Foto: Beto
Barata/PR
O
agravamento da crise mostra que a coalizão golpista se tornou incapaz de
sustentar sua própria unidade. A despeito dos muitos interesses em comum,
empresários, políticos das diversas facções da direita, procuradores e juízes
se engalfinham numa disputa que é sobre os limites da Lava Jato e também pelo
exercício do poder.
A esperança
de Michel Temer, para continuar na presidência, é que o país volte subitamente
aos tempos de José Sarney ou de Fernando Henrique Cardoso - ou que se torne um
grande São Paulo dos governos tucanos. Tempos e lugar em que escândalos são
enterrados com desprezo absoluto pelo público, graças à cumplicidade ativa da
maioria do legislativo e da quase totalidade do judiciário. Mas esse cenário
não é fácil de ser produzido. Há um clima de salve-se quem puder na elite
política. E Temer se viu subitamente jogado na condição a que reduziu Dilma no
segundo mandato: um governo na corda bamba, portanto um governo cujas benesses,
desvalorizadas pela incerteza de sua permanência, tornam-se menos capazes de
comprar lealdades.
A situação
no PSDB é grave. As declarações gravadas de Aécio são as mais chocantes de toda
a novela e representam a pá de cal na hipocrisia tucana. Imagino que um
oportunista como João Doria terá fortes incentivos para trocar seu discurso de
bom moço ("sou um soldado do partido") por um distanciamento maior -
afinal, o PSDB é o partido que lançou um criminoso comum à presidência da
República em 2014, não será fácil se libertar desse carma. Doria, no entanto,
parece ainda verde para esse voo solo. E a natureza e a gravidade da crise, que
exigem grande liderança política para superá-la, trabalham contra seu discurso
planamente gerencial.
O PT foi
atingido lateralmente - mas, uma vez mais, com denúncias sem provas materiais
que as sustentem. Não tenho condição de avaliar qual o grau e a natureza do
envolvimento do ex-ministro Guido Mantega, mas é muito implausível que, dentre
todos os grandes partidos brasileiros, o PT fosse o único que não se nutrisse
das verbas carnudas da JBS. Cumpre observar que Lula fica preservado e o
sentido geral do depoimento de Joesley Batista reforça o que já se percebia (e
que não ajuda para produzir uma condenação em Curitiba): que o ex-presidente
sempre foi muito zeloso de não se envolver nos esquemas de corrupção que
vicejavam à sua volta. O risco é que Lula se sinta tentado a aceitar o papel de
tábua de salvação da elite política sob ameaça.
A bandeira
das eleições gerais, que já começa a tomar as ruas, retira das instituições que
se acumpliciaram no golpe - Congresso e Supremo - a legitimidade para
encaminhar a solução da crise. Tem o mérito de enfatizar que qualquer solução
deve passar pelo apoio da maioria. Sintetiza graficamente a exigência de
democracia.
Ao mesmo
tempo, é necessário não descuidar da luta contra o retrocesso nos direitos.
Para os interesses dominantes, o nome do ocupante da presidência é o de menos.
A bomba que atingiu o planalto paralisa, ao menos por enquanto, o avanço da
reforma da previdência e da reforma trabalhista. Mas elas serão retomadas assim
que possível. Por isso a nossa resistência não pode cochilar. A luta por
eleições gerais não pode se desgarrar da luta contra o fim da aposentadoria e o
fim da CLT.
Por fim,
ainda que a bandeira das diretas, com o potencial que tem para angariar apoio
popular, permita colocar os donos do poder na defensiva, é bom lembrar que o
chamamento às urnas não é solução milagrosa. Numa situação com traços de
anomia, que eleições serão essas? Quem controlará o uso do poder econômico?
Quem controlará a mídia corporativa? Quem controlará a violência política? Quem
controlará um tribunal eleitoral presidido por ninguém menos que Gilmar Mendes?
Caso a proposta das diretas ganhe factibilidade, é importante tentar gerar
salvaguardas para que elas ocorram com um mínimo de lisura.