Espalhava
o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a
cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.
José
Serra sempre foi um político que cultivava o ódio como forma de dominar o
medo. Era implacável nos bastidores. Inaugurou a era dos dossiês, cooptando
procuradores, delegados da Polícia Federal e empresas de arapongagem. Não
poupou ninguém, nem adversários, como Lula, nem competidores políticos, como
Roseana Sarney, nem aliados como Paulo Renato de Souza.
Espalhava
o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a
cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.
Ao
mesmo tempo, era um político extraordinariamente inseguro. Nas crises políticas
mais agudas, como no episódio das enchentes em São Paulo, ou na crise econômica
de 2008, sumia.
Como
governador, colocou a polícia para reprimir estudantes da USP. Quando a Polícia
Civil cercou o Palácio dos Bandeirantes, pleiteando benefícios de
aposentadoria, imediatamente chamou os líderes do movimento e concedeu muito
mais do que pediam, ele que fez fama como fiscalista enérgico.
O
mesmo ocorreu quando associações empresariais e de trabalhadores pediram
audiência e ele se recusou a atender, em plena crise de 2008. Ambos ameaçaram
acampar na frente do Palácio e imediatamente foram recebidos.
Fui
uma das pessoas iludidas por ele. Voltou do exílio, ex-presidente da UNE,
avalizado por um livro em parceria com Maria da Conceição Tavares. Em plena
ditadura, um grupo de jornalistas econômicos conseguíamos superar os vetos dos
jornais, inserindo reportagens e entrevistas com ele e outros economistas dito
progressistas.
No
poder, gradativamente foi revelando seu lado obscuro, os dossiês, os ataques
implacáveis contra adversários, os sinais exteriores de riqueza, o pouco
empenho no trabalho. E, ao mesmo tempo, demonstrando um incrível
desconhecimento da economia e de temas relevantes para qualquer ministro ou
governador, nos cargos que ocupou.
Saiu-se
bem como Ministro da Saúde pelo bom senso de segurar no Ministério alguns
personagens históricos do movimento sanitarista, que deram sequencia aos
estudos para a implementação dos genéricos. Ao mesmo tempo, envolveu-se em
casos malcheirosos, como o da inviabilização da Biobras para beneficiar um
concorrente estrangeiro.
O
primeiro a me apontar esse despreparo foi Gustavo Franco, que terçou algumas
armas com ele na época do Real e se disse surpreso com o grau de ignorância de
Serra. Aí foi caindo a ficha sobre seus artigos e sobre os ghost-writers
a quem ele recorria. E sobre sua estratégia ilusionista. Cada vez que um
jornalista publicava algum artigo sobre tema novo, Serra telefonava e comentava
o artigo como se fosse conhecedor do tema, mesmo sem ter a mínima noção alem do
que saia publicado. Admito que era um recurso de retórica eficiente, ao qual
recorria também Fernando Henrique Cardoso.
Na
campanha de 2010, escancarou definitivamente sua falta de escrúpulos e de
princípios. Foi o principal responsável pelo uso dos temas morais na política,
ao acusar Dilma de “assassinar” crianças, por sua defesa do aborto em casos
específicos, um discurso de ódio como ainda não se ouvira nas campanhas
eleitorais, destruindo definitivamente a herança social-democrata do PSDB. E
rasgou definitivamente a fantasia com o jogo de cena da bolinha de papel.
Dali
em diante mergulhou em direção ao submundo. De seus aliados, passou a exigir
provas de lealdade, que consistiam em perpetrar atos abomináveis para serem
aceitos pelo cappo.
No
impeachment, mostrou mais uma vez seu oportunismo, estimulando o golpe, as
passeatas e aceitando o cargo de Ministro das Relações Exteriores, de Michel
Temer.
Até
que a Lava Jato atravessou seu caminho. E ali, o implacável Serra foi tomado de
medo pânico, pavor mesmo, similar ao sentimento que acometia as inúmeras
vítimas que deixou pelo caminho, fuziladas por dossiês e por manchetes de
veículos inescrupulosos.
Sua
vasta rede de alianças, no Ministério Público, no Supremo, conseguiu blindá-lo
até agora. Mas não o livraram do terrível sentimento do medo, especialmente
depois da informação que o Ministério Público suíço havia identificado
depósitos na conta de sua filha. Não confiou na blindagem proporcionada por
Raquel Dodge.
Somatizou
o medo, passou a enfrentar problemas de coluna, atolou-se em remédios e mais
remédios, foi se tornando cada vez mais ausente nas reuniões, nas sessões do
Senado, nas reuniões sociais. Hoje é uma sombra que se desmancha
irreversivelmente.
O
político terrível foi destruído pelo medo. Mas deixa uma herança pesada, como
um dos principais artífices das guerras viscerais que destruíram a democracia
brasileira.
Do
GGN