero” com que é correspondido. E de procurar uma aliança com Guilherme Boulos em São Paulo, já no primeiro turno.

O PSB tem de se cuidar, porque depende muito mais de Lula do que o ex-presidente depende dele.

Ambições fazem parte do jogo político, mas têm limites.

Lula e o PT cederam várias “janelinhas”, mas parece que se está fazendo opção pelo fim da fila.

Tijolaço.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

NÃO É ILEGAL, MAS É IMORAL E ENGORDA, DR. MORO. POR FERNANDO BRITO

Um dos velhos sucessos do “rei” Roberto Carlos perguntava se “será que tudo que eu gosto e ilegal, é imoral ou engorda?”

Como Dody Sirena, que cuida dos contratos de Roberto Carlos, é o “empresário” do candidato Sérgio Moro – eu confesso que nunca vi “empresário de candidato” – é o máximo, não é? – diante da notícia de que um grupo de operadores financeiros negociou um pagamento de R$ 77 mil à empresa do ex-juiz para que ele expusesse, em petit comité, os seus projetos para o Brasil, cabe lembrar disso.

E ler a história, em detalhes, apurada pelo The Intercept.

Como Dody, como intermediário, embolsou R$ 33 mil pelo arranjo, certamente terá pronto um “e daí” sobre a mutreta.

Como não é oficialmente candidato, provavelmente não é ilegal que Moro receba esta “bufunfa” dos empresários. Mas é imoral e engorda a já adiposa “caixinha” do moralista, já lotada pelos R$ 3,5 milhões (se é que foi “só” isso) que recebeu da multinacional encarregada de administrar os cadáveres da Odebrecht e da OAS.

Moro não está à míngua, muito ao contrário. Recebe R$ 22 mil mensais do partido Podemos para representá-lo e a grana gringa é suficiente para bons investimentos. . Mas, como prova o The Intercept, usa a plataforma de candidato para ganhos privados e secretos.

Se não fosse candidato em campanha, mas apenas um cidadão, poderia cobrar o que quisesse e achasse trouxas para pagar. Mas fazer isso como candidato uma completa falta de ética, que a grande mídia jamais perdoaria, por exemplo, a Lula, Ciro Gomes ou mesmo a Jair Bolsonaro, se quisermos descer ao poço mais profundo de falta de escrúpulos.

A gula do ex-juiz não conhece limites e certamente está ganhando muito não só neste, mas em outros “compromissos de campanha”.

Tijolaço.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

MELLO FRANCO: DEMOROU A CAIR A FICHA DE BARROSO. POR FERNANDO BRITO

Tenho tratado com insistência aqui do perigo que os punhos de renda de milord Luís Roberto Barroso, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, criou ao convidar as Forças Armadas para dentro da organização das eleições presidenciais, achando que assim evitaria o uso dos militares por Jair Bolsonaro para ameaçá-las.

É risco que ainda não passou, porque o sucessor de Barroso, Luís Edson Fachin parece querer seguir nas ilusões de que gentilezas bastariam para acalmar um presidente golpista e já disse ontem que “estenderá a mão” para o presidente, desde que ele não ameace a Justiça Eleitoral. É um erro, doutor Fachin, porque o TSE não tem de se relacionar com os poderes presidenciais ou com as instituições a ele subordinadas, sobretudo as que detém o monopólio da força. A relação do TSE, como corte eleitoral, é com seus jurisdicionados – eleitores, partidos e candidatos – sempre aberto a ouvir a sociedade – note a palavra, doutor – civil.

Bernardo Melo Franco hoje, em O Globo, escreve com clareza este erro (aqui, na íntegra) e de seu artigo trago o trecho conclusivo:

Em Moscou, o capitão [Bolsonaro] disse que o Exército determinará os “próximos passos” do processo eleitoral e que as Forças Armadas serão “fiadoras da lisura das eleições”. A tarefa nunca esteve prevista na Constituição. Mas o TSE tem sua parcela de culpa pelo engodo.
Em dezembro, a Corte ofereceu o cargo de diretor-geral ao general Fernando Azevedo e Silva. Ele aceitou o convite e marcou a data da posse. No início da semana, anunciou sua desistência. Alegou razões de saúde e deixou o tribunal com um abacaxi.
O general não tinha credenciais para atuar como guardião da legalidade. Como ministro do governo Bolsonaro, celebrou o golpe de 1964 como um “marco para a democracia”. Os defensores da sua presença sonhavam atrair a simpatia dos quartéis. Na prática, legitimaram a ideia da tutela militar sobre a eleição.
O TSE ainda abriu as portas ao general Heber Portella, indicado pelo ministro Braga Netto para um certo comitê de transparência. O militar apresentou um questionário sobre o voto eletrônico. Com base nele, Bolsonaro inventou que o Exército teria identificado “dezenas de vulnerabilidades” no sistema.
“Estou presumindo que as Forças Armadas estão aqui para ajudar a democracia brasileira. E não para municiar um presidente que quer atacá-la”, disse ontem o ministro Barroso. Talvez a ficha tenha caído tarde demais.

Se é que caiu, Bernardo, se é que caiu, porque pavões não olham seus pés.

Tijolaço.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A ARMADILHA DOS GENERAIS DA URNA. POR FERNANDO BRITO

A notícia mais importante do dia para o processo eleitoral foi a desistência do general Fernando Azevedo e Silva em ocupar o cargo de diretor geral do Tribunal Superior Eleitoral.

Com todo o respeito às suas justificativas de ordem pessoal (seriam alegados problemas de saúde, corre nos bastidores), o seu exercício naquele cargo seria, numa palavra, uma amoralidade, no mínimo.

O general foi, durante 26 meses, ministro do governo Jair Bolsonaro, condição que deveria fazer qualquer pessoa dar-se ou ser tida como impedida de gerir um processo eleitoral onde o mesmo presidente a quem serviu como ministro está disputando o pleito e, ainda pior, disputando no exercício do cargo que lhe dá o comando supremo das Forças Armadas, às quais, ainda que na reserva, Azevedo e Silva ainda pertence.

E isso é ainda pior, porque era por intermédio de Azevedo e Silva que Jair Bolsonaro intentava arrastar as Forças Armadas para um confronto com a Justiça Eleitoral.

Se foi, depois de tanto tempo, que levou a sua saída do Ministério da Defesa, mais grave ainda: o general sabe que seu ex-chefe tenta embrulhar os militares numa intervenção ou desvirtuação do processo eleitoral e, sendo um homem de caráter reto, jamais poderia ser levado, mesmo contra a vontade, a ser uma cabeça-de-ponte para isso ou, ao recusar-se, participar de um conflito de lealdades envolvendo uma instituição armada.

É infantil e perigosa esta confrontação que só existe porque o TSE, sob o comando do pavão Luís Roberto Barroso quis bajular os militares com esta indicação e com a designação de um representante das Forças Armadas para a tal “Comissão de Transparência Eleitoral” destinada a examinar a segurança das urnas eletrônicas.

Estamos brincando com “pegadinhas”, para que Bolsonaro use as perguntas militares como argumento e Barroso use a resposta pública – ainda que algo desaforada e “tecnocrática” para desqualificar o questionamento que só ocorreu porque ele próprio convidou a que fosse feito?

Bolsonaro não teve escrúpulos em usar esta representação como sendo “o nosso pessoal” e, ainda pior, com as pretensões dos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto de que um dos dois venha a ser o candidato a vice-presidente, virtualmente colocá-los como “chefes” de um representante militar que opina ou que levante suspeitas sobre a higidez da votação e da apuração das urnas.

Se não teve, porque teria para pressionar, em nome da lealdade castrense, para pressionar o militar que seria o diretor do Tribunal que as deveria garantir?

E, ainda pior, que seja sucedido pela estultice de Luiz Edson Fachin, aceitando uma provocação barata e insinuando, indiretamente, que hackers de Putin possam atacar nossas urnas, usando o método “Moro” do “não tenho provas, mas tenho convicção”?

Bolsonaro não chamou os ministros de “adolescentes” à toa.

Estão agindo como quem quer aparecer, em lugar de usarem o poder que têm com discrição e prudência, porque não só este é o correto como é o mais eficiente.

Porque Bolsonaro sabe usar isso para torná-los “suspeitos” daquilo que absolutamente não são: de serem “lulistas”, quando foram os dois ministros que mais se associaram à perseguição judicial ao ex-presidente.

O que resta a Bolsonaro em matéria de viabilidade eleitoral é questionar as urnas e ele fará isso todo o tempo com a “popularidade” de seus eventos para fanáticos transformando-se em “consagração pelas ruas” para confrontar-se ao favoritismo nas pesquisas que Lula exibe.

Tijolaço.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

TRAGÉDIA MOSTRA DE NOVO FALTA DE SISTEMA DE SOCORRO A DESASTRES. POR FERNANDO BRITO

Petrópolis agora, Franco da Rocha há duas semanas, Minas, há um mês, Bahia há dois.

Tragédia após tragédia, alem da falta de prevenção de desastres, fica evidente a incapacidade do país em reagir depressa e eficientemente a desastres “naturais” (naturais, nada, provocados pela precariedade da ocupação urbana ou pela exploração predatória de recursos naturais, como em Brumadinho e Mariana).

Temos Força Nacional de Segurança, Batalhões de Choque, pelotões disto e daquilo e nenhum mecanismo de reação rápida a estas tragédias que se repetem a todo instante. No máximo, Corpos de Bombeiros mal-equipados e com carência de pessoal que, independente da dedicação pessoal admirável com que muitos se comportam, não têm meios para agir na extensão que estes desastres ocorrem.

Viraliza na internet a imagem de uma mulher de meia-idade, a cavar com um enxada à procura da filha e da neta sobre o barreiro que virou o lugar onde estavam em Petrópolis, quase 24 horas depois de um deslizamento. No início, desesperada, dizia que os bombeiros não haviam chegado. Claro, por conta de serem mais de 50 as quedas de barro e de casas e eles, muito poucos.

54 mortes até agora e certamente muitas mais, porque não há sequer contagem dos desaparecidos.

Em todas as imagens que se vê são muitos os voluntários, mas sua capacidade de sondar as áreas de desastre, sem treinamento e sem equipamentos de resgate é, claro, muitíssimo menor.

Será que num país de tantos recursos não é possível termos forças de defesa civil (e até militar) capazes de intervir rapidamente, enquanto há possibilidade de salvar vidas? Duzentos ou trezentos resgatistas poderiam fazer toda a diferença e certamente não faltariam meios de colocá-los onde necessário em três ou quatro horas, dependendo do local a ser atendido.

Mas temos apenas um Secretaria Nacional de Defesa Civil sem meios de atuação direta e mais voltada para repasses de verbas após catástrofes, o que é necessário mas não responde aos momentos agudos destes eventos.

Tijolaço.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

PUTIN MOVE AS PEDRAS PRIMEIRO. FERNANDO BRITO

Ao anunciar que encerrou parte dos exercício militares próximos à fronteira com a Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin moveu peças no tabuleiro geopolítico do Leste Europeu e, politicamente, obriga os Estados Unidos a algum gesto de boa-vontade na crise provocada pela entrada do vizinho do coração da Rússia – são poucas centenas de quilômetros da fronteira até Moscou.

Apesar de manter uma retórica catastrofista (ainda ontem à noite a Casa Branca repetiu o mantra de uma semana de que uma invasão russa à Ucrânia poderia acontecer a qualquer momento) não será fácil para Biden não devolver o gesto de boa-vontade perante seus aliados europeus, exceto o Reino Unido, que pode continuar na escalada belicista dos “primos” norte-americanos.

O mapa aí de cima, publicado hoje pelo NYTimes (e completado pelo blog) mostra a razão pela qual a Europa continental vai pressionar por uma atitude que alivie a tensão com a Rússia: a sua dependência do gás russo – 45%, aproximadamente, de todo a importação da União Europeia. O gasoduto Nordstream, construído pelos russos sob o Mar Báltico, tira dos países do Leste Europeu – e muito especialmente da Ucrânia, o controle (e a cobrança de pesadas taxas de passagem) sobre as exportações russas.

Faz tempo que os russos tentam se livrar das pressões da Otan contra o aumento de suas exportações de gás. A primeira alternativa, o Southstream que, como o nome indica, usaria uma rota pelo Sul até a Itália foi barrado quando a Bulgária, por pressão dos EUA, não autorizou a passagem dos dutos por seu território o que, em parte, tenta-se “driblar” através da Turquia, Grécia e Macedônia.

A Europa, portanto, está espremida entre seu óbvio interesse em ter suprimento de energia (o gás, em boa parte, é usado para mover usinas elétricas) e a dependência político-militar-econômica dos Estados Unidos.

Quando você ouvir a palavra guerra, lembre logo de outra: dinheiro.

Tijolaço.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

PRESIDENTE DO BC FAZ SINAL A LULA. POR FERNANDO BRITO

A linguagem é cifrada, mas o sentido da mensagem – e a escolha da mensageira, Miriam Leitão – não poderiam ser mais evidentes.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse a ela que “diminuiu temor do mercado com vitória de Lula“, porque a perspectiva de vitória do ex-presidente não está criando pavor na cotação dos ativos financeiros.

As palavras são do estilo “não me comprometa”, mas dizem claramente que não há “efeito Lula” entre a turma do dinheiro:

“Nos preços de mercado, o que tem acontecido mais recentemente é uma eliminação de vários preços que mostram o risco da passagem de um governo para outro. Mais recentemente, a gente vê, quando olha esses preços, que eles atenuaram. Caíram um pouco. Significa que o mercado passou a ser menos receoso da passagem de um governo para o outro. “

Nada de estranho nisso, porque a “turma da bufunfa” tem uma década de experiência com os governos petistas ganhando muito dinheiro. Uns 80% desta turma não tem ideia do que foram os anos 80 e 90. Lula nunca foi-lhes um desastre e, se não fossem tão medíocres, veiram que ganha-se mais num país próspero do que num arruinado.

Mas há outra razão: Campos Neto ficará na presidência até 31 de dezembro de 2024 e é de todo prudente que ele sinalize ao provável sucessor de Bolsonaro que está disposto a ter uma relação respeitosa.

A ver se esta postura perdura, o que é conveniente para Lula, até porque teria de achar um “moderadíssimo” para colocar no BC, como teve de fazer em 2003, no seu primeiro mandato, com Henrique Meirelles.

Da parte dele não parece ser seu plano o “entrar de sola” nas políticas do Banco Central, a menos que este não chegue a janeiro de 2023 comandando uma trajetória de baixa na taxa de juros. Também isso está no radar do “mercado” e o ex-presidente certamente não fará o erro de forçar uma baixa abrupta, se ela estiver acontecendo em ritmo gradual.

O foco da baixa dos juros será pela via dos praticados pelos bancos públicos nas operações reais de financiamento, sempre muito acima da remuneração do dinheiro via Selic. E o primeiro biênio – que corresponde ao mandato de Campos Neto – certamente não será de pé no acelerador monetário.

A economia em ruínas que Lula herdará não enseja estas velocidades. Na segunda parte do mandato, sim, será hora de pisar no acelerador com a “casa arrumada”.

Tijolaço.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

BARROSO ADMITE SER CORDEIRO PARA O LOBO BOLSONARO. POR FERNANDO BRITO

Em entrevista a a O Globo e ao Valor (aberta para não assinantes) o ministro Luís Roberto Barroso descreveu o comportamento do presidente Jair Bolsonaro diante da segurança do processo eleitoral de forma idêntica ao que, ontem, foi dito aqui: o presidente do TSE, ao convidar as Forças Armadas para uma comissão de avaliação das urnas eletrônicas teve uma atitude como a do cordeiro diante do lobo da fábula, querendo convencer alguém que não aceitaria ser convencido.

Quando o presidente diz que encontraram vulnerabilidades antes mesmo de receber as respostas às indagações, ele está adiantando, desavisadamente, a estratégia que ele pretende adotar. Para falar a verdade, ele queimou a largada. Ele lança mão dos questionamentos feitos pelo representante das Forças Armadas, quando, na verdade, tudo o que foi feito foram algumas perguntas e, antes de ter recebido as respostas, já disse que tem vulnerabilidades. Ele antecipou a estratégia dele, que é: não importa quais sejam as respostas, eu vou dizer que o sistema eleitoral eletrônico tem vulnerabilidades. Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta.

Mas, doutor Barroso, o senhor não sabia disso no final do ano passado, quando convidou as Forças Armadas para examinar as urnas, o que compete à sociedade civil e aos partidos políticos, sabendo como Bolsonaro estava disposto a usar os militares como fator de desestabilização do processo eleitoral?

O presidente já não tinha mandado desfilarem os tanques fumacentos da Marinha na Praça dos Três Poderes para pressionar por um voto impresso maroto como o que deseja, com contagem manual? Já não tinha convocado o “Setembraço” que só não contou com forças militares porque a pandemia deu-lhes a oportunidade de, em razão dela, cancelar-se?

Ministro do Supremo e presidente de Corte Eleitoral não tem o direito de ser “bobinho”.

E estamos indo pelo mesmo caminho com esta história do Telegram. Achar que vai proibi-lo por lei, a esta altura, passando pelas duas casas do Congresso e por um provável veto de Bolsonaro à rede predileta de seus asseclas, faltando sete meses e meio para as eleições vai ser transformar a rede que não se submete à lei brasileira em bandeira das “liberdades cibernéticas” acenadas como bandeira por Bolsonaro.

O aplicativo há seis meses dá uma banana para a ordem do STF para retirar do ar publicação de Jair Bolsonaro com informações falsas sobre as urnas eletrônicas e a coisa está por isso mesmo. E Barroso diz que se estuda um projeto de lei para exigir que o aplicativo, sediado em Dubai, cumpra as leis brasileiras.

Ah, tá.

Tijolaço.