O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, teceu
duras críticas à forma com que o Ministério Público vem negociando delações
premiadas. Especialmente na operação “lava jato”, diz o ministro, os
procuradores vêm usando de métodos questionáveis em sua “estratégia de
persuasão” para transformar investigados em delatores.
Supremo terá de rever poder de investigação do Ministério
Público por causa de abusos cometidos por procuradores, diz Gilmar Mendes.
Durante sessão da 2ª turma do STF na terça-feira (20/3) que
trancou o inquérito contra o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), o
ministro classificou como severo e preocupante o desempenho de procuradores.
O inquérito contra o governador foi instaurado em março de
2016 para apurar delitos de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade
ideológica eleitoral, com base nas declarações do ex-auditor fiscal Luiz
Antônio de Sousa, delator. Na delação, o colaborador apresentou uma nota que
seria a prova de que recursos teriam sido repassados à campanha de Beto Richa.
“Vamos ter de rediscutir, talvez, no âmbito do tribunal a
investigação feita pelo MP. Parece que, pelas notícias que correm, que os
promotores se entusiasmaram em demasia com aquilo que se chama ‘investigação à
brasileira’”, disse Gilmar.
A investigação pelo MP sem a polícia foi declarada constitucional pelo Supremo em 2015. O
ministro Gilmar foi o relator e autor do voto vencedor, responsável pela tese que definiu a questão no Plenário. Agora, ele
considera que as práticas do MP demonstraram que procuradores vêm abusando
desse novo poder.
De acordo com o ministro, advogados levaram a ele relatos de
que procuradores do Rio de Janeiro teriam ameaçado o empresário Eike Batista de
ser estuprado no presídio e de ser filmado nessas condições. “Quer dizer, se
isto é minimamente verdade, é algo que repugna, repudia. A que ponto se pode
chegar?”, disse.
Antes, Gilmar falou do ex-procurador da República Marcelo
Miller, que negociou o acordo de leniência da JBS, e o chamou de
"Massaranduba-Miller". Hoje advogado, o ex-procurador era conhecido
por ser irredutível e rigoroso nas negociações. Massaranduba era o nome de um
personagem do Casseta e Planeta que "se fingia de macho só para rolar com
outro macho no chão", segundo TV Globo. Miller deixou o Ministério
Público Federal para negociar o acordo de leniência do Grupo J&F, dono da
JBS.
“Este personagem de triste memória no MP e que fazia
investigações —vamos chamar assim — atípicas, fazendo ameaças. ‘Não se comporte
como uma moça virgem, querendo mostrar apenas os seios, tem que mostrar a
vagina.’ Era essa a linguagem delicada que Miller usava nas suas
investigações”, narrou Gilmar, que diz ainda que o MP “produziu gente” como o
ex-procurador.
Corporações
Em nota, os procuradores da “lava jato” no Rio de Janeiro reclamaram da fala do
ministro Gilmar. “O mínimo que se espera de um Ministro da mais alta Corte do
país é que profira seus votos com base em elementos de convicção seguros e de
preferência produzidos nos autos do caso a ser julgado, não em insinuações ou
aleivosias lançadas a partir de versões por ‘ouvir dizer’.”
Os procuradores dizem ter falado com Eike
Batista na prisão e não ter ouvido dele queixas de ameaça “por qualquer agente
público”.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também reclamou do
ministro. “Informações ditas com base em “ouviu dizer”, com conjecturas
teratológicas e irresponsáveis são incabíveis na voz de um ministro da Suprema
Corte”, diz o texto assinado pelo presidente da entidade, José Robalinho
Cavalcanti. A nota diz também que o ministro usa da posição que tem para,
reiteradamente, atacar investigadores.
Do Conjur