Nós
sabemos que no mundo da justiça-espetáculo as versões costumam ser mais
importantes do que os fatos. Lembrei dessa regra ao ler o depoimento de 12
paginas de Joesley Batista a Época, reproduzido com tambores e trombetas na
noite de sábado no Jornal Nacional. Alguns fatos e versões se encontram,
indiscutivelmente, fora do lugar, formando uma construção que gera
resultados políticos óbvios.
O
maior exemplo envolve o papel do ministro da Fazenda Henrique Meirelles,
personagem numero 2 do governo comandado pelo “chefe da quadrilha mais perigosa
do Brasil” nas palavras de Joesley.
Graças
ao silêncio da Época, o cidadão brasileiro permanece sem saber o papel do
ministro da Fazenda Henrique Meirelles nos negócios do grupo.
É
um clássico silencio ensurdecedor. Frequentador da porta giratória Estado-setor
privado que lhe permitia deixar um cargo no primeiro escalão do governos Lula,
e depois voltar na equipe de Temer, o nome “Henrique Meirelles” sequer é
mencionado numa entrevista de 12 páginas. Nem uma única vez.
É
uma falta de curiosidade espantosa, quando se recorda que entre 2003 e 2010,
ele ocupou a presidência do Banco Central, onde era o grande cartão de visita
que Lula apresentava ao mercado financeiro. Depois disso, entre 2012 e 2016,
foi presidente do Conselho de Administração da J&F, que administrava o
conjunto de negócios bilionários do grupo. Também dirigiu o banco Original, dos
mesmos sócios. Meirelles só deixou o cargo em maio do ano passado, para voltar
ao governo, ocupando agora o segundo cargo mais importante da República,
como Ministro da Fazenda.
De
seu gabinete saíram as principais linhas da atual política econômica, desde a
emenda constitucional que definiu o congelamento de gastos pela inflação
como a reforma da Previdência, a reforma trabalhista. Estas medidas
definem — não é adjetivo, apenas conceito — o governo Temer como o mais
reacionário da história republicana.
Nessa
condição, seria indispensável saber: a partir de 2016, quando voltou ao
governo, como Meirelles se comportou ao lado do “chefe da quadrilha mais
perigosa ?” Ajudou? Atrapalhou? Tentou impedir medidas ilegais? Deu conselhos?
Quais propostas recusou, quais apoiou? Ajudou Joesley na fase 1, quando o chefe
estava na quadrilha? Ou na fase 2, quando resolveu delatar?
Não
sabemos se apresentou algum contato dos velhos tempos. Se participou de
jantares na presença de amigos ou se ofereceu informações estratégicas.
Alguma
vez — quando era executivo da J&F — estranhou o desvio milionário e regular
de recursos que eram enviados para esquemas políticos?
O
que achava das conversas com Guido Mantega, um dos inimigos que deixou no
governo?
Comportou-se
como aquele tipo que, como gosta de lembrar o procurador da Lava Jato Luiz
Fernando Lima, pode ser acusado de “cegueira voluntária”?
É
um comportamento que chama a atenção em qualquer hipótese.
Mesmo
que a ideia seja demonstrar que atual ministro da Fazenda não passava de uma
improvável Rainha da Inglaterra — eufemismo para definir o velho e bom
testa-de-ferro — o leitor tem o direito de saber qual era sua função real.
Mesmo porque um presidente de Conselho pode ter obrigações legais a responder
no futuro. Não se trata de pré-julgar Meirelles nem imaginar coisas que não
foram sequer insinuadas. A escola que leva a condenar sem respeito pela
presunção da inocência não é a minha e só leva a reforçar um estado de exceção.
Só
acho que não dá para esconder um personagem dessa estatura e achar ninguém vai
perceber. Não é jornalismo.
Também
é fácil reconhecer que o silêncio sobre Meirelles atendeu a um propósito
político.
Empenhadas
num projeto de retirar Temer do Planalto, as Organizações Globo têm outro
plano para o Ministro da Fazenda e a equipe econômica. Querem que seja mantido
no cargo de qualquer maneira, para garantir a continuidade das reformas. Nos
primeiros momentos da crise, o próprio Meirelles já se ofereceu, pelos
jornais, para permanecer no posto caso o presidente venha a ser afastado.
Desse ponto de vista, o silêncio sobre seu papel — antes e depois — é providencial.
Essa
postura seletiva, agora no sentido inverso, explica o esforço para minimizar as
afirmações de Joesley sobre Lula, que compõem um depoimento obrigatório para
quem responde a tantos inquéritos na Lava Jato. Numa cobertura séria, que
envolve candidato a presidente que está em primeiro lugar nas pesquisas
enfrenta uma caçada judicial de anos, era uma novidade e tanto.
“Nunca
tive uma conversa não republicana com o Lula,” diz o empresário conta-tudo.
“Não estou protegendo ninguém,” acrescentou.
Referindo-se
às insinuações frequentes de que um dos filhos do presidente era sócio
oculto da Fri-Boi, a mais conhecida empresa do grupo, Joesley deixa claro que
se trata de uma mentira.
Em
vez de dar o destaque ao testemunho pessoal, Época e a TV Globo deram
prioridade a uma afirmação que Joelsey não sustentou com fatos. O
carnaval foi feito em torno da frase de que “Lula e PT institucionalizaram a
corrupção.”
Basta
ler os diários de Fernando Henrique Cardoso no Planalto para encontrar provas
de que o troféu originalidade está em disputa. Nem vamos lembrar de Fernando
Collor de Mello, o protegido da Globo nos dois turnos de 1989.
No
volume 2 de seus diários, FHC relata que acabou cedendo a pressão de
integrantes da “quadrilha mais perigosa” e assim, explicitamente, após
muita pressão de Temer-Geddel-Padilha, acabou nomeando o último para o
Ministério dos Transportes — decisão que ele mesmo sabia ser questionável.
Então
deu para entender. Estamos combinados.
A
estratégia do jogo: destruir Temer, proteger Meirelles, atacar Lula.
247/DCM