Você se pergunta como um candidato com tão poucas qualidades
e com tantos defeitos pode conseguir o apoio quase que incondicional de grande
parte da população?
Você já tentou argumentar racionalmente com os eleitores
deles, mas parece que eles estão absolutamente decididos e te tratam
imediatamente como inimigo no mais leve aceno de contrariedade?
Até sua tia, que sempre gostou de você, agora ataca seus
posts sobre política no facebook?
Pois bem, vou contar uma história.
O principal nome dessa história é um sujeito chamado Steve
Bannon. Bannon tinha uma visão de extrema direita nacionalista. Ele tinha um
site no qual expressava seus pontos de vista que flertavam com o machismo, com
a homofobia, com a xenofobia, etc. Porém, o site tinha pouca visibilidade e seu
sonho era que suas ideias se espalhassem com mais força no mundo.
Para isso, Bannon contratou uma empresa chamada Cambridge
Analytica. Essa empresa conseguiu dados do facebook de milhões de contas de
perfis por todo mundo. Todo tipo de dado acumulado pelo facebook: curtidas,
comentários, mensagens privadas. De posse desses dados e utilizando algoritmos,
essa empresa poderia traçar perfis psicológicos detalhados dos indivíduos.
Tais perfis seriam então utilizados para verificar quais
indivíduos estariam mais predispostos a receber as mensagens: aqueles com
disposição de acreditar em teorias conspiratórias sobre o governo, por exemplo,
ou que apresentavam algum sentimento de contrariedade difuso ao cenário
político atual.
A estratégia seria fazer com que esse indivíduo suscetível a
essas mensagens mudasse seu comportamento, se radicalizasse. Como as pessoas
passaram a receber as notícias e a perceber o mundo principalmente através das
redes sociais, não é difícil manipular essas informações. Se você pode
controlar as informações a que uma pessoa tem acesso, você pode controlar a
maneira com que ela percebe o mundo e, com isso, pode influenciar a maneira
como se comporta e age.
Posts no facebook podem te fazer mais feliz ou triste, com
raiva ou com medo. E os algoritmos sabem identificar as mudanças no seu
comportamento pela análise dos padrões das suas postagens, curtidas,
comentários.
Assim, indivíduos com perfis de direita e seu tradicional
discurso “não gosto de impostos” foram radicalizados para perfis paranóicos em
relação ao governo e a determinados grupos sociais. A manipulação poderia ser
feita, por exemplo, através do medo: “o governo quer tirar suas armas”. Esse
tipo de mensagem estimula um sentimento de impotência e de não ser capaz de se
defender. Estimula também um sentimento de “somos nós contra eles”, o que fecha
a pessoa para argumentos racionais.
Sites e blogs foram fabricados com notícias falsas para
bombardear diretamente as pessoas influenciáveis a esse tipo de mensagem. Além
disso, foi explorado também um sentimento anti-establishment, anti-mídia tradicional
e anti “tudo isso que está aí”. Quando as pessoas recebiam várias notícias de
forma direta, e não viam essas notícias repercutirem na grande mídia, chegavam
à conclusão de que a grande mídia mente e esconde a verdade que eles tem.
Se antes a mídia tradicional podia manipular a população, a
manipulação teria que ser feita abertamente, aos olhos de todos. Agora, todos
temos telas privadas que nos mandam mensagens diretamente. Ninguém sabe que
tipo de informação a pessoa do lado está recebendo ou quais mensagens estão
construindo sua percepção de realidade.
Com esse poder nas mãos, Bannon conseguiu popularizar a alt
right (movimento de extrema direita americana) entre os jovens, que resultou
nos protestos “unite de right” no ano passado em Charlottesville, Virgínia que
tiveram a participação de supremacistas brancos. Bannon trabalhou na campanha
presidencial de Donald Trump e foi estrategista de seu governo. A Cambridge
Analytica trabalhou também no referendo do Brexit, que foi vencido principalmente
por argumentos originados de fakenews.
Quando a manipulação veio à tona, Mark Zuckerberg foi chamado
ao senado americano para depor. Pra quem entendeu o que houve, ficou claro que
a democracia da nação mais importante do mundo havia sido hackeada. Mas os
congressistas pouco entendimento tinham de mídia social; e quem estaria
disposto a admitir que a democracia pode ser hackeada através da manipulação
dos indivíduos?
Zuckerberg estava apenas pensando em estabelecer um modelo de
negócios lucrativo com a venda de anúncios direcionados. A coleta de dados e a
avaliação de perfil psicológico das pessoas tinham a intenção “inocente” de
fazer as pessoas clicarem em anúncios pagos. Era apenas um modelo de negócios.
Mas esse mesmo instrumento pode ser usado com finalidade política.
Ele se deu conta disso e sabia que as eleições brasileiras
podiam estar em risco também. Somos uma das maiores democracias do mundo. O
facebook tomou medidas ativas para evitar que as campanhas de desinformação e
manipulações ocorressem em sua rede social. Muitas contas fake e páginas que
compartilhavam informações falsas foram retiradas do facebook no período que
antecede as eleições.
Mas não contavam com a capilarização e a popularização dos
grupos de whatsapp. Whatsapp é um aplicativo de mensagens diretas entre
indivíduos; por isso, não pode ser monitorado externamente. Não há como regular
as fakenews, portanto. Fazer um perfil fake no whatsapp também é bem mais fácil
que em outras redes sociais e mais difícil de ser detectado.
Lembram do Steve Bannon, que sonhou com o retorno de uma
extrema direita nacionalista forte mundialmente? Que tinha ideias que são
classificadas como anti minorias, racistas e homofóbicas? E que usou um
sentimento difuso anti “tudo que está aí”, e um medo de os homens se sentirem
indefesos para conquistar adeptos?
Pois bem, ele se encontrou em agosto com Eduardo Bolsonaro.
Bolsonaro disse que o Bannon apoiaria a campanha do seu pai com suporte e
“dicas de internet”, essas coisas. Bannon é agora um “consultor eventual” da
campanha. Era o candidato ideal pra ele, por compartilhava suas ideias, no
cenário ideal: um país passando por uma grave crise econômica com a população
desiludida com a sua classe política.
Logo depois de manifestações de mulheres nas ruas de todo o
Brasil e do mundo contra Bolsonaro, o apoio do candidato subiu, entre o público
feminino, de 18 para 24 por cento. Um aumento de 6 pontos depois de grande
parte das mulheres se unir para demonstrar sua insatisfação com o candidato.
Isso acontece porque, de um lado, a grande mídia simplesmente
ignorou as manifestações e, por outro, houve um ataque preciso às manifestações
através dos grupos de whatsapp pró-Bolsonaro. Vídeos foram editados com cenas
de outras manifestações, com mulheres mostrando os seios ou quebrando imagens
sacras, mas utilizadas dessa vez para desmoralizar o movimento #elenão entre as
mais conservadoras.
Além disso, Eduardo Bolsonaro veio a público logo após a
manifestação e declarou: “As mulheres de direita são mais bonitas que as de
esquerda. Elas não mostram os peitos e nem defecam nas ruas. As mulheres de
direita têm mais higiene.” Essa declaração pode parece pueril ou simplesmente
estúpida mas é feita sob medida para estimular um sentimento de repulsa para
com o “outro lado”.
Isso não é nenhuma novidade. A máquina de propaganda do
nazismo alemão associava os judeus a ratos. O discurso era que os judeus
estavam infestando as cidades alemãs como os ratos. Esse é um discurso que
associa o sentimento de repulsa e nojo a uma determinada população, o que faz
com que o indivíduo queira se identificar com o lado “limpo” da história. Daí
os 6 por cento das mulheres que passaram a se identificar com o Bolsonaro.
Agora é possível compreender porque é tão difícil usar
argumentos racionais para dialogar com um eleitor do Bolsonaro? Agora você se
dá conta do nível de manipulação emocional a que seus amigos e familiares estão
expostos? Então a pergunta é: “o que fazer?”
Não adiante confrontá-los e acusá-los de massa de manobra.
Isso só vai fazer com que eles se fechem e classifiquem você como um inimigo
“do outro lado”. Ser chamado de manipulado pode ser interpretado como ser
chamado de burro, o que só vai gerar uma troca de insultos improdutiva.
Tenha empatia. Essas pessoas não são tolas ou malvadas; elas
estão tendo suas emoções manipuladas e estão submetidas a uma percepção da
realidade bastante diferente da sua.
Tente trazê-las aos poucos para a razão. Não ofereça seus
argumentos racionais logo de cara, eles não vão funcionar com essas pessoas. A
única maneira de mudar seu pensamento é fazer com que tais pessoas percebam
sozinhas que não há argumentos que fundamentem suas crenças e as notícias
veiculadas de maneira falsa.
Isso só pode ser feito com uma grande dose de paciência e de
escuta. Peça para que a pessoa defenda racionalmente suas decisões políticas.
Esteja aberto para ouvi-la, mas continue sempre perguntando mais e mais, até
ela perceber que chegou num ponto em que não tem argumentos para responder.
Pergunte, por exemplo: “Por que você decidiu por esse
candidato? Por que você acha que ele vai mudar as coisas? Você acha que ele
está preparado? Você conhece as propostas dele? Conhece o histórico dele como
político? Quais realizações ele fez antes que você aprova?”
Em muitos casos, a pessoa tentará mudar o discurso para falar
mal de um outro partido ou do movimento feminista. Tal estratégia é esperada
porque eles foram programados para achar que isso representa “o outro lado”, os
inimigos a combater.
Nesse caso, o caminho continua o mesmo: tentar trazer a
pessoa para sua própria razão: “Por que você acha que esse partido é tão ruim
assim? Sua vida melhorou ou piorou quando esse partido estava no poder? Como
você conhece o movimento feminista? Você já participou de alguma reunião
feminista ou conhece alguém envolvido nessa luta?”
Se perceber que a pessoa não está pronta para debater,
simplesmente retire-se da discussão. Não agrida ou nem ofenda, comportamento
que radicalizaria o pensamento de “somos nós contra eles”. Tenha em mente que
os discursos que essa pessoa acredita foram incutidos nela de maneira que
houvesse uma verdadeira identificação emocional, se tornando uma espécie de
segunda identidade. Não é de uma hora pra outra que se muda algo assim.
Duas das mais importantes democracias do mundo já foram
hackeadas utilizando tais técnicas de manipulação. O alvo atual é o nosso país,
com uma das mais importantes democracias do mundo. Não vamos deixar que essas
forças nos joguem uns contra os outros, rasgando nosso tecido social de uma
maneira irrecuperável.
P.S.: Por favor, pesquise extensamente sobre todo e qualquer
assunto que expus aqui, e sobre o qual você esteja em dúvida. Não sou de nenhum
partido. Sou filósofo e, como filósofo, me interesso pela verdade, pela ética e
pelo verdadeiro debate de ideias.Sua tia não é fascista, ela está sendo
manipulada.
GGN