PEÇA 1 - 2018 E
1968
Em 1964, derrubou-se um presidente da República e promoveu-se
uma eleição indireta que resultou na posse do Marechal Castello Branco. Do
mesmo modo, em 2015 houve outro golpe que derrubou uma presidente eleita.
As semelhanças entre os dois momentos foram desautorizadas
por quem comparava 2015 com 1968. No pós-68 houve tortura, agora, não. A
comparação, na verdade, é com 1964. Sem 64, não teria havido 68 e os demais
anos de chumbo.
Derrubado o governo, foram promulgados vários Atos
Institucionais, em uma escalada crescentemente repressiva. O primeiro, de
08/04/1964, dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar
leis legislativas, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar
em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse
atentado contra “a segurança do país, o regime democrático e a probidade da
administração pública”.
A ideia inicial era permitir eleições diretas em 1966 e uma
nova Constituinte.
Em 27/10/1965 foi promulgado o AI-2 dissolvendo os partidos
políticos, aumentando de 11 para 16 o número de Ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal), reabrindo as cassações e autorizando o governo a decretar
estado de sítio por 180 dias sem consultar o Congresso.
Em 05/02/1966 é promulgado o AI-3, instituindo eleição
indireta para governador, prefeitos das capitais indicados pelos governadores.
Em 07/12/1966, o AI-4, convocando o Congresso Nacional a
definir uma nova Constituição.
No dia 13/12/1968, o AI-5, concedendo ao Presidente da
República o poder de cassar mandatos, intervir em estados e municípios,
suspender os direitos políticos de qualquer pessoa, inclusive o direito ao
Habeas Corpus para crimes políticos.
No dia 01/02/1969 o AI-6, reduzindo de 16 para 11 o número de
Ministros do STF e cassando dois deles, que haviam se colocado contra a
cassação de um colega. Definiu também que os crimes contra a segurança nacional
seriam julgados pela justiça militar. Com base dele, houve inicialmente uma
lista de 33 cassações de deputados.
PEÇA 2 – O QUADRO ATUAL
PRÉ-68
Há um conjunto de fatores sugerindo que se entrou na fase
pré-68.
As listas e a deduragem
Na semana passada, a criação da Força-Tarefa de Inteligência
para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil – entendido como tudo que
possa comprometer a segurança nacional – foi indicativo óbvio do que será
feito. Tratei
o fato como o AI-1 do novo regime
Ontem, em seu discurso para os manifestantes da Avenida
Paulista, Bolsonaro anunciou que MST e MTST, entre outras organizações, serão
tratados como organizações terroristas em seu governo.
Um dos capítulos mais infames do período militar foram as
listas de suspeitos difundidas por jornalistas, intelectuais, professores,
contra seus próprios colegas, e que teve como personagem-símbolo Cláudio
Marques, o delator de Vladimir Herzog.
Ontem, em sua coluna do Estadão, Eliana Cantanhede inaugurou
formalmente a nova etapa Cláudio Marques, ao divulgar uma lista de diplomatas
“suspeitos” de contaminação esquerdista. Outros colegas a acompanharão.
Saliente-se que apenas repete o que grandes veículos fizeram
anos atrás com jornalistas que ousavam fazer o contraponto.
A naturalização da
violência
Em muitos veículos tenta-se minimizar a violência,
comparando-a a dos embates entre torcidas de futebol, mesmo estando disseminada
por todo o país.
Instituições
intimidadas
Outro indício claro é a intimidação das instituições. O filho
do candidato a presidente Jair Bolsonaro diz que para fechar o STF (Supremo
Tribunal Federal) basta um cabo e um soldado. Dois Ministros de manifestam em
on – Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Os demais reclamam em off,
justificando a necessidade de apenas uma voz por todos, a do presidente da
casa, Dias Toffoli. Fontes ligadas a Toffoli avisam que ele prefere não se
manifestar para não colocar mais lenha na fogueira. Na verdade, a manifestação
ajudaria a jogar água na fervura, mas o bravo Toffolli ficou com receio de ser
atingido por algum respingo de água quente.
Celso de Mello alertou para o óbvio: é função da Constituição
assegurar que o poder de maiorias eventuais não se sobreponha aos princípios da
lei e aos direitos individuais. Aliás, foi o princípio central de determinou a
evolução de todas as constituições no pós-guerra, depois que se comprovou que
os nazistas se valeram dos instrumentos democráticos para compor uma maioria
que liquidou com a democracia, e que consagrou o papel do STF como contra
majoritário – isto é, contra eventuais ditaduras das maiorias (e obviamente das
minorias).
Nos últimos anos, no entanto, o STF – através de Luís Roberto
Barroso e Luiz Fux – se tornou o defensor da máxima de que o tribunal deve
atender às expectativas das maiorias. O constitucionalista Barroso se tornou o
principal propagandista do princípio que impulsionou o nazismo.
Ontem à tarde, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro
disse pelo telão que, eleito, mandará prender ou expulsar do país todos os
esquerdistas e mandará prender políticos da oposição. Não mereceu uma
admoestação sequer da Procuradoria Eleitoral, pelo claro desrespeito à ordem
legal.
Por outro lado, pesquisas internas do PT identificaram nos
programas denunciando a tortura o discurso mais eficaz contra Bolsonaro. Mas o
TSE suspendeu a veiculação dos programas que levantavam o tema.
PEÇA 3 – A GUERRA
DIGITAL
Há muitos pontos em comum na atual guerra digital com o que
ocorreu na época da Telexfree, a super pirâmide digital que deixou mais de um
milhão de vítimas no Brasil e arrecadou alguns bilhões de reais dos incautos.
Fui alertado para a coincidência após uma ameaça feita pelo Facebook por um
ex-vendedor da Telexfree, sugerindo que seu principal líder no país, Carlos
Costa, teria se acertado com Bolsonaro - provavelmente confundindo com o
economista homônimo.
Não se trata apenas do uso da informação em massa pelas redes
sociais – na época, a Telexfree usava uma metodologia eficaz para aparecer na
primeira página das pesquisas do Google -, mas também de interferir no
funcionamento de portais e blogs e até nos computadores pessoais dos
jornalistas e blogueiros visados. Aqui, no GGN, temos sofrido ataques similares
de DDoS e interferência nos computadores dos jornalistas. No primeiro turno,
conseguiram inviabilizar compartilhamento de artigos no Facebook.
A montagem da rede de Bolsonaro é trabalho antigo. Há mais de
dois anos era visível o trabalho em rede. A cada crítica feita à Lava Jato
apareciam enxames de bolsominions com um mesmo padrão de texto: caixa alta,
erros grosseiros de português e agressividade explícita, usando principalmente
o Facebook e o youtube. Mas com uma capacidade notável de ataques
sincronizados. No Twitter, a atividade maior sempre foi através de perfis
falsos – facilmente identificados pelo reduzido número de seguidores e por uma
numeração no nome, para facilitar a criação de novos perfis, sempre que os
anteriores fossem bloqueados.
Pouco antes, na véspera da reportagem da Folha sobre fakenews,
o Procurador Geral Eleitoral Humberto Medeiros minimizava o fenômeno: apenas
10% das mensagens do WhatsApp são em grupo, dizia ele. Dois dias depois, depois
que o caso se tornou escândalo mundial, o WhatsApp desabilitou 100.000 contas
suspeitas de propagar fakenews.
Só aí Medeiros trouxe informações de sua conversa com os
diretores do WhatsApp. No México e Índia ocorreram fenômenos semelhantes e a
empresa criou aplicativos permitindo identificar as notas mais compartilhadas,
enviá-las a agências de checagem e transmitir a contra-informação para toda
conta que recebeu a notícia falsa.
Ou seja, o fenômeno já havia se espalhado por vários países,
havia literatura sobre o tema e um tribunal que deverá custar R$ 10 bilhões no
próximo ano, sequer se preocupou em contratar estudos ou especialistas para se
preparar para enfrentar o fenômeno. Menos ainda os partidos políticos vítimas,
desde 2006, desse tipo de armação digital.
PEÇA 4 – A REDUÇÃO DE
DANOS DAS INSTITUIÇÕES
Em Brasília, há dois movimentos generalizados das
instituições: ou adesão a Bolsonaro ou política de redução de danos. Significa
fugir dos confrontos com os hunos, aprofundar a aproximação com o Estado Maior
das Forças Armadas, confiando que irá se comportar com mais racionalidade que
Bolsonaro, principalmente porque a proliferação das declarações violentas, e a
adesão de quadros militares a Bolsonaro, poderão colocar em risco, inclusive, a
hierarquia militar.
A única reação, portanto, será através do voto.
PEÇA 5 – A GRANDE LUTA
CONTRA A SELVAGERIA
A pesquisa CNT/MDA divulgada hoje mostra o seguinte quadro:
Intenção de voto para presidente (total):
- Jair Bolsonaro (PSL): 48,8%
- Fernando Haddad (PT): 36,7%
- Branco/Nulo: 11,0%
- Indeciso: 3,5%.
Nos últimos dias multiplicaram-se as declarações do grupo de
Bolsonaro sobre o que poderá esperar o país em caso de sua vitória.
Todo o quadro, explicado acima, poderá se concretizar, ou ser
evitado. Nos próximos dias haverá uma luta dantesca da civilização contra a
barbárie. Há sinais de que a onda Bolsonaro estabilizou e começa a recuar,
ainda que lentamente. O grande desafio será o de aprofundar o conhecimento
geral sobre Bolsonaro.
Se a esperança vencer o medo, será possível evitar o mais
profundo retrocesso civilizatória da história do país.
GGN