O xeque-mate no promotor Eduardo
Nepomuceno - do helicóptero do Perrella e aeroporto de Cláudio - levanta
dúvidas sobre o caráter político de seu julgamento e revela que outros membros
do Ministério Público mineiro estão sob constante vigilância.
Foto:
Agência Senado
Era uma vez
um promotor que tentava desnudar as falcatruas por trás de escândalos que
ameaçavam engolir políticos poderosos e intocados pela Justiça. Até que um dia
o promotor sentiu o peso de uma mão invisível - atribuída à família Neves - e
foi removido à força do cargo que ocupava há 14 anos, na Promotoria incumbida
de zelar pelo patrimônio público.
Longe da
imaterialidade dos contos de fadas, a história do promotor Eduardo Nepomuceno
talvez seja o caso mais exemplar do que pode acontecer com quem tenta
investigar desvios em Minas Gerais. Ele foi julgado pelo Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP) por “ausência de racionalidade e de desrespeito à
dignidade das pessoas submetidas a investigações que duraram anos sem que
houvesse, desde o início, a presença de justa causa para a instauração [do
inquérito]”.
O processo
levanta dúvidas sobre o caráter político do julgamento e revela que outros
promotores do Ministério Público de Minas Gerais estão sob constante vigilância
exercida por meio do CNMP.
Hoje
presidido por Rodrigo Janot, o CNMP tem seus conselheiros avalizados pelo
Senado.
Uma fonte do
MP mineiro explicou ao GGN, sob condição de anonimato, os bastidores do
xeque-mate em Nepomuceno e como isso impactou nos trabalhos da Promotoria. O
relato expõe o suposto uso do CNMP para sufocar promotores.
"É uma
vergonha que o Conselho Nacional do Ministério Público tenha submetido a
instituição a interesses políticos escusos", disse a fonte.
Ventila-se
que a devassa em Minas surtiu tanto efeito que matou na raiz o acordo de
delação premiada de Marcos Valério, que prometeu delatar Andrea Neves por
lavagem de dinheiro, em esquema envolvendo a Babycare. A redação não conseguiu
localizar a defesa do publicitário para comentar o assunto.
A CRUZADA CONTRA O PROMOTOR
Foi em maio de 2014, ano em que Aécio disputaria a
Presidência da República, que Zezé Perrella anunciou no Senado que havia
acionado o CNMP com uma representação disciplinar contra Eduardo Nepomuceno -
que, a título de exemplo, investigou o caso Copasa, o aeroporto de Cláudio e o
helicóptero apreendido com quase meia tonelada de pasta de cocaína.
Mas Perrella
"é só uma ponta em toda essa história. Ele quer faturar em cima desse
afastamento, mas os interesses são vários." Eles partem, de um lado, de
dentro do próprio Ministério Público e, de outro, da família Neves.
"Andrea
Neves mandou muito tempo no Ministério Público de Minas Gerais. Com a nomeação
dos procuradores-gerais, conseguiu um feito histórico: não existe um inquérito
instaurado por procurador-geral no Estado contra os governos tucanos",
disse a fonte no MPE. Ao contrário disso, há casos em que antigos chefes do MPE
avocaram inquéritos que brotaram nas Promotorias só para arquivá-los.
Perrella -
apontado como "laranja" dos Neves - usou politicamente o trancamento
de um inquérito instaurado por Nepomuceno em
2004 para apurar diversas irregularidades envolvendo a gestão do Cruzeiro,
envolvendo a compra e venda de jogadores e evasão de divisas.
Nesse mesmo
inquérito, a possível relação promíscua de Perrella com o auditor Euler
Nogueira Mendes - que caiu na Lava Jato sob suspeita de lavar a propina da JBS
a Aécio Neves - já havia sido questionada. Mas esse braço da investigação não
prosperou porque o Cruzeiro conseguiu derrubar na Justiça a obrigação de
fornecer ao MP dados financeiros do clube.
Em 2007, Nepomuceno enviou para a Polícia
Federal outra parte substancial do inquérito que poderia atingir Perrella, e
ficou na expectativa de que a instituição abastecesse o que restou em suas mãos
com informações que pudessem viabilizar ao menos uma ação na esfera cível pelo
prejuízo aos clubes.
Mas a PF não
deu retorno e o que restou com Nepomuceno não foi suficiente para fundamentar
uma denúncia. O pedido de arquivamento do caso foi submetido ao CNMP e o
conselheiro Rogério Felipeto concordou.
A reclamação
disciplinar apresentada por Perrela (nº 000735/2014-47) foi distribuída à
Corregedoria do CNMP em 12/05/2014.
O vídeo em que o senador dispara contra Nepomuceno foi publicado um dia depois.
Em junho de 2015, a cúpula do próprio Ministério
Público de Minas Gerais - então comandada por Carlos André Bittencourt, nomeado
por Antonio Anastasia (PSDB) - decidiu instaurar, pela Portaria n.º 30/2015, um
procedimento disciplinar contra Nepomuceno. Ao longo dos meses, a comissão
sofreu várias mudanças em virtude do pedido de seus membros para abandonar a
apuração.
Quem
acompanhou o processo avalia que, ao analisar a reclamação de Perrella, em outubro de 2015, o CNMP decidiu avocar
o processo 30/2015 contra Nepomuceno porque na esfera estadual não seria tão
fácil condená-lo.
O
Procedimento Avocado nº 1.00424/2015-30, no CNMP, teve diligências em abril de
2016.
O julgamento final saiu em 13 de
dezembro de 2016:
Nepomuceno foi condenado à remoção compulsória da Promotoria do Patrimônio
Público.
O CNMP
concluiu que restaram comprovados "a paralisação e o atraso no andamento
de inquéritos civis, por longos períodos e sem motivação adequada", além
da "ausência de racionalidade na condução de procedimentos de
investigação", entre outras acusações.
Em 11 de janeiro de 2017, Nepomuceno entrou com recurso no
Supremo Tribunal Federal. Em 9 de
fevereiro, Dias Toffoli negou o recurso. Nos corredores do MPMG também
circula que interlocutores do ministro admitiram lobby contra Nepomuceno na
Suprema Corte. E que Rodrigo Janot
negou-se a receber o promotor.
O promotor
agora trabalha na 12ª Promotoria de Justiça Criminal.
A FISCALIZAÇÃO NO MP MINEIRO
Em paralelo
ao julgamento de Nepomuceno no CNMP, em
dezembro de 2016, a Corregedoria decidiu fazer uma "Correição
Extraordinária" na 17ª Promotoria de Justiça de Belo Horizonte.
Com isso,
lançou tentáculos sobre Nepomuceno e mais outros 5 promotores, incluindo a
responsável por um inquérito sobre os desdobramentos do Mensalão em Minas.
A insperação
ocorreu em dezembro de 2016, sob
supervisão do corregedor-geral Cláudio Henrique Portela do Rego.
O trabalho
de Nepomuceno foi comparado quantitativamente ao dos outros 5 promotores. A
avaliação que foi exatamente a mesma para todos. O CNMP copiou e colou seis
vezes o seguinte comentário sobre problemas nos procedimentos e falta de "clareza
na linha investigativa adotada".
Contrariando
a base do julgamento de Nepomuceno no CNMP, duas informações chamam atenção no
relatório:
A primeira é
que ele foi o promotor que mais preencheu as expectativas da Corregedoria em
termos de "ações civis ajuizadas e medidas resolutivas aplicadas" em 2016.
A segunda
informação é sobre a promotora Elisabeth Cristina dos Santos Reis Vilella que,
pelo relatório, é a responsável por investigar esquema de corrupção envolvendo
Marcos Valério e os R$ 20 milhões. O inquérito, instaurado em 2005, ficou parado entre 2008 e 2013. Segue sem resolução até hoje.
Embora os 6
promotores tenham tido a mesma avaliação, com destaque para a inconclusão do
inquérito de Marcos Valério, só Nepomuceno foi sancionado por arrastar
processos.
No final, a
Corregedoria propôs a continuidade da marcação acirrada sobre os 6 promotores,
individualmente, por no mínimo um ano.
Estão na
mira do CNMP João Medeiros Silva Neto, Geraldo Ferreira da Silva, Julio Cesar
Luciano, Raquel Pacheco Ribeiro de Souza e Elisabeth Cristina dos Reis Villela,
além de Nepomuceno, cuja fiscalização permanente foi mantida mesmo após a troca
de Promotoria.
Em 29 de janeiro, o jornal O TEMPO
publicou a seguinte nota:
"Em
Belo Horizonte, a mensagem intimidante já parece surtir efeito. Nessa
quarta-feira, 25, saiu no “Diário Oficial” a transferência de uma colega de
Nepomuceno, Raquel Pacheco Ribeiro de Souza, que pediu para sair do setor. Há
rumores de que pode ainda haver mais defecção na malquista promotoria."
Arquivo
Do GGN