“Estou à beira da depressão”, escreveu uma amiga no Facebook.
Não publique isso, comentei, pois é fazer o jogo do inimigo. Foi assim que me
perdi na engenharia do golpe, na vã fantasia de exercer a resistência mínima
permitida. Enquanto Sejumoro brincava de ser “bonzinho” dando prazo para o
eterno presidente Lula se apresentar em Curitiba, a ilusão de resistir se
desenrolava em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do
Campo/SP. Um movimento de pseudo ou quase reação tímida contra a opereta bufa
de um tiranete.
Tudo muito aquém da violência contra o maior líder da
história contemporânea nacional. Mas, ficou a ilusão de resistência, com
arrefecimento de ânimos, muito bem proporcionado pela engenharia do golpe. A
engenharia do golpe vem trabalhando com a emoção, pois sabe a dimensão de quão
despolitizada é a grande massa social. No fundo, sabe que Lula não é o ladrão
que tentam impor e que a riqueza que tentam atribuir ao ex-presidente é pífia.
Sabem que Lula não é um monstro e o Partido dos Trabalhadores
não é organização criminosa. O número de petistas presos e ou condenados falam
por si. Sabe que petistas e simpatizantes de Lula não são bandidos, que o PT
não quebrou Petrobrás e o Brasil, mas essa narrativa é essencial para manter o
golpe, ao mesmo tempo em que controla instintos e impulsos, aquiescendo com
catarses como a de São Bernardo do Campo. Lula nos braços do povo lavou a alma
dos petistas, foi uma bela imagem para jogar para o mundo, mas aquilo não foi
além daquilo. Foi como quebrar copos e pratos em novela por atores ruins que
não sabem expressar raiva e ou indignação.
Não se trata de rechaçar o apoio ao presidente, mas de
discutir o lado invisível do jogo emocional do golpe. Saimos de um Não Vai Ter
Golpe, enveredamos pelo Vai ter Luta, Fora Temer, Eleição sem Lula é Fraude e
mergulhamos no Lula Livre...
Nesse contexto, faço parte da ilusão dos que acreditam estar
defendendo a democracia. Integro um universo de quem fala consigo e com seus
iguais, consciente de que quem deveria ler me ignora. Mais que isso, se recusa
a receber informação e as poucas que têm são descontextualizadas.
Paralelamente, constato a luta inócua de quem quer converter o papa ao budismo,
ousando enfrentar, sem sucesso, o analfabetismo da classe média e da elite do
atraso, que encontrou, finalmente, a desculpa necessária pra disfarçar o ódio
ao pobre.
Estamos agindo como quem quer acreditar que está fazendo algo
contra o golpe. É fato que, de certa forma isso alivia, mas não vai além do
alimentar nossas ilhas. Ao mesmo tempo, percebo o exercício de uma oposição
consentida, calculada pela engenharia do golpe, para que não ecloda o
desespero. Caso contrário, se eu me rebelo, me deparo com a máxima: é tudo que
eles querem para cancelar as eleições. A aparente ameaça do mal maior trava,
nos exatos limites de uma reação tímida.
Sei que o povo pelo qual penso que acredito lutar não sabe
que eu existo. E, estava eu a “brincar de resistir”, quando um delegado da PF
me mandou uma mensagem, dizendo que eu deveria “parar de defender bandido e ser
mais propositivo”. Lembrei que ser propositivo é o novo mantra dos apolíticos
de direita, dos falsos moralistas, dos corruptos contra a corrupção. Algo assim
como, nosso ódio já está sendo purgado, já conseguimos prender Lula, Sejumoro
realizou nosso fetiche (e o dele!), agora queremos proposições. Levei esse tema
a um grupo de discussões e nele me sugeriram que esquecesse por instantes a
manipulação emocional do golpe. Que melhor seria fazer proposições ao tal
delegado. Portanto, ficam incompletas as ilações sobre o jogo emocional do
golpe, para ser propositivo.
Um ponto de partida seria taxar as grandes fortunas, reformar
a justiça de Mendes, Cardosos e Carminhas, Outro ponto seria socializar de
verdade a saúde, ficando terminantemente proibida a medicina privada. Ah,
queremos também gratuidade total do ensino, creches nas escolas e universidades
(com a manutenção das cotas, claro!). Nacionalizar imediatamente os recursos
naturais do Brasil, todas as siderúrgicas privatizadas, anular a entrega do
Pré-Sal. É importante propor à PF que pare de eleger bandidos de estimação e
comece combater também a evasão de recursos biológicos do Brasil, de minerais
(areias monazíticas, nióbio, metais e pedras preciosas). O fruto disso seria
para educar o povo, urbanizar periferias dos grandes centros.
Tais propostas, entre outras, seriam o caminho para reparar
quinhentos anos de espoliação, além de corajoso esforço para resgatar, ao menos
simbolicamente, nossa dívida impagável com as gerações de índios e negros,
vítimas de tráfico humano e genocídio continuado e sistemático. Viriam juntas
com um plano internacional pró-união sul-sul e a integração latino-americana.
Ah, o fortalecimento dos BRICS, o uso progressivo de outras moedas nas trocas
comerciais, em substituição ao dólar.
Polícia cidadã, respeito aos direitos humanos, cumprir a
Constituição Federal da República, punição de magistrados corruptos -
perseguidores, parciais, manipuladores, que agem em conluio com meios de
comunicação e com forças estrangeiras em desfavor do Brasil. Uma comissão da
verdade para apurar o golpe de 2016 seria bem-vinda, inclusive para investigar
as relações diplomáticas com nações hostis que tenham, mediante guerra híbrida,
atuado contra a estabilidade política, econômica e social do País. Tudo isso,
claro, com o fim do monopólio privado dos meios de comunicação...
Espera aí, gente! Vocês estão querendo mais que volta Lula?
Se for assim, é preciso recorrer a uma metáfora: para essa revolução acontecer,
falando sério, tudo poderia começar com um tiro de canhão no Projac!
Armando Rodrigues Coelho Neto – é advogado, jornalista, delegado
aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
Do GGN