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sábado, 30 de dezembro de 2017

Um balanço de 2017, por Leonardo Avritzer

Um balanço de 2017. O ano não foi um bom ano para as forças de esquerda na medida em que a derrota de 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff se transformou em políticas que afetaram profundamente a vida da população. A PEC 55 de dezembro de 2016 ainda não mostrou todos os seus efeitos deletérios mas eles ainda irão se manifestar. A reforma trabalhista já mostra a que veio, permitindo dispensas e recontratações que irão rebaixar os salários da parcela da população que tem uma inserção mais precária no mercado de trabalho.
Ainda assim, é possível afirmar que 2017 foi melhor do que 2016. A reação às políticas conservadoras está disseminada em todos os espaços, da reação a Temer à crítica a Lava Jato. As forças conservadoras que se utilizam destes dois instrumentos, uma maioria conservadora em um congresso completamente tomado pela corrupção e a ação da Lava Jato tentando redefinir os espaços políticos encontraram forte reação em 2017. A Lava Jato não é mais o que era, mas não está ferida de morte. Sofreu diversas derrotas, algumas impingidas pelo próprio governo Temer e outras pelo STF através de Gilmar Mendes. Eles não tem o mesmo apoio na PGR e encontram problemas na manutenção do método condução coercitiva mais prisões preventivas para forçar a delação. Tudo indica que o fim da Lava Jato está próximo e ocorrerá e 2018, ainda que os danos estejam aí e nós teremos que conviver com eles por um longo período.
No campo da esquerda algumas vitórias importantes já se manifestam. O aumento da identificação com o P.T. que havia caído de quase 30% para 8%, agora está em 20% mostrando uma forte recuperação. Mas o mais importante é a queda da rejeição ao ex-presidente Lula especialmente nas classes A e B que mostra um mudança de postura das classes médias no Brasil que parecem ser no campo da opinião a força decisiva. Eu ainda apontara com importante avanço no campo da esquerda a influência e o espaço midiático conquistado por Boulos e pelo MTST. Toda esta recuperação mostra que a política de resistência do governo federal no período Dilma Rousseff esteve equivocada nas duas principais questões que pautam esta conjuntura desde 2013, a economia e a questão jurídica. Dilma errou nas duas, na maneira como tentou realizar o choque econômico ortodoxo e na maneira como deixou de tentar influir na Lava Jato negando a sua politização. A reação à estas duas forças sem a presença no governo está se mostrando mais profícua do que no período anterior por que tem se concentrado na esfera pública e nas mídias sociais e tem permitido uma recuperação de hegemonia política.
A grande incógnita de 2018 é o poder judiciário. Desde 2012, o poder judiciário assumiu uma nova configuração na sociedade brasileira. Ativo em todas as questões, decide sobre tudo e se pronuncia sobre tudo, ao mesmo tempo que acumula privilégios corporativos inconcebíveis. Tudo indica que o auge desta nova postura irá se manifestar em 2018, mas é possível que auge e decadência ocorram simultaneamente. O judiciário se tornou 11 ilhas completamente independentes entre si e estas ilhas se enfrentarão violentamente em 2018, principalmente o grupo liderado por Gilmar Mendes e o grupo liderado por Luis Roberto Barroso. Todos os dois grupos desgastam o poder judiciário com a sua atuação e começam a receber fortes críticas na mídia e na opinião pública (vide editorial do Estadão desta semana criticando Barroso). A chave da conjuntura continua residindo no mesmo lugar de sempre, na recuperação de uma proposta política progressista que conte com o apoio de um centro que sumiu da política brasileira desde que Aécio Neves e Eduardo Cunha se juntaram para contestar o resultado eleitoral e derrubar a presidente eleita. As forças de esquerda para se recuperarem precisam ter um candidato presidencial viável, mas principalmente uma representação mais forte no Congresso que impeça a farra de emendas constitucionais conservadoras e que permita uma afirmação do sistema politico frente ao poder judiciário. Somente esta nova configuração poderá recolocar o país no rumo de uma política democrática.
GGN

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A bestialização do povo brasileiro, por Fornazieri

Diante do fracasso histórico dos setores progressistas e de esquerda é forçoso reconhecer que eles mesmos foram co-artífices desse fracasso e que contribuíram significativamente para com a manutenção das subalternidade das classes populares à hegemonia das elites econômicas e políticas do país. Em outras palavras: contribuíram para com a manutenção do povo brasileiro na condição de bestializado.
​Como se sabe, a ideia de um povo bestializado foi criada pelo jornalista, jurista e político Aristides Lobo no contexto da passeata militar que proclamou a República. Ao testemunhar aquela passeata, comandada por um marechal monarquista, Lobo escreveu: "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem saber o que significava". A coisa do povo - a res publica - nascia, desta forma, sem povo. Pior ainda, nascia sem povo, sem armas e sem terras, logo após a Abolição, levada a efeito por uma princesa que era mais uma carola de sacristia do que propriamente uma estadista.  
Assim nascera também a Independência, emergida de um grito abestalhado do filho do monarca metropolitano . O novo país que nascia não era soberano, mas uma extensão da Coroa portuguesa. Note-se ainda que todas as revoltas pré-independência se definiram por duas características: ou eram conspirações de pequenos grupos ou tinham uma dimensão popular, mas localizada e isolada em determinadas províncias. Nunca houve um movimento nacional-popular que construísse um sentido de unidade de um povo. O único movimento que conseguiu imprimir uma dimensão nacional-popular, mesmo que parcial, foi a Revolução de 1930 e varguismo.
Mas o varguismo foi também uma via estatal de modernização, assim como foi a redemocratização de 1945, o golpe militar de 1964, a campanha das diretas com seu desfecho no Colégio Eleitoral, a Constituinte e, finalmente, os governos petistas. Todos esses processos, alguns com sentido contrário aos outros como foi o caso do golpe militar, buscaram a modernização do país e a mudança pela via do Estado, pelo alto, com negociações e conciliações com as elites. As chamadas classes populares nunca tiveram um protagonismo. A nova Constituição não significou uma refundação democrática e cidadã do Brasil, pois o povo não foi chamado a se pronunciar acerca dela por meio de um referendum. O povo nunca foi o sujeito constituinte da soberania nacional.
Ao se fazer essas constatações de natureza histórica não se pretende menosprezar as importantes contribuições do varguismo, do antigo PTB e do PT em avanços sociais. O que se quer dizer é que, mesmo com esses avanços, a derrota histórica dos progressistas e das esquerdas não pode não ser assinalada. E mais do que isto: o que se quer dizer é que os progressistas e as esquerdas adotaram estratégias que podem ser inseridas no conceito de revolução passiva, elaborado por Antônio Gramsci a partir de um livro de história da Revolução Napolitana de 1799, escrito por Vincenzo Cuoco.
Mudança de Estratégia
Em síntese, Gramsci entende por revoluções passivas todos os processos de transformação que podem vir por reformas, guerras, golpes etc., sem passar por uma revolução política de tipo "radical-jacobina". Isto quer dizer: sem uma participação efetiva das classes populares que, desta forma, não criam uma vontade coletiva nacional-popular. Em outras palavras: não há um processo constituinte, da sociedade contra o Estado, de um povo com consciência nacional. Assim, muitas revoluções têm um caráter restaurador e muitos governos progressistas terminam fracassando, abrindo as portas para a restauração conservadora. No Brasil, sequer houve uma reforma agrária radical-jacobina tal como ocorreu na França. As mudanças que ocorreram no campo ficaram muito aquém do próprio processo de distribuição de terras que ocorreu nos Estados Unidos.
Quando setores populares e progressistas participaram dessas tentativas modernização, fracassaram. Fracassaram com Vargas, com Jango, com as Diretas, com a Constituinte e com os governos do PT. Os momentos subsequentes a esses governos foram restaurações conservadoras. A singularidade desses governos, partidos e movimentos é que sempre buscaram atuar mais no Estado do que na sociedade civil e nos movimentos sociais. Nos momentos dos embates e de ruptura dos débeis processos democráticos não tinham força para resistir, não tinham força para impor um momento "radical-jacobino".
Tudo isto indica que as esquerdas estão adotando estratégias erradas ou parciais. Não há como sustentar reformas e mudanças mais radicais sem conseguir que as classes populares e os movimentos sociais se articulem em organizações consistentes da sociedade civil, sofram um processo de mudança de cultura e de consciência por um intenso trabalho crítico e formativo e se tornem o centro das lutas e  das mobilizações políticas. Não há como criar uma vontade coletiva nacional-popular, adverte Gramsci, sem que os diversos grupos sociais urbanos e do campo irrompam na vida política.
Os progressistas e as esquerdas não conseguem tirar as camadas subalternas da hegemonia das elites conservadoras que permitem apenas definir as lutas no campo do corporativismo e, mesmo assim, com um recorrentes recuos na garantia de direitos. Gramsci preconiza que a luta anti-hegemônica e a construção de uma nova hegemonia requer uma reforma intelectual, cultural e moral associada a um programa de reforma econômica. Os partidos e os movimentos devem subverter "todo o sistema de relações intelectuais e morais", retirando o povo de sua condição de "massa de manobra", de bestializado.
A impotência dos partidos progressistas e de esquerda de promoverem uma reforma intelectual, cultural e moral, articulada com um programa de reforma econômica, abriu o campo das periferias para que as igrejas evangélicas e pentecostais fizessem a reforma religiosa. A reforma religiosa conduz as massas periféricas para uma condição de subalternidade ainda mais aguda, mais conservadora, aprofundado sua condição de "massa de manobra", que se entrega a líderes, a partidos e a governos retrógrados, anti-sociais e anti-direitos.
Os partidos e movimentos sociais progressistas e de esquerda precisam ser ativos e atuantes nessa disputa de concepções de mundo e de valores através da propaganda, formação e organização dos vários grupos e segmentos sociais. Sem a criação desse terreno propício ao desenvolvimento de uma vontade e de uma força politicamente ativa nacional-popular o Brasil terá seu futuro condenado e nenhuma transformação modernizadora de sentido progressista se fará efetiva. Os campos largos da periferia ficarão a mercê da reforma religiosa conservadora e do crime organizado. Os joãos trabalhadores da demagogia e do charlatanismo e outras expressões autoritárias terão um terreno fértil para colher votos e vitórias eleitorais.
Aldo Fornazieri - é Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Do GGN