Com
mais de 3 milhões de habitantes, capital do país completa seis décadas como
testemunha das transformações e dos problemas do país.
Arquivo
Público do Distrito Federal
Na
amplidão do planalto, a área onde se ergueria a Esplanada dos Ministérios, em
30 de setembro de 1958.
Pensada
ainda no tempo do Império e incluída na Constituição de 1891, a capital federal
no Planalto Central só começou a se tornar ideia concreta em 19 de setembro de
1956, quando o presidente Juscelino Kubitschek sancionou a Lei 2.874, depois dos cinco meses de tramitação do Projeto
de Lei 1.234 no Congresso. Nesta terça (21), Brasília completa 60 anos, menos
de 40 sob regime democrático e com crescimento populacional um tanto caótico:
já tem mais de 3 milhões de habitantes e é a terceira capital mais populosa do
país.
A
jovem capital viveu dias turbulentos praticamente desde o início. Eleito em
outubro de 1955 e empossado em janeiro de 1956, JK passou a Presidência em
janeiro de 1961 para Jânio Quadros, que renunciou em 25 de agosto, causando
convulsão política. Os militares não queriam entregar o poder ao vice-presidente,
João Goulart (na época, havia eleições separadas para presidente e vice).
Com
o impasse, costurou-se às pressas uma emenda parlamentarista para reduzir a
autonomia de Jango, que só conseguiu tomar posse em 7 de setembro. Ele
restabeleceu poderes, mas não chegou ao fim do mandato: um golpe o tirou da
Presidência, formalmente, em 2 de abril de 1964. O Brasil só voltaria a ter um
presidente civil em 15 de março de 1985, quando José Sarney, vice de Tancredo
Neves, assumiu (eleito ainda indiretamente, Tancredo morreu sem tomar posse,
justamente em 21 de abril daquele ano).
O
país passou 29 anos sem eleição direta para presidente – depois de 1960, isso
só aconteceu novamente em 1989, quando Fernando Collor de Mello venceu Luiz
Inácio Lula da Silva no primeiro turno. De lá para cá, não houve interrupção
institucional, embora o atual mandatário, Jair Bolsonaro, defensor do golpe de
1964, costume flertar com tentações autoritárias.
População
se multiplicou em poucas décadas (Arte RBA)
‘MAR’ DE BRASÍLIA
Aprovado
enfim o projeto de construção da nova capital, até então no Rio de Janeiro,
começaram a chegar os trabalhadores. Eles ganharam o apelido de candangos. De
acordo com um levantamento, eram, principalmente, goianos, mineiros e baianos,
nessa ordem, mas o Planalto passaria a atrair gente de toda parte. Atualmente,
Brasília tem sua própria geração: mais da metade dos moradores nasceu na
capital do país.
Caso
da senadora Leila Barros (PSB), a primeira brasiliense eleita para o cargo.
“Brasília permanece com seus encantos, o céu, o acervo arquitetônico, mas
cresceu de forma desordenada, um pouco descuidada”, disse à Agência Senado.
“Meus pais vieram para Brasília embalados pelos sonhos de JK”, disse Leila,
ex-jogadora de vôlei, nascida em 1971, filha de cearenses.
O
céu da capital já foi chamado de “o mar de Brasília” pelo urbanista Lúcio Costa.
Houve até um pedido de tombamento do céu como patrimônio, uma paisagem cultural
do país, em uma área a mil metros acima do nível do mar e cujos edifícios, pelo
menos em certas áreas, não poderiam passar de seis andares. As construções
criadas por Oscar Niemeyer e erguidas pelos candangos também ocuparam o
imaginário nacional. Desde o começo, Brasília coleciona admiradores e críticos.
ORIGENS E DESAFIOS
Uma
preocupação concreta e comum a todos é em relação ao aumento de sua população.
Em 2019, a cidade ultrapassava a marca dos 3 milhões de habitantes, segundo
estimativa do IBGE (3.015.268). Em 2010, eram 2,6 milhões. E o instituto
projeta uma população de quase 3,8 milhões daqui a 10 anos.
Isso
sem considerar o chamado Entorno do Distrito Federal. A Região Integrada de
Desenvolvimento (Ride), que inclui as regiões administrativas (conhecidas como
cidades-satélite) e municípios goianos e mineiros próximos, tem aproximadamente
4,5 milhões.
Os
primeiros tempos foram de dificuldades de todo o tipo, pela falta de logística
e infra-estrutura. Na mudança, bem diferentes dos apartamentos funcionais de
hoje, muitos deputados não encontraram seus imóveis mobiliados. Um deles chegou
a dizer ao relançado Correio Braziliense que, naquele momento, o
objeto mais importante do mundo seria um simples colchão.
MEMÓRIA CANDANGA
As
origens também têm histórias trágicas, como a de um dos principais engenheiros
da obra, Bernardo Sayão, em uma das frentes para construção da linha
Belém-Brasília. Na mata amazônica, parte de uma árvore derrubada cai sobre a
barraca onde está Sayão, que morre horas depois, em janeiro de 1959.
Esses
60 anos de Brasília guardam muitas histórias de candangos mortos durante a
epopeia. E episódios nebulosos, como o chamado massacre da Pacheco Fernandes,
nome de uma construtora, em fevereiro de 1959, no local onde hoje fica a Vila
Planalto. Operários protestam contra a comida ruim, há uma confusão, soldados são
chamados e um trabalhador morre. Mas a versão oficial até hoje é contestada. Em
1990, foi inaugurado o Museu Vivo da História Candanga.
Naquele
mesmo 1959, JK procura a direção do jornal O Estado de S. Paulo e
convida para uma visita às obras de Brasília. O periódico é contra a
construção. Um grupo viaja, e na volta todos escrevem, entre eles Cláudio
Abramo, talvez o único a favor. O texto, chamado “Brasília, flor e bomba”, sai
em 21 de junho. Apresentando prós e contras, o jornalista declara-se favorável
“no plano irracional”: Como se é a favor de uma flor, de um animal ferido,
de uma criança, conclui no texto.
ABERTURA E ROCK
Foi
um período de crescente industrialização e urbanização do Brasil. Em 1950, 64%
da população estava em áreas rurais. Duas décadas depois, os moradores em área
urbana eram 56%.
Nos
anos 1980, ainda sob ditadura, mas com um crescente momento pela “abertura”
política, a capital vê surgir uma geração de bandas que abalaram o marasmo
oficial: Legião Urbana (primeiro como Aborto Elétrico), Capital Inicial, Plebe
Rude. Uma adolescente carioca, Cássia Eller, começaria ali a soltar sua voz. Em
1987, Brasília tornou-se Patrimônio Cultural da Humanidade.
Brasília
cresceu, criou “bairros” dentro do Plano Piloto, como Sudoeste e Noroeste, para
tentar driblar o crescimento incessante. Mesmo planejada, passou a conviver com
os problemas típicos das metrópoles, como a violência e a desigualdade.
Levantamento
de 2018 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), por
exemplo, mostrou que 69% dos entrevistados na área urbana não tinham plano de
saúde, 49% frequentavam escola pública e 36% disseram que o meio de transporte
mais comum era “a pé”. O rendimento per capita, na média, ficava em torno de R$
2.500, mas variava, conforme a região, de menos de R$ 600 a mais de R$ 8.000.
Hoje,
devido ao coronavírus, Brasília celebrará seus 60 anos em silêncio, sem
manifestações. Talvez como nos primeiros tempos, quando se construía e se
imaginava outro tipo de país.
DA
RBA