
Desde
a criação do padrão ouro, sempre houve uma disputa interna, nos países, em
torno do modelo.
O
padrão ouro era essencial para a globalização do sistema financeiro e do
comércio internacional, ao criar uma medida de valor global para os países que
aderiam. Por outro lado, impedia os países de praticar políticas cambiais e
monetárias autônomas e satanizava qualquer forma de proteção comercial.
Nesse
mundo idílico, cada país se especializaria naquilo que sabia fazer: os
desenvolvidos, em produtos industriais; os não-desenvolvidos na produção de
matéria prima. Estratificava-se, assim, a relação inicial entre países.
Mais
que isso, qualquer problema britânico, o Banco da Inglaterra aumentava os juros
atraindo o ouro do mundo inteiro. Esse movimento provocava uma redução da moeda
em circulação nos diversos países, uma apreciação do ouro, tirando a
competitividade de seus produtos e jogando as economias nacionais em recessão.
Além
disso, a adesão ao padrão-ouro, ou sistemas similares, impedia que pudessem se
valer dos gastos públicos como estimulador da economia.
Em
cada país, a disputa era decidida pelo jogo de interesses em cada ponta, a dos
metalistas, do padrão ouro, e dos papelistas, do papel moeda.
Pertenciam
ao grupo dos metalistas os financistas locais e os importadores em geral e seus
parceiros internacionais, compradores e, especialmente, bancos ingleses, seja
para atividades rentistas ou investimentos industriais.
Do
lado dos papelistas, os exportadores de produtos industrializados, que também
recorriam a medidas protecionistas contra as importações.
O
desenvolvimento norte-americano do século 19 está diretamente vinculado ao
repúdio ao padrão ouro e às tarifas protecionistas conquistadas pelos
industriais da costa leste. Foi uma guerra entre papelistas e metalistas na qual,
o período de hegemonia dos papelistas, permitiu um salto na industrialização
norte-americana.
No
final do século, a internacionalização de grandes grupos e o aparecimento de
grandes financistas, como J.P.Morgan, inverteram a balança política, trazendo de
volta o padrão-ouro, que perduraria até a 1a Guerra.
Peça 2 - a correlação de forças
Quando
se olha a questão nacional, a médio prazo uma política industrial inteligente
reforçará a economia nacional, melhorará o nível de emprego, adensará as
cadeias produtivas, aumentará o mercado interno de trabalho, por consequência a
condição de vida dos cidadãos. Interessa a quem vê a economia da ótica dos
cidadãos locais.
Melhorando
a economia internamente, além disso, atraía capital externo produtivo, desde
que se mantivesse o câmbio desvalorizado, porém estável.
A
outra visão é das empresas - e investidores - que tratam a economia de forma
global. Acenam com a vantagem de um comércio sem barreiras, com a possibilidade
de investimentos transbordando dos países mais ricos para os menos ricos. O
desenvolvimento interno seria decorrência.
Com
o tempo se percebeu que o livre fluxo de capitais tinha impacto enorme sobre a
atividade interna, já que saía ou entrava ao sabor de fatos pontuais de
mercado.
Não
havia a soilidariedade com o interesse nacional. É o caso dos bancos que
emprestavam para governos e empresas nacionais e precisavam apenas da garantia
de manutenção do valor emprestado e da folga no orçamento para garantir a
solvência.
Com
o papel-moeda, estariam sempre sujeitos a desvalorizações cambiais que
reduziriam o valor a receber.
A
lógica do padrão-ouro definia vencedores e perdedores:
1.
Se a nação tivesse um déficit na balança comercial, significava que estava
gastando mais ouro do que recebendo.
2.
A redução dos estoques de ouro obrigava a uma redução da oferta de dinheiro.
3.
Com menos dinheiro, haveria menos atividade econômica, obrigando as empresas a
reduzirem sua produção. Assim, o ajuste interno era dado pelo aumento do
desemprego e pela redução da rentabilidade da produção voltada para o mercado
interno.
4.
Se havia superávit comercial, entrava mais ouro, maior quantidade provocava uma
redução no preço do ouro e, automaticamente, uma redução no preço relativo dos
produtos exportados.
Esse
mecanismo era incompatível com o crescimento da economia.
O
aumento dos investimentos quase sempre vem acompanhado de aumento das
importações e da necessidade de aumento do crédito. Se o aumento das
importações levasse ao desequilíbrio comercial, haveria uma contração no
crédito que abortaria o crescimento.
Ou
seja, pelo padrão ouro sempre seriam privilegiados os interesses externos em
detrimento das demandas internas.
Por
outro lado, a estabilização do câmbio, com o padrão ouro, atraía investimentos
externos, em parceria com capitalistas locais. Os lucros dos bancos ingleses
com as ferrovias da América Latina superavam em muito o que ganhavam em sua
atividade nacional.
Peça 3 – o jogo de forças no Brasil
O
governo Lula seguiu uma estratégia inicialmente bem-sucedida de criar uma massa
crítica em favor das políticas mercantilistas nacionais (aquelas que
privilegiam o mercado interno e a produção doméstica).
Abriu
um enorme espaço para as empreiteiras, através do PAC (Plano de Aceleração do
Crescimento) e das ações diplomáticas. Ajudou a criar supercampeões nacionais
na área de alimentos e siderurgia. Deu seu maior lance com o pré-sal, e a
possibilidade de dar musculatura à indústria de máquinas e equipamentos e de
tecnologia para estaleiros e plataformas. Por sua vez, esses campeões ajudavam
na governabilidade através do financiamento de campanha no caixa 2.
Com
exceção da Petrobras, a tentativa de casar financiamentos de campanha com
benefícios pontuais – praticada pela Lava Jato para criminalizar os repasses –
é forçar a barra. JBS, empreiteiras, Odebrecht bancavam o PT porque o modelo de
desenvolvimento apresentado era benéfico para elas. Da mesma maneira que o
mercado sempre apoiou o PSDB. Em ambos os casos, obviamente, ressalvados os
casos explícitos de propinas e corrupção.
Onde
a tática falhou? Na baixa compreensão e pouca atuação sobre o Judiciário,
Ministério Público e mídia. Quando entraram, desequilibraram o jogo. E sua
participação no jogo era de cunho eminentemente ideológico, já que, a rigor,
não participam da atividade produtiva.
A
mídia sempre foi favorável aos modelos financistas – o padrão ouro ou, como
agora, o câmbio apreciado controlado – porque sua balança comercial (exportação
de programas x importação de enlatados) sempre foi deficitária. Isto é, sempre
importou muito mais do que exportava, no caso do papel de imprensa e da compra
de programas de televisão.
Além
disso, o mercado publicitário sempre girou em torno de dois grandes
anunciantes: mercado financeiro, multinacionais de consumo.
Havia,
portanto, um nítido alinhamento econômico e ideológico nesse pacto.
Não
foi à toa que a ofensiva da Lava Jato esmagou impiedosamente as empresas que
compunham o leque de apoio a Lula, destruindo tecnologias, empregos, posições
estratégicas no mundo. Não foi meramente uma ação anticorrupção: foi um
trabalho eminentemente geopolítico, em que o pacto dos vencedores
(mídia-multi-Judiciário-MPF) tratou as empresas (e não apenas os empresários)
de acordo com o direito penal do inimigo.
Peça 4 – os candidatos a Catão
A
atuação dos personagens públicos mais ostensivos obedece a essa correlação de
forças. E, tendo à mão a mídia e o Judiciário, cria-se o mais eficiente
movimento de mobilização popular: o combate à corrupção.
E
aí se entra no terreno conhecido da hipocrisia que permeia os períodos de
catarse e de atuação hipócrita contra a corrupção.
Todo
paladino que cavalga movimentos anticorrupção passa a ser glorificado como o
escoteiro que enfrenta os poderosos. Ganha visibilidade e poder, na medida em
que sua palavra passa a ter peso. Mas os verdadeirois paladinos da lei só
existiam na imaginação dos roteiristas dos velhos faroestes.
Quando
o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), assume o
papel de o homem que matou o facínora, não se pense no cavaleiro
solitário enfrentando os vilões da plutocracia.
Ele
atua tendo na retaguarda um elenco estelar de grandes multinacionais
brasileiras e estrangeiras e, especialmente, a Rede Globo, o poder maior que
paira sobre o Brasil.
Indague dele qual sua posição sobre os escândalos do
futebol e sobre o inquérito espanhol contra a Globo. Ganha uma coleção completa
das obras de Lenio Streck quem conseguir arrancar uma declaração sequer do
nosso intimorato James Stewart dos trópicos contra um esquema de corrupção
amplo e disseminado por todo o país, envolvendo o esporte mais popular.
Na
cena principal do filme, Stewart-Barroso duela com o vilão Lee Marvin-Gilmar,
mas quem atira de trás dele é John Wayne-Globo e todo o exército da
globalização.
O
combate à corrupção costuma atrair vários tipos de personagens.
É
só recordar o imenso oficial-anti-corrupção que foi Demóstenes Torres, fruto de
uma dobradinha Veja-Carlinhos Cachoeira.
Depois
das manifestações de rua contra o impeachment, contam-se às dezenas
trambiqueiros de vários quilates que uma mera pesquisa no Facebook mostrava
terem sido soldados mais vibrantes nas marchas contra a corrupção. Uma semana
depois da votação do impeachment, a mais eloquente deputada a favor do SIM teve
seu marido preso por corrupção uma semana depois.
E
não apenas os catões de rua ou do baixo clero da política.
Enquanto
procurador, Pedro Taques tornou-se uma lenda do Ministério Público Federal
(MPF), atuando contra o super-vilão Comendador Arcanjo – um bicheiro que
controlava cassinos na fronteira e lavava seu dinheiro com grandes plantadores
de soja da região.
Eleito
senador e, depois, governador do Mato Grosso, Taques se envolveu em diversas
denúncias de propinas para financiamento de campanha. A
última denúncia é sobre um esquema ilegal de escutas armados por
auxiliares contra adversários políticos.
Poucos
catões mantem a coerência, como é o caso do procurador Luiz Francisco, que
conserva a postura evangélica.
O
ex- PGR, Antônio Fernando de Souza, montou toda a estratégia da AP 470, o
mensalão. Na denúncia, poupou o banqueiro Daniel Dantas, apesar de laudos da
Polícia Federal apontando-o como o grande financiador de Marcos Valério.
Aposentou-se e foi para um escritório de advocacia imediatamente contemplado
com uma conta gigante da Brasil Telecom, na época controlada por Dantas. Hoje
em dia, advoga para Eduardo Cunha.
A
exploração da publicidade da Lava Jato, por Deltan Dallagnol, é apenas um
ensaio de movimentos futuros, quando a luz dos holofotes começar a piscar.
Deltan
entrou no mercado pujante dos conferencistas amparado exclusivamente no
protagonismo adquirido com a Lava Jato. Apanhado no contrapé por denúncias,
apressou-se a informar que repassou todos seus cachês de 2017 a um fundo
destinado a combater o crime, ajudar nas investigações.
Até
hoje não informou qual o instrumento do qual se valeu para as doações. Com toda
certeza, o dinheiro continua em sua conta de investimento.
Na
semana passada, cobrou cachê elevado da corretora que mais cresceu no mercado
de capitais nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o juiz Sérgio Moro desestimulava
a delação de Antônio Palocci – que prometera focalizar no mercado financeiro –
sob a alegação de que estaria blefando.
Quem
pode garantir que não houve um acerto, cuja contrapartida foi o cachê?
Poderia
dizer que não tenho provas, mas tenho convicção de que foi pagamento de
suborno. Mas seria irresponsável. Minha convicção é que houve foi um amplo
desrespeito de Deltan ao MPF, ao se beneficiar dos frutos de um trabalho
público, permitir que a sombra da suspeita seja lançado sobre toda corporação
e, como agravante, provavelmente ter mentido sobre o destino dos cachês.
Afinal, como diz a nota oficial da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores
da República) quem investe contra um procurador investe contra todo o MPF.
Donde pode-se extrair o reverso: quando um procurador apoiado pela ANPR mente,
é como se a mentira fosse um valor aceito pela corporação.
Nenhuma
surpresa. A maioria absoluta dos Catões são como investidores que se agarram
rapidamente à primeira oportunidade de ganhar poder para fazer jogadas de
interesse pessoal, escudado na bandeira da anticorrupção. A história esta
repleta desse tipo.
Por
que, no fundo, campanhas contra corrupção, a favor do bem, da verdade e da
imortalidade da alma, são apenas instrumentos de uma guerra econômica
necessariamente suja. De ambos os lados.
Do
GGN