A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real
abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do
General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições
são de Clubes Militares.
Peça
1 – a irracionalidade como ideologia
Confesso que a primeira
vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que fosse apenas
mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por cronistas
vociferantes. Ele citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras vezes.
Segundo Baudrillard, “o comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de
contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de
funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da
desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.
Eixo do mal, ideologia
viral invadindo os cérebros das pessoas, esse tipo de discurso pirado,
profundamente anacrônico, no entanto, começou a ser exercitado por outros
cronistas do ódio, alguns se espelhando claramente em Olavo de Carvalho.
Um paper para
discussão, do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz algumas luzes sobre as
ideias que ajudaram a moldar a nova face do anticomunismo no Exército: a luta
contra o marxismo cultural, do qual o principal expoente foi o General Sérgio
Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011.
A principal obra do
general Sérgio é “Revolução Gramcista no Ocidente, de 2002 e reeditado pela
Biblioteca do Exército em 2010.
Peça
2 – as raízes da nova direita
Segundo o autor, as
influências centrais, tanto do general Coutinho, como de Olavo de Carvalho, foi
o pensamento neoconservador norte-americano dos
anos 1980 e 1990, “mais especificamente o
ramo denominado “paleoconsertives” com raízes fincadas no
coletivismo de direita americana da década de 1920 e 1930, de oposição ao New
Deal”.
Sustentava-se no tripé
pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto
governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (civilização
ocidental e judaico-cristã).
Esse conservadorismo
ressurge agora no movimento denominado de “alt-right”, com ênfase ainda maior
na guerra cultural, “pois a cultura e a
moralidade americana estariam sendo destruídas”. Os
instrumento de destruição seriam o multiculturalismo e o “marxismo cultural”
sendo manobrado por acadêmicos, militantes, jornalistas.
Esses argumentos são
desenvolvidos após o fim da União Soviética, como forma de manter alimentada a
indústria do anticomunismo.
Não foi por
coincidência, alguns dos ideólogos eram ligados ao pensamento militar. Foi o
caso de William Lind, que, em 1989, foi o primeiro a cunhar o termo de guerra
de 4a geração, que depois seria rebatizada de ““guerra híbrida”, cujo objetivo
era “obter vantagens com as mudanças políticas,
sociais, econômica e tecnológica em virtude
do aumento da complexidade com adversários não estatais
(terroristas, grupos revolucionários, etc.)”.
A grande ameaça,
segundo Lind, seria a ideologia do multiculturalismo, “no qual o confronto
ideológico-militar se dá entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um
lado e o MCI, Movimento Comunista Internacional (e os países islâmicos)
de outro”.
Peça
3 – a ultradireita brasileira
É por esses mares que
singra o barco do general Coutinho. De acordo com Costa Pinto, para o Gal.
Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam
infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como
FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros,
David Rockefeller, Bill Clinton, entre outros)
e como o Lula (articulado com Fidel
Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3) nas escolas e
Universidades;
4) nos
meios de comunicação;
5) nas
manifestações artísticas;
6) nos
movimentos sociais (ambientalistas, movimento negro,
LGBT, MST, etc..).
Nas palavras de
Coutinho “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados
ou mesmo criados pelas organizações de
esquerda revolucionária como componente auxiliar
da luta de classes (aprofundamento das
contradições internas) e como elemento ativo
da ‘desconstrução’ da família tradicional e
dos valores da civilização ocidental cristã”. ”
No plano internacional,
além do apoio das ONGs, se valeriam da própria Organização das Nações Unidas
(ONU) para favorecer regimes nacionais de esquerda e movimentos revolucionários
em países do Terceiro Mundo.
É em cima dessa
barafunda teórica, que o movimento alt-right, e seus sucedâneos tupiniquins,
conseguem transmudar movimentos pacíficos, de defesa dos direitos humanos, em
ameaças revolucionárias que precisam ser combatidas no plano cultural e com
repressão política.
Peça
4 – o Estado como expressão do socialismo
A visão do Estado como
um instrumento de opressão – e de fortalecimento do socialismo – vem dos tempos
do New Deal. Para o general Coutinho, o Estado de Bem Estar, implementado pela
social-democracia, seria uma forma de sociedade socialista.
Segundo Costa Pinto,
trata-se de uma adaptação da visão da extrema direita americana sobre os
“pequenos governos”. A diferença é que a visão da alt-right americana é da
globalização, enquanto a dos Bolsonaro é da defesa da globalização e da abertura
comercial.
Peça
5 – Coutinho e o pensamento militar
Costa Pinto vai buscar
em entrevistas atuais de militares brasileiros, os indícios da influência do
general Coutinho.
Do
General Villas Boas
“Nós vivemos um
fenômeno no Brasil e também no mundo que é o advento do pensamento do
politicamente correto […] O que está
acontecendo é que ele [o politicamente
correto] está tão impregnado na nossa
sociedade ele está fazendo com que
todos pensem da mesma maneira. […]. O pensamento
politicamente correto se ideologiza e quando as questões são ideologizadas elas
perdem a visão de resultado […]. Então quando mais temos de ambientalismo
mais dano ambiental; [… quanto mais
essa preocupação racial mais preconceito
temos[…]. Quanto mais essa questão de
gênero mais preconceito homofóbico vivemos […]
E mais essa quase ditadura do
relativismo que nós estamos experimentando faz com se
flexibilize todos os limites”. “
Do
General da Reserva Luiz Eduardo Paiva
“Uma coisa é o
Haddad aqui em cima ou o Lula
aqui em cima, mas quem dá a
linha ideológica perigosíssima do PT está aqui em baixo. É o Zé Dirceu,
era o Marco Aurélio Garcia, é o Pomar. Porque eles
estão implementando no país uma revolução
silenciosa que é a revolução Gramscista, ocupando espaço,
mobiliando todo o estado[…]”. “
Do
General Augusto Heleno, atual Ministro do Gabinete de Segurança Institucional:
“Nós beiramos [o
socialismo], até tentamos com o Foro de São Paulo, alguns partidos que
defendiam as teses socialistas […] Nós estivemos bem próximo disso acontecer,
só que faziam uma máscara para fingir que não era, mas o caminho procurado era
esse. Tanto é assim que as novas referências durante algum tempo foram Cuba e
foram a própria Venezuela […]”.
“(…) Da Intentona de
1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os
comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução
socialista”. ”
Peça
6 – o projeto de Nação
Desse modo, segundo
Costa Pinto, o projeto de Nação vislumbrado por setores amplos das Forças
Armadas, seria pela via dos costumes, da tradição, da identidade, sob ataque
comunista. Mas “no plano econômico, a identidade e a
nacionalidade seriam realizadas pelo mercado,
sobretudo pelos capitais estrangeiros (de preferências norte-americanos) que
supostamente trariam a modernidade para o país. Seremos altivos na identidade
cultural, mas subalternos no plano econômico. ”
No
Portal Feb, um dos muitos blogs de militares, o trabalho de Coutinho é
equiparado ao de um missionário “que dedica sua vida ao resgate de almas e
nações, é porque sua vocação pode levá-lo a pregar como um religioso ou
discursar como um filósofo. Mas os poucos que lhes escutam e estudam suas
recomendações chegarão à conclusão de que só se salva uma nação quando se
estabelece no homem a consciência de sua alma e sua vinculação com o Criador. A
construção de uma sociedade sadia está fundamentada na reconciliação do homem
com Deus”.
No
Ternuma – que junta ex-militares defensores da ação dos porões na ditadura –
há os movimentos de aproximação com os blogs de ultradireita que surgiram na
época.
“Aproximei-me, então,
ainda mais do Gen Coutinho, até porque fiquei responsável por remeter ao Reinado
Azevedo um exemplar do livro “A Revolução Gramscista no Ocidente”. A história
da maneira pela qual o General decidiu estudar Gramsci, na idade em que muitos
de nós mal tem paciência para ler o jornal, dá um pouco da dimensão deste
homem”.
A única dúvida que o
trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos
militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares
da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Pode ser que o autor
tenha superdimensionado a influência dos militares de pijama.
GGN