Uma dica
para os leitores. E para algum editor brasileiro, que tenha sobrevivido à
tempestade destrutiva dos últimos tempos. É um livro-depoimento fantástico,
escrito por Linda Tirado: Hand to Mouth: Living in Bootstrap America, ed.
G. P. Putnan’s Sons, N.York, 2014.
Transcrevo
abaixo o prefácio escrito por Barbara Ehrenreich, autora bem conhecida no
Brasil, por livros como: Miséria á Americana, Desemprego
Colarinho-Branco e O Medo da queda: ascensão e crise da classe
média (que já comentei em outro post).
A tradução é
livre e apressada, mas acho que compreensível:
Esperei por
esse livro há muito tempo. Bem não por este livro, porque nunca imaginei que o
livro que estava esperando seria tão devastadoramente inteligente e engraçado,
que prendesse tanto minha atenção e com tal firmeza no foco. Na verdade, eu
gostaria de tê-lo escrito eu mesma — quer dizer, se eu tivesse vivido a vida de
Linda Tirado e extraído todas as duras lições que ela aprendeu. Eu sou a autora
de Nickel and Dimed [versão brasileira: Miséria á americana,
editora Record], que conta a história de minha própria breve tentativa, como
uma jornalista semi-disfarçada, para sobreviver nos setores de baixos salários
do comércio varejista e prestação de serviços. Linda Tirado é a coisa real.
Depois que
meu livro saiu, em 2001, passei mais de dez anos na estrada, falando sobre isso
em palestras em sindicatos, reuniões de igreja e principalmente em campuses
universitários. Eu fiz isso em parte pelo dinheiro, porque eu tinha perdido meu
trabalho jornalístico mais bem pago em 1997, e alguns anos mais tarde a mídia
decidiu que escritores já não precisavam ser pagos, como se escrever não
envolvesse qualquer gasto de calorias.
Mas eu
também fiz isso porque eu estava em uma missão. As pessoas muitas vezes perguntavam
como meu trabalho para Nickel and Dimed me mudou, e eu acho que eles
queriam saber como isso tinha feito que eu, uma pessoa de classe média, ficasse
mais consciente dos pobres. Bem, eu não precisava tanto dessa consciência,
porque eu tinha nascido no estrato mais baixo da classe trabalhadora e me
recolocara nele tornando-me mãe solteira e depois casando com um trabalhador do
setor de armazenagem, quando já estava na casa dos trinta anos. Então minha
passagem como uma trabalhadora de baixo salário/jornalista teve apenas um
grande efeito em mim: me levou da preocupação com a exploração dos
trabalhadores de baixos salários — para algo mais próximo da raiva.
Minha
expectativa era a de experimentar a privação material na minha vida de US $7
por hora (o equivalente a aproximadamente US $9 hoje), e certamente isso
ocorreu. O fato de que eu tinha alguns privilégios como um carro de trabalho
(eu tinha um contrato de Rent - A-Wreck, em cada uma das cidades onde trabalhei
para não acabar escrevendo um livro sobre esperando ônibus) só fez a parte de
privação ficar mais chocante. Aqui eu estava — em boa saúde, sem filhos
pequenos sob meus cuidados — trabalhando em tempo integral, às vezes mais de um
emprego ao mesmo tempo, às vezes ao ponto sentir que minhas pernas eram de
borracha, e estava a comer precariamente em lojas de conveniência ou na
Wendy’s.
O que eu não
esperava era a humilhação diária, os insultos e o que pareciam ser truques
mesquinhos. Ser pobre é ser tratado como um criminoso, sob constante suspeita
de roubo e uso de drogas. Significa não ter nenhuma privacidade, já que o chefe
tem o direito de revistarseus pertences em busca de itens roubados. Envolve a ser
pisoteado inexplicavelmente, como quando o Wal-Mart, de repente, mudou meu
horário, ignorando que eu tinha um segundo emprego para cobrir. Significa
receber ordem para trabalhar com ferimentos e doenças, como a erupção
debilitante que adquiri uma vez, manuseando liquidos de limpeza industrial.
E o que foi
mais atordoante para mim: ser um trabalhador de baixo salário significa ser
assaltado pelo empregador que está monitorando você tão insistentemente por
suspeita de roubo. Você pode ser forçado a trabalhar horas extras sem pagamento
ou obrigado a começar a trabalhar quarenta e cinco minutos antes que o tempo
comece a ser contado. Se você fizer as contas, você pode descobrir que algumas
horas tem sido excluidas de seu salário a cada semana, pelos computadores da
empresa.
Mas quando
eu fiz minha rodada, de campus para campus, contando minhas histórias sobre
trabalho e incitando os alunos a ter interesse em todos os trabalhadores de
baixos salários que estavam a fazer a sua educação possível todos os dias — os
trabalhadores de serviços de alimentação, faxineiros, empregados e professor
adjunto —invariavelmente eu ouvia a pergunta que se resume a isto: o que há de
errado com essas pessoas? Eles se referiam aos trabalhadores, não aos chefes.
Normalmente,
quem perguntava era um garoto pertencente a uma das fraternidades da escola,
que tinha feito a disciplina introdutória de economia, um curso que existe,
tanto quanto posso ver, com o único propósito de convencer os jovens de que a
estrutura de classe existente é justa e inalterável de qualquer maneira.
Se não há nada de errado com nosso regime económico, então a única pergunta
restante é: por que "essas pessoas" têm filhos, deixam de
pupar, deixam de ir para a faculdade, comem comida ruim, fumam cigarros, ou qualquer
outra coisa que se imagina que possa contê-los?
Então,
quando me deparei com o blog de Linda Tirado há cerca de seis meses, senti uma
imensa onda de reafirmação. Até mesmo — ou, talvez, especialmente — a confissão
de que ela fuma cigarros me atingiu como uma rajada de ar fresco. Ela diz como
é ser um trabalhador de baixo salário por um longo período, com um marido que
tem emprego instável e dois filhos pequenos para criar. Ela demonstra tudo que
tenho tentado mostrar em meus anos de campanha para que os trabalhadores tenham
melhores salários e mais direitos: que a pobreza não é uma "cultura"
ou um defeito de caráter; é falta de dinheiro. E que essa escassez surge do
salário dolorosamente inadequado, agravado pela constante humilhação e estresse,
bem como a predação definitiva pelos empregadores, pelas empresas de crédito e
até mesmo pelas instituições voltadas para a aplicação da lei.
Mas deixe-me
sair do caminho agora. Ela pode dizer isto muito melhor do que eu.
Do GGN, por
Reginaldo Moraes