Nos últimos
dias aconteceram vários episódios que, de certo modo, enfraquecem o Procurador
Geral da República (PGR) Rodrigo Janot e dão algum alento à organização que
tomou conta do Executivo. Mas não indicam mudança radical na correlação
de. Mesmo porque ainda há um enorme acervo de malfeitos de Michel Temer e seu
bando a serem revelados.
O STF
(Supremo Tribunal Federal) continua sendo uma incógnita. Não se
sabe para que lado vai e o que motivou a mudança surpreendente de posição do
Ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava Jato.
Há algo de
podre no ar, mas ainda não há clareza sobre tamanho e consistência.
Nos últimos
dias houve uma confluência de fatores que permitiu algum contra-ataque da turma
de Michel Temer.
Passo
1 – críticas gradativas dos jornais aos métodos da Lava Jato, por aplicar
o direito penal do inimigo nos amigos.
Passo
2 – o impacto da nomeação da nova Procuradora Geral da República, Raquel
Dodge, marcando simbolicamente o fim da era Janot.
Passo
3 – Mudanças no comportamento do STF. Aumentou a intenção de enquadrar a
Lava Jato nos limites da lei. Mas não está claro se já começou, em
definitivo, a operação pizza.
Passo
4 – movimentos de reação da Lava Jato contra Raquel Dodge, valendo-se de
suas parcerias com a mídia. Não duraram meio dia. Foi a verdadeira batalha de
Itararé, na qual Dodge venceu sem precisar combater. Dodge se consolida antes
de precisar atuar.
Vamos
entender em mais detalhes o que se passa.
Peça 1 – a mudança de Luiz Edson
Fachin
Fiscaliza-se
um juiz pela análise de suas sentenças.
Todo juiz
tem direito à liberdade de julgar, de formar suas próprias convicções. Mas não
o de usar um critério para cada caso. E quando usa dois critérios distintos
para o mesmo caso, tem algo estranho no caminho.
Dr. Fachin
era garantista com veleidades sociais. Depois se tornou um vingador impiedoso.
Um pequeno
balanço de algumas decisões recentes dele :
No
dia 26 de abril de 2017, investiu contra a libertação de presos da Lava
Jato.
Mostrou-se
indignado com a libertação de João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do PP, e com a
pena alternativa de prisão domiciliar para José Carlos Bumlai, ambos condenados
por Sérgio Moro. Os jornalistas perguntaram se as decisões facilitariam outras
medidas semelhantes. E Fachin respondeu: “Saí daqui ontem com vontade de reler
o Ibsen, ‘Um Inimigo do Povo’ e a história do doutor Stockmann".
No
dia 2 de maio de 2017 foi derrotado na votação que decidiu pela
libertação de José Dirceu. Sua justificativa: “Eventual excesso na duração de
prisões cautelares não deve ser analisado diante de prazos estanques, não se
trata de uma questão aritmética. É indispensável que tal circunstância seja
aferida de modo particularizado, à luz das peculiaridades de cada caso (...)
Estamos aqui nesse caso a tratar em acusação, digo e repito, a tratar da
criminalidade do colarinho branco”. Anote suas palavras.
No
dia 4 de maio negou habeas corpus para Antônio Pallocci. Fez
mais: para impedir que a 2aturma revogasse sua decisão, decidiu levar a questão
para plenário.
No
dia 3 de junho de 2017, autorizou a prisão preventiva do ex-deputado
Rodrigo Rocha Loures. Considerou que Loures, em liberdade, representaria risco
às investigações: “o teor dos indícios colhidos demonstra efetivas providências
voltadas ao embaraço das investigações, de modo que não é difícil deduzir que a
liberdade do representado põe em risco, igualmente, a apuração completa dos
fatos”. “Não é difícil deduzir” significa que os fatos não deixam margem a
dúvidas.
Ai aparece
uma pedra no caminho do nosso templário.
No
dia 10 de junho de 2017 a revista Veja informou que a ABIN (Agência
Brasileira de Inteligência) teria sido acionada por Michel Temer para
investigar a vida de Fachin.
No mesmo
dia, Fachin prosseguiu em sua sanha penalista, negando habeas corpus ao
procurador da República Ângelo Goulart Vilella, acusado de levar propina da
JBS, e preso há 45 dias sem sequer ter sido interrogado. “Tratando-se de
decisão de natureza cautelar, eventual modificação do panorama
fático-processual que autorize a sua revisão deve ser objeto de deliberação
pela autoridade judiciária competente que, no caso em análise, não é mais o
Supremo Tribunal Federal, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região”.
Aí se entra
o caso Loures.
O que é solicitado pela defesa
Segundo
consta da própria decisão de Fachin, os advogados de Loures solicitaram uma das
três alternativas: prisão domiciliar, remoção para o 19o Batalhão Militar
ou retorno ao presídio da Papuda.
O tempo de julgamento na Câmara
Volte ao
argumento de Fachin ao negar a libertação de José Dirceu.
Compare com
o argumento utilizado para libertar Rocha Loures:
“A
necessidade de se aguardar a autorização pela Câmara dos Deputados implica em
alongamento da prestação jurisdicional que, neste momento, não merece ser
suportada com a privação da liberdade. O tempo para o cumprimento da regra
constitucional que impõe exame dessa autorização prévia não pode se converter
em redobrado gravame ao ora denunciado”.
O que Fachin oferece a Loures
Os advogados
de Loures tinham requerido transferência para outros presídios ou prisão domiciliar.
Fachin oferece mais do que isso, a liberdade:
a)
recolhimento domiciliar no período noturno (das 20h às 6h) e nos dias de
sábados, domingos e feriados, a ser fiscalizado por monitoração eletrônica;
b) proibição
de manter contato com qualquer investigado, réu ou testemunha relacionadas aos
feitos a que responde;
c) proibição
de ausentar-se do País, devendo entregar seu passaporte em até 48 (quarenta e
oito) horas;
d)
comparecimento em juízo para informar e justificar atividades sempre que requisitado,
devendo manter atualizado o endereço em que poderá ser encontrado.
O álibi da isonomia
Vale-se,
para tanto, do uso escandaloso do conceito de isonomia.
Andrea Neves
não tem cargo parlamentar, não tem proximidade com o grupo de Temer e foi
detida por supostamente ter negociado o apartamento da mãe com a JBS. Do primo
de Aécio, a única coisa que se sabe é que se ofereceu para servir de mula e
transportar o dinheiro.
Loures é
operador de Temer, homem da estrita confiança, foi gravado negociando propinas
em troca de facilidades com o setor público.
No entanto,
ele apela para a libertação de Andrea como álibi para libertar Loures.
Acompanhe a
cronologia abaixo:
· No
dia 16 de março de 2017, Loures reuniu-se com Joesley Batista que lhe
solicitou resolver negócio no Cade (Conselho Administrativo de Direito
Econômico) envolvendo a venda de gás da Petrobras para a Âmbar, empresa do
grupo. Na gravação, negocia 5% do lucro da operação para Temer.
· No
dia 13 de abril a Petrobras assinou o contrato com a Âmbar.
·
No dia 8 de junho o contrato é cancelado.
Tem todos os
elementos de convencimento de um ato de corrupção:
1.
A indicação, por Temer, do seu homem de confiança para negociar com Joesley.
2.
A negociação entre Loures e Joesley Batista em torno dos interesses da JBS na
Âmbar.
3.
Loures sai do encontro com uma mala de R$ 500 mil.
4.
Logo depois, a Petrobrás assina o contrato com a Âmbar.
Havia sinais
nítidos de que Loures iria aceitar o acordo de delação.
Mesmo assim,
Fachin esqueceu completamente o que escreveu menos de um mês antes.
A governabilidade
Em nenhum
momento invocou-se o chamado periculum in mora, o risco da decisão tardia,
para segurar o impeachment de Dilma.
O Supremo
(ou seria apenas Fachin?) envereda agora, por um garantismo tardio, visando
preservar o equilíbrio entre os poderes.
Ora, para se
manter a organização criminosa controlando o Executivo, a condição essencial –
justamente para evitar o periculum in mora seria manter detido o
principal operador de Michel Temer. Enquanto o presidente permanece, pela
necessidade de aprovação do julgamento pelo Congresso, se mantém fora do
jogo seu operador.
O fato é que
Fachin voltou atrás radicalmente sem uma explicação plausível. Não havendo, há
três hipóteses:
1.
Cedeu às ameaças do grupo de Temer.
2.
Foi seduzido por alguma conversa com o velho Rocha Loures, grande ex-presidente
da FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), conterrâneo de Fachin.
3.
Produziu um documento fake pelo fato de Loures ter concordado com a delação.
Não há
hipótese benigna para o ato de Fachin.
Peça 2 – a retórica afasta-de-mim
este cálice
A Suprema
Corte brasileira desenvolveu uma metodologia tupiniquim para não correr riscos
desnecessários (para seus autores), embora essenciais (para a garantia
constitucional).
O princípio do comigo-não-violão
Um ou outro
Ministro assume uma atitude, ainda que pequena, contra a unanimidade. Dada sua
contribuição, ele faz mentalmente uma contagem de sacrifícios individuais em
defesa da Constituição. E diz para si próprio: comigo não, violão, já cumpri a
minha parte.
O álibi da referência jurídica
Primeiro,
desenvolve-se a tese que atenda aos interesses pessoais, políticos ou
ideológicos da corte. Depois, busca-se uma referência jurídica para avalizá-la.
No caso do
mensalão, o Ministro (e ex-procurador) Joaquim Barbosa adotou a “Teoria do
Fato”, do alemão Claus Roxin para condenar acusados, pelo simples fato de
estarem no comando de partidos ou do governo, sem a necessidade da busca de
provas maiores.
A
interpretação foi criticada pelo próprio Roxin em
entrevista á Tribuna do Advogado.
Agora, para
bater em retirada, o bravo STF recorreu ao jurista português José Joaquim Gomes
Canotilho. Durante duas semanas Canotilho foi servido ao molho pardo nas
discussões do Supremo, para fortalecer a tese de que a casa deve exercer poder
moderador, para evitar instabilidade política e confronto entre poderes.
E, depois de
deglutir Canotilho com quiabo, decidiram –
na competente descrição do jornalista José Casado – “reafirmar seu
poder até o limite (...) em nome da confiança do Estado e da segurança
jurídica”. Alvíssaras!
E chamam a
debandada de “reafirmação de poder”.
A tilápia e a piranha
Para embasar
uma decisão esdrúxula, encontre um caso anterior qualquer e o trate como precedente
para uma decisão de isonomia, mesmo que não tenha nada a ver com o caso
presente. Tipo, posso liberar uma piranha para nadar no rio, porque há um
precedente liberando a tilápia e, sendo ambos peixes, há que se garantir a
isonomia de tratamento.
As interpretações a posteriori
A
Constituição escolheu o modelo presidencialista. Por ele, não há maneira de
tirar o presidente por problemas administrativos. Isso só ocorre no
parlamentarismo, com o voto de desconfiança.
Depois de
consumado o impeachment de Dilma, em
entrevista à Globonews o Ministro Luís Roberto Barroso resolve “olhar
retrospectivamente” para admitir o ataque à Constituição : “Olhando pelo
retrovisor, eu penso que se utilizou um instrumento parlamentarista para a
destituição de um chefe de governo no modelo presidencial, e, portanto, houve
um abalo institucional”.
Pela
manipulação política constante da interpretação jurídica, fica-se sem saber
para onde sopra o vento do STF.
Peça 3 – o fim do estrelismo da Lava
Jato
São
promissores os primeiros sinais da futura gestão da nova PGR Raquel Dodge.
Mal foi
indicada, já sofreu o primeiro ataque de procuradores da Lava Jato lotados na
força tarefa da PGR.
O recado foi curto e grosso – mais grosso do que curto
. Esses procuradores não gostam de Raquel Dodge, acreditam que não terão a
mesma liberdade que tiveram com a falta de comando de Rodrigo Janot e, se não
receberem atenção especial dela, pedirão demissão.
Valeram-se
dos canais habituais que consolidaram na imprensa.
Na parte da
tarde, soltaram uma nota oficial de apoio a Raquel.
De Brasília,
provavelmente não restará ninguém da Lava Jato. No novo grupo que assumirá a
PGR a opinião é que o grupo de Brasília foi montado às pressas, sem colocar
especialistas. Os que entraram primeiro convidavam conhecidos.
Em alguns casos, um procurador entrou porque a
cônjuge foi convocada para um trabalho em Brasília.
Em
reportagem do Valor Econômico, antes de ser indicada, Raquel Dodge resumiu
o estilo que pretende implantar na PGR:
·
Mecanismos que permitam um controle maior sobre os inquéritos e dificultem os
vazamentos.
·
Cooperação entre órgãos da administração pública para agilizar os acordos de
leniência.
·
Diagnóstico das ações civis públicas, para impedir que a paralisação de uma
obra, ainda que seja por questão de corrupção, não acabe sendo mais onerosa
para o país do que o próprio custo da corrupção. “A obra foi paralisada, mas
resolveu-se o problema do asfalto esburacado?”pergunta.
·
Criação de grupo de trabalho para monitorar o cumprimento, pelos delatores, do
que foi acertado no acordo de delação.
·
Manter o sigilo das investigações para garantir a dignidade das pessoas
envolvidas, já que vazamentos podem induzir a erros, como o de tratar uma
testemunha como suspeito.
Foi um
discurso não apenas para o pessoal de dentro, mas uma promessa de trazer o MPF
de volta ao leito institucional e aios princípios que devem nortear a ação de
um procurador – isenção, discrição, respeito aos direitos individuais,
não-exibicionismo.
Não apenas
isso.
A indicação
de Raquel Dodge renovou as esperanças do Ministério
Público suíço, de montar uma colaboração com o Brasil. 15 meses depois de
anunciada a criação de uma força-tarefa conjunta, para investigar casos de
corrupção, a proposta não andou, bloqueada pelo Ministério da Justiça do
Brasil.
Talvez, aí,
destrave as investigações sobre as relações de Ricardo Teixeira com a CBF
(Confederação Brasileira de Futebol), que jamais avançaram no período Rodrigo
Janot.
Vamos
aguardar mais desdobramentos dos últimos capítulos antes de arriscar os
desdobramentos desses dias imprevisíveis.
PS - Como o
Ministro Marco Aurélio de Mello não é de panelinhas, preferi ter mais
informações antes de analisar sua atitude em relação a Aécio Neves.
GGN