Quando o Supremo faz política
O Supremo Tribunal Federal (STF), na
quinta-feira, dia 4 de maio de 2017, mais uma vez e de forma casuística (a
exemplo de quando limitou a presunção de inocência e permitiu a prisão antes do
trânsito em julgado de condenação definitiva), mudou sua jurisprudência para, a
partir de agora, autorizar o processamento criminal de governadores de Estado,
independentemente de autorização da Assembleia Legislativa. Assim, proposta a
ação penal contra o governador, ficará a cargo do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) processá-lo e julgá-lo.
Na justificativa apresentada pelo ministro
Luís Roberto Barroso para que o Supremo Tribunal Federal pudesse alterar a sua
jurisprudência dominante até então (que exigia a autorização legislativa para
se processar os governadores, nos Estados onde suas Constituições assim
previam), ele entendeu que houve, de uma só vez três fenômenos, a saber: “uma
mudança de percepção do direito”, “modificações na realidade fática” e por
temer as “consequências práticas negativas de uma determinada linha de
entendimento.”
O ministro Barroso, no seu posicionamento
confuso e retórico, parece ter se esquecido de que o STF tem permitido que
Michel Temer (denunciado nas delações da Odebrecht) somente venha a
responder criminalmente, depois de concluído o exercício das suas funções
presidenciais.
Contudo, num gesto casuístico, direcionado
a atingir o governador do Estado de Minas Gerais, o STF autorizou o Superior
Tribunal de Justiça a processá-lo, independentemente de autorização da
Assembleia Legislativa.
Desta forma, o governador do PT/MG teve
sua sorte lançada nas mãos do Poder Judiciário. E o Poder Judiciário,
doravante, retira do parlamento a prerrogativa de abrir processo criminal
contra o Governador, enquanto este estiver no exercício do cargo. Ou seja, uma
atribuição política foi usurpada pelo Judiciário, em seu favor para, assim,
perseguir a quem queira.
A mudança repentina da jurisprudência do
STF representou mais um caso de quebra de segurança jurídica e violentou
igualmente o princípio federativo. A autorização das Assembleias Legislativas
para permitir o processamento de governadores é uma forma de se impedir
perseguições políticas, por meio do manuseio de ações criminais, especialmente
quando baseadas em meras “convicções”.
Com efeito, como registrado por
Tocqueville, uma das grandes preocupações dos norte-americanos, quando da
fundação de seu país, era impedir ameaça ou ruptura da federação, a ser
patrocinada por um grupo majoritário de Estados contra uma minoria, no que se
denominou de “ditadura da maioria”. Por isto, o Poder Judiciário
norte-americano foi concebido também como uma forma de assegurar o equilíbrio
das forças federativas e impedir intervenções nos Estados, de qualquer que
fosse o Poder Constituído.
Com a decisão do STF, o destino dos
governadores, como Fernando Pimentel, do PT/MG, passa a depender da vontade do
Superior Tribunal de Justiça, que poderá, como ressaltado por Luís Barroso,
inclusive afastá-los de suas funções, uma vez recebida a denúncia, caso
entendam haver “elementos a justificá-lo”.
Por fim, registre-se que nem durante os
primeiros anos da ditadura civil-militar de 1964-1985, o STF ousou
praticar tamanha violação federativa. Para ilustrar, lembramos que o
ex-governador de Goiás, Mauros Borges (defendido por Sobral Pinto, no Habeas
Corpus 41.296), durante os primeiros anos daquele regime de exceção, teve
assegurado que, para ser processado, deveria haver a autorização da Assembleia
Legislativa de Goiás.
Do GGN, por Jorge Rubem