Dia 21 de abril. Feriado nacional e data
comemorativa em homenagem a um dos grandes símbolos nacionais, Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes. Um dos líderes da Inconfidência Mineira, que
questionou abertamente o estatuto colonial imposto pelo colonizador português.
Consagrada e justa homenagem a um herói da
Pátria que, após ser enforcado no Rio de Janeiro, ainda teve o corpo
esquartejado e exibido na principal praça da belíssima Ouro Preto. Era um dos
personagens que portava condição social mais baixa entre os inconfidentes. O
ódio de classe do poder contra os Libertadores da Nação perdura até os nossos
dias.
É contra a sua memória e a do seu
significado simbólico, ou seja, a libertação e a soberania nacional, que as
Organizações Globo persistentemente atuam. Décadas a fio. É pela submissão do
Brasil, exatamente ao que Tiradentes combatia, que a Globo age.
No mesmo dia reservado à memória do grande
Tiradentes, a TV Globo a conspurcou veiculando o seu espúrio comercial
"Agro é pop, agro é tech", renitentemente anunciado após o golpe de
2016.
Em tom laudatório, dizia o anúncio que a
"cana de açúcar faz sucesso há 500 anos". Uma visão de Brasil e um
ideal de país flagrantemente colonizado. Mais subserviente ao poder do
capitalismo internacional e às suas estruturas internas associadas impossível.
Durante boa parte do período colonial
brasileiro a cana de açúcar representava item principal da exploração econômica
em benefício do colonizador. A monocultura que a todo e qualquer tipo de
atividade econômica diferente procura(va) inibir.
Mesmo passando por longa e agonizante fase
de decadência, como bem demonstram as clássicas obras de José Lins do Rêgo, nos
anos 1930/40, o poder das oligarquias da cana era – e ainda é – incontrastável
nas regiões de produção do artigo primário.
Não é gratuito que as Ligas Camponesas, um
dos incipientes movimentos sociais organizados pela reforma agrária e contrário
à intensa exploração dos trabalhadores rurais, nos anos 1950/60, tenham tido
como ambiente de origem precisamente o universo canavieiro, dos estados de
Pernambuco e Paraíba.
Em tempos mais recentes, a degradação e a
hiperespoliação dos trabalhadores pelos fazendeiros da cana de açúcar são
fatores que revelam a inexistência de qualquer identidade supostamente “tech”
ou “pop” para a produção canavieira.
Segundo artigo acadêmico produzido por
Maria Aparecida de Moraes Silva (publicado na coletânea “Riqueza e miséria do
trabalho no Brasil III”, organizado por Ricardo Antunes e publicado pela
editora Boitempo, 2014), o cenário é desolador.
Apenas no estado de São Paulo, entre os
anos de 1999 e 2005, cerca de 9000 trabalhadores ficaram incapacitados por mais
de 15 dias, devido ao trabalho nos canaviais. No mesmo intervalo de tempo,
aproximadamente 400 trabalhadores sofreram danos que os levaram a uma
incapacidade permanente.
Conforme as palavras da própria autora,
doutora em Sociologia e professora da Unesp-Araraquara, “a realidade dos
trabalhadores em muito se distancia daquela retratada pelos ideólogos desse
setor produtivo – Estado, meios de comunicação (...). Nos canaviais paulistas,
a superexploração causou 23 mortes [no período considerado], supostamente por
exaustão, além de muitos casos de escravidão, denunciados por várias
entidades”.
Ainda de acordo com Maria Aparecida, a
atividade canavieira “é permanente” em função do uso de “trabalhos temporários
ao longo do ano, algo que contribui para aumentar os lucros das empresas, pois
diminui os gastos com direitos trabalhistas”.
A produção canavieira, ainda hoje, em
tempos superficialmente distantes da era colonial, possui expressiva
participação nas exportações brasileiras. Segundo dados disponibilizados pelo
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o açúcar está incluído
entre os dez principais itens da balança comercial brasileira.
Acompanhando outros produtos primários de
relevância na pauta de exportações, a cana de açúcar é retrato do caráter
neocolonial, não apenas da subalternidade do país na divisão internacional do
trabalho, como do poder político das oligarquias rurais latifundiárias.
O que a Globo defende com o seu
pseudojornalismo e com os seus anúncios publicitários, que exaltam o
agronegócio, é nos chumbar em uma asquerosa e aviltante condição colonial. De
maneira associada, tende a preconizar o modelo de regime de trabalho canavieiro
como exemplo de “modernização” das relações trabalhistas no país.
Evidentemente, um retrocesso que não
apenas rasga as leis do trabalho, duramente conquistadas pelo Povo Brasileiro
nos anos 1930, com Getúlio Vargas, como também nos leva(rá) ao distante século
XVII. Perto da Globo o símbolo pátrio de Tiradentes revolta-se e precisa
consistir em inspiração para a superação dos nossos sombrios e reacionários
tempos.
GGN, Roberto Bitencourt