Depois
do “Caso Aécio”, quem me chamou de doutrinado virou pó. Este seria o título
daquilo que seria o texto de hoje, movido por mais um controvertido capítulo
daquela que, não se sabe a razão, ainda chamam de Corte Suprema. Seria sobre o
retorno de Aécio Neves (PSDB) ao senado, de onde, por princípio constitucional,
não deveria ter saído. Pelo menos no que diz respeito à forma, devido à clara
invasão de poderes. Bom lembrar que há pouco tempo, a mesa diretora do Senado
ignorou ordem do ministro Marco Aurélio Melo e não afastou Renan Calheiro
(PSDB), que não arredou o pé e nem foi arredado de onde estava. Sim, Marco
Aurélio, que monocraticamente queria afastar Renan, mandou monocraticamente
Aécio voltar, porque a decisão de afastar foi monocrática, entre outros
argumentos.
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segunda-feira, 10 de julho de 2017
Armando Coelho Neto: O golpe está nu, mas Dallagnol e Moro ainda estão de bermudas
sexta-feira, 9 de junho de 2017
Aragão a um certo “Simão”. A bem da verdade… senador Jucá!
Senhor
Senador Romero Jucá,
Tenho
respeito por Vossa Excelência como pessoa de inteligência incomum, enorme
capacidade de articulação e homem de diálogo. Estivemos, quase sempre, em lados
opostos, mas isso nunca impediu que conversássemos, porque os interesses de
nossa população sofrida não permitem que agentes públicos se ignorem por razões
de cosmovisão diferenciada. Sou um menino, comparado com o Senhor, no meu
pendor intransigente por defender os excluídos e por não tergiversar no que
respeita a minha consciência ética, política e ideológica. Mas aprendi consigo
que, apesar das profundas divergências, há espaços de confluência que merecem
nosso esforço de construir o consenso pontual.
Entristecido,
li recente nota sua em que nega conhecer e ter tido amizade com nosso irmão
comum Ângelo Goulart Villela. Vossa Excelência lhe atribui iniciativas contra
si na Justiça Eleitoral de Roraima, como impeditivas de ter uma relação próxima
dele. Foi, segundo a Coluna de Lauro Jardim, este o teor de sua nota pública:
“Por
meio de sua assessoria de imprensa, Romero Jucá negou que tenha relação de
amizade com Villela e ‘estranha como um procurador que já pediu a cassação de
seu mandato por duas vezes possa ser próximo a ele’. Segundo Jucá, o fato de
ele ter sido processado por Villela mostra ‘que não há qualquer ligação’ entre
os dois.” (Coluna Lauro Jardim, 28/05/17 – vide reprodução).
Infelizmente
– e isso me pesa muito – vou ter que o desmentir. Faço-o, porém, com a paz na
consciência de quem não tem nada a esconder, porque não se desviou das
privilegiadas lições que recebeu em seu lar paterno: “esforça-te por ser como
um livro aberto em que qualquer um possa folhear sem se escandalizar ou se
indignar”. Sábias lições do egipciense João Guilherme de Aragão.
Para
que não pairem dúvidas sobre o que vou dizer, contar-lhe-ei quem é Ângelo
Goulart Villela, um dos quadros mais leais, honestos e brilhantes do Ministério
Público Federal. Tão honesto que, mesmo admirando Vossa Excelência como um
garoto admira um gigante da política, não se esquivou de processá-lo, quando o
dever funcional não lhe deu outra escolha. A negação da amizade em sua nota é,
em verdade, seu melhor testemunho do excepcional caráter dele.
Ângelo,
um jovem procurador, deve ter, suponho, uns dez anos de carreira. Conheci-o ao
ser chamado, como corregedor-geral do Ministério Público Federal, a resolver
situação de conflito entre colegas em Roraima. Era, ele, procurador-chefe e
pessoa muito preocupada com a harmonia no ambiente de trabalho. Seus colegas de
geração tinham-no como liderança inconteste. Transitava muito bem, igualmente,
na polícia federal. Conversei, à época, com o superintendente regional em Boa
Vista e lá ouvi os melhores testemunhos, provas de sua integridade e correção.
Ao mesmo tempo, notava que era uma pessoa com disposição de diálogo, qualidade
rara num ministério público contaminado por mentalidade redentora e moralista.
Enfim, revelou-me inteligência emocional muito acima da média de nossos
colegas. Fiquei impressionado positivamente.
Procurei
então me informar melhor sobre Ângelo e soube que é sobrinho-neto do
ex-Presidente João Goulart, filho de membro do ministério público e com irmão
no quadro do MPT. Muito jovem, ganhando bem e sem filhos, levava uma vida
relativamente despreocupada, permitindo-se algumas extravagâncias dentro de seu
limite de renda, como comprar bons vinhos, fazer turismo em lugares
interessantes deste mundão de Deus e frequentar bons restaurantes e hotéis,
práticas, aliás, comuns a muitos colegas em situação análoga e típicas de uma
geração de jovens que se sentiram atraídos pela carreira por conta dos
confortos que proporciona. Já fiz muita crítica a respeito disso e nem sempre
entendida por seus destinatários.
Quando,
em 2013, fui nomeado Vice-Procurador-Geral Eleitoral, convidei Ângelo para
fazer parte de minha equipe. Estava, ele, lotado em Guarulhos. Fiquei
preocupado com a possibilidade de seus colegas de unidade não o liberarem,
porquanto a procuradoria local é uma das mais movimentadas do Brasil. Mas tive
a grata surpresa de saber que os colegas não só o liberaram, como fizeram
questão de expressar sua satisfação de ver um dos seus ascendendo para atuar
num órgão da cúpula da instituição. Ângelo mereceu aplausos de seus pares.
Durante
minha atuação junto ao Tribunal Superior Eleitoral, Ângelo foi meu braço
direito, pessoa da mais estreita confiança e sabia se desincumbir muito bem de
casos complicados e sensíveis, jamais se deixando levar por paixões,
doutrinarismos ou tendências político-partidárias. Gozava de respeito dos
atores políticos que acorriam ao tribunal e dos próprios ministros da Corte. A
todos buscava atender com presteza e compreensão, sobretudo a Vossa Excelência.
Nunca me deu motivos para desconfiar de qualquer desvio de conduta. Muito pelo
contrário, exibia rigor na aplicação da lei.
Por
sua capacidade de dialogar e articular politicamente, Ângelo despertou, também,
a atenção do Procurador-Geral da República. Foi frequentemente incumbido de dar
recados do chefe da instituição a parlamentares, inclusive a Vossa Excelência,
Senador. Fazia o leva e traz. No seu gabinete – isso testemunhei pessoalmente –
Ângelo era de casa, conhecido e estimado por boa parte de sua equipe. Conseguia
agendar reuniões consigo sem dificuldades e, por isso, era usado não só pelo
Procurador-Geral, mas, também, pela Associação Nacional dos Procuradores da
República, de cuja diretoria passou a participar para facilitar a articulação
parlamentar. Foi recebido pelo Senhor juntamente com o Doutor Robalinho,
presidente da ANPR, para tratar de pautas legislativas, como se vê na foto
abaixo.
Não
sei se Ângelo cometeu algum ilícito no episódio em que foi exposto à sanha
persecutória da mídia, numa sociedade doente como a nossa, pela intensa
polarização política causada interesseiramente para desgastar os governos
populares do Partido dos Trabalhadores. Na verdade, isso não me interessa.
Nosso amigo haverá de se defender na instância própria e espero que receba a justiça
que todos merecemos, coisa, aliás, difícil nos dias de hoje, quando o
judiciário e o ministério público demonstram mais empenho de agradar a tal
“opinião pública” do que garantir direitos dos jurisdicionados. Para mim, o que
importa é manter-me fiel à máxima inglesa: “a friend in need is a friend
indeed”, um amigo na necessidade é um amigo de verdade.
Ângelo
está sendo trucidado por aqueles a quem serviu com denodo e fidelidade. Para
ele, que aparentemente feriu a omertà ministerial, não vale a presunção de
inocência. A palavra torta de um advogado metido em encrenca é suficiente para
o Procurador-Geral taxá-lo publicamente de corrupto, sem qualquer exame mais
acurado sobre a procedência da solteira acusação de que estaria a receber
cinquenta mil reais por mês do Grupo JBS.
Tristes
tempos! Para entrar numa fria no Brasil de hoje, basta estar no lugar errado,
na hora errada. Sua vida está destruída. Nunca o Ministério Público Federal
agiu com tanta ferocidade contra qualquer um dos seus. E olha que lá não tem só
carmelitas de pés descalços! Todos o abandonaram à própria sorte. Todos dele
querem distância como se fosse um leproso. Inclusive Vossa Excelência.
Pois
não vou abandoná-lo. Aprendi a não julgar ninguém. Nem como procurador. Não sei
se, acaso estivesse no lugar de um errante, agiria melhor do que ele. A vida
não me colocou nessa prova. Cada um carrega sua cruz e dá seu jeito para
cumprir a tarefa. Limito-me a verificar se certa conduta se subsume à hipótese
de um tipo penal. Só isso. E procedo à aplicação da norma cum grano salis,
pois, summum jus, summa injuria! Afinal, é sempre bom desconfiar de si mesmo,
de seus impulsos e de suas emoções, pois ninguém é melhor que ninguém.
Ângelo
foi vítima daqueles que o usaram. Ao assumir a tarefa de estafeta, foi útil
para muitos colegas mais espertos e mais pusilânimes, zelosos de não se
exporem. Ele estava no olho do furacão, na crise que tomou conta do país. É que
o ministério público adora fazer bonito para o público e, para ficarem belos na
fita, não faltam cúpidos colegas. Adoram se exibir na cruzada contra o mal, os
arautos da moralidade. Mas o que eles escondem é que seu protagonismo político
e social exige que consigam manter seu prestígio como carreira, com bons ganhos
e crescentes poderes de ação. Tem-se aí um paradoxo: ao mesmo tempo em que
batem em Vossa Excelência e em seus pares no parlamento, precisam ter alguém
que os chaleire, que os cative, para que os seus sejam bonzinhos e não partam
para a vindita, numa guerra intercorporativa. Há nossos bad cops e nossos good
cops, os “canas” malvados e os “canas” gente boa. Um não vive sem o outro. Os
Dallagnois e a patota de sua claque interna se adoram no papel de bad cops. São
os que os tratam na chibata, para todo mundo ver e criar ojeriza a sua classe.
Ângelo
tinha por função ser o good cop. Aquele que vem com papo agradável,
diplomático; aquele que quebra galhos e oferece alguma previsibilidade aos
ataques que estão por vir, para que a turma de Vossa Excelência possa se
preparar. Afinal, a imagem para um político é seu principal ativo e ter algum
insider que lhe ofereça alguma explicação sobre os sarrafos que está levando é
mais do que útil, é necessário para se preservar minimamente.
Ângelo
sabia que sua missão era necessária, também para preservar as conquistas
corporativas do ministério público. Tinha que agir com extrema cautela, numa
greta entre o lícito e o ilícito. Se os políticos são em sua maioria gente
corrupta, como o ministério público dá a entender, negociar com eles benefícios
da carreira beira à corrupção também. Mas não negociar é a certeza da perda de
poder e de ganhos e privilégios.
Alguém
tem que fazer esse papel de modo a não comprometer a classe dos limpinhos. Esse
cristão tem que ser manhoso, simpático que nem todo estelionatário e conseguir
manter as aparências de decoro. Mas Ângelo era bom no que fazia, porque não era
um estelionatário. Era sincero, compreendia o mundo político como ninguém e,
sobretudo, respeitava a soberania popular.
Não
tenho dúvida que o papel que lhe foi cometido levou Ângelo a fazer o que fez.
Sentia-se empoderado para isso. Negociar com gente controversa era sua vocação.
E sempre agiu sozinho, pois os colegas, ainda que se beneficiassem, não queriam
se meter nessa roubada. E, enquanto as tratativas de nosso amigo traziam frutos
bons para a corporação, ele era festejado: “Graaande Ângelo”! Era que nem
Blokhin, o fuzilador preferido de Stalin: era adorado e adulado pelo Vozhd, mas
nunca o tinha em sua companhia ao executar suas vítimas, obedecendo a sua ordem
de rastreliat.
Isso,
claro, não justifica a entrega de documentos internos a uma parte investigada;
mas a explica muito bem. Seu pecado foi achar que, na força tarefa, poderia
agir solo, dentro do coletivo de prime donne, como o fazia na política. Esqueceu de conversar com os russos, combinar
o jogo. Não podia cativar Joesley e seus cúmplices sozinho, para aceitarem uma
delação premiada que era a crème de la crème do bolo das vaidades.
Ângelo
tornou-se uma pessoa trágica. Foi sugado interesseiramente e depois cuspido
feito bagaço de laranja. Agora os amigos lhe viram as costas.
Senador,
o Senhor não! Não tem esse direito. Ele muito se sacrificou por Vossa
Excelência e pelos seus. Assumiu muitos riscos. Lembra-se, nos estertores do
governo da Presidenta legtima e eleita Dilma Rousseff – aquela que vocês
traíram junto com a democracia? Pois é. Era na casa de Ângelo Goulart que eu,
como Ministro de Estado da Justiça, conversava com o Senhor para garantir
tratamento digno à Chefe de Estado!
Era
onde o Senhor se sentia melhor, mais protegido, não é? E agora diz que não o
conhecia? Sinceramente, não esperava isso de Vossa Excelência.
Quem
sabe, Senador, consiga verter lágrimas de arrependimento e vergonha que nem
Simão Pedro, o pescador que episodicamente traiu seu Mestre?
Acredito
nos humanos. Por mais perversas que possam ser suas atitudes, são filhos da luz
e por isso são tão especiais, que nem Ângelo! Tenho responsabilidade por quem
cativei e cumprirei com essa responsabilidade. Ele é e sempre será meu amigo.
Afinal, não é qualquer um que brinca com meu filho na cama elástica da casa do
Procurador-Geral da República.
Do
GGN, Eugênio Aragão