As
portas do inferno se abriram no dia 30 de novembro de 2015, quando o Ministro
Teori Zavascki ordenou a prisão do senador Delcídio do Amaral. De um lado, um
servidor público exemplar; do outro, um político menor e corrupto. Uma mistura
que legitima todos os abusos bateu em um caráter momentaneamente contaminado
pelo pecado capital da soberba. E resultou no gesto de exceção que marcaria o
país dali para frente.
Gradativamente,
as forças das profundezas passaram a testar limites, até que se chegou no dia
nacional da infâmia, 13 de março de 2016, com a divulgação pelo juiz Sérgio
Moro, com autorização do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, de
diálogos pessoais da presidente da República Dilma Rousseff com Lula.
Ambos,
Moro e Janot, chegaram a ensaiar algumas desculpas balbuciantes, sabendo que
haviam atravessado o Rubicão da ilegalidade e aguardando o fuzilamento pelos
raios do Olimpo. O que chegou foi uma reprimenda de tio compreensivo. E o
Supremo Tribunal Federal, se com Teoroi já era uma corte balbuciante, encontrou
na atual presidente Carmen Lúcia a sua melhor tradução.
De
lá para cá o que se viu foi o desmonte institucional inédito na história do
país. Todos os vícios históricos vieram à tona, o corporativismo mais
desbragado, as tacadas mais atrevidas contra o Estado brasileiro, as maiores
negociatas da República e um punitivismo tresloucado que serve de álibi para
todas as jogadas políticas e financeiras.
Os
abusos têm sido constantes, sem nenhum sinal de reação.
Uma
delegada irresponsável convoca 120 policiais da Polícia Federal, muitos do
nordeste, para uma condução coercitiva em Florianópolis, humilhando professores
e provocando o suicídio de um reitor de universidade. Abre-se uma investigação
que a absolve, considerando que ela se conduziu de acordo com os procedimentos.
Que
procedimento poderia justificar a convocação de uma quase força nacional para
conduzir seis pessoas inofensivas, em uma investigação de crime administrativo,
que não requeria nenhuma ação espetaculosa?
Uma
juíza federal de Belo Horizonte, igualmente irresponsável, autoriza a condução
coercitiva de vários professores universitários, sob o argumento de que as
investigações eram sobre crimes gravíssimos. Investigavam-se desvios de verbas
públicas. Pelas informações até então disponíveis, foi apurado um desvio de R$
100 mil em uma verba de R$ 6,5 milhões.
Nas
redes sociais, procuradores espalham conceitos fakes, de que a condução
coercitiva visa substituir medidas mais drásticas, como a prisão preventiva.
A
prisão preventiva exige um conjunto de pré condições:
“Art.
312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime
e indício suficiente de autoria”.
Os
fatos mostram que as conduções coercitivas têm sido aplicadas até em
testemunhas convidadas a depor. E nada acontece.
Ontem,
a condução do ex-governador Sérgio Cabral para Curitiba, algemado e com
correntes nos pés, conduzido por mascarados fantasiados de traficantes do
morro, marcou o novo momento de confronto com o Brasil formal.
Tudo
de acordo com o figurino Globo de reportagens espetaculares.
Se
não houver uma reação contra o episódio, as milícias curitibanas e seus
seguidores não pouparão ninguém. E a reação não terá que vir do Palácio,
comandado por uma organização criminosa. Teria que vir do Supremo Tribunal
Federal.
Mas
quem colocará o guizo no gato? Carmen Lúcia e seus provérbios mineiros? Luis
Roberto Barroso e suas platitudes “iluministas”? Celso de Mello e suas
perorações e menções aos saudosos falecidos? Luiz Fux, aquele que pretende
prender e arrebentar os produtores de notícias fake? Rosa Weber, a que condena
sem provas porque a doutrina do Sérgio Moro lhe permite? Edson Fachin e suas
vulnerabilidades paranaenses?
São
tempos bicudos, nos quais se misturam o atrevimento dos corruptos, a
irresponsabilidade dos deslumbrados e o temor dos legalistas. Mas não haverá
como fugir da batalha pela legalidade, antes que o Brasil se transforme em um
enorme BBB.
O
show montado com a prisão de Sérgio Cabral é um ponto de não-retorno. Se nada
for feito, não haverá mais limites para as arbitrariedades da Polícia Federal e
da Justiça Federal.
GGN