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terça-feira, 18 de setembro de 2018

A GLOBONEWS E A AGONIA DO PENSAMENTO MONOFÁSICO, POR LUIS NASSIF

Confesso que sempre fiquei agoniado com o pensamento monofásico, aquele em que a pessoa desenvolve UM raciocínio, com UM ângulo apenas de análise e entra em tilt se o interlocutor ousa colocar uma azeitona que seja no seu prato.
Com Zélia Cardoso de Mello era assim. Quando Zélia pensava parecia que sua cabeça doía. Era incapaz de juntar dois ângulos em cima do mesmo tema.
Ao longo da minha longa carreira jornalística, conheci outros tipos assim. Cristovam Buarque era um deles, desde os tempos de militância de esquerda.
Dilma Rousseff fazia outro tipo, da teimosia, sim, mas mais elaborada. Você queria saber a razão de ter aumentado a Selic, ela fazia digressões sobre o fim do quantitative easy pelo FED. A rigor, não havia correlação óbvia entre ambos, mas questionar seu raciocínio exigia do interlocutor entrar em uma série de outros conceitos. Enfim, não era pensamento monofásico.
Mas o que ocorre hoje em dia na Globonews é algo inédito: a epidemia de pensamento monofásico em uma emissora que se pretende ser a vanguarda do intelectualismo televisivo. Pobre país!
Funciona assim: o repórter coloca UMA questão para o entrevistado e só admite UMA resposta. Se o entrevistado ousar elaborar minimamente sua resposta, dá um tilt e, como dono do espaço, o repórter corta a resposta e exige a volta ao script da casa. É tico ou teco, e não venha confundir minha cabeça!
Não foi por outro motivo o espanto de Kátia Abreu, ante a insistência do colunista Gerson Camarotti para que ela respondesse a resposta padrão, para que ele pudesse recorrer à tréplica padrão.
Gerson, Mirian Leitão e Andreia Sadi se tornaram os campeões desse estilo inacreditável de jornalismo, vindo de um canal de primeiro nível.
Mirian insistindo na autocrítico dos erros do PT. Jogava a bola para Haddad. Este analisava o período de 12 anos do PT e, no período final, admitia os erros cometidos por Dilma. E a entrevistadora:
- Mas, candidato, se não fizer a autocrítica, como iremos acreditar que o PT mudou?
Aí toca Haddad pacientemente responder que ao mencionar os erros de Dilma, ele estava fazendo a tal autocrítica solicitada. E ela:
- Mas candidato?
Andreia Sadi recorreu ao bordão da conversa entre Lula e Haddad sobre a eventualidade ou não de um indulto presidencial a Lula. Não estava interessada em saber a opinião de Lula ou de Haddad, mas exclusivamente se houve a conversa sobre o tema entre ambos, como se a simples conversa fosse a prova do crime.
É inacreditável! É evidente, óbvio, lógico que conversaram sobre o indulto. O país inteiro discutindo o indulto, e os dois principais atores – Lula, o preso, Haddad, se presidente eleito – não iriam discutir?
Ai Haddad pacientemente explicava que conversaram. Pronto, a admissão de culpa:
- Então conversaram!, vibra a repórter por ter seu “furo” confirmado.
Haddad ainda se dá ao trabalho de explicar que conversaram porque o tema já tinha saído nos jornais.
- Mas Lula disse que não quer indulto, quer ser absolvido.
- Mas conversaram!, vibra a repórter.
- Conversamos, claro, mas Lula disse que a melhor resposta foi de Ciro,  que disse que Lula é inocente e tem que ser absolvido pelos tribunais.
E a repórter, com o sorriso fulgurante de quem descobriu o mais recôndito segredo político do momento:
- Então, conversaram!
Socoooooooooorro!
GGN

sábado, 8 de setembro de 2018

XADREZ DA ÚLTIMA CARTADA DA GLOBO, COM BOLSONARO, POR LUIS NASSIF

Cena 1 – o retrato atual das eleições
Há um desenho nítido, com o esperado crescimento de Fernando Haddad e a consolidação da candidatura de Jair Bolsonaro. Desenha-se um segundo turno entre ambos. Haverá um confronto entre o anti-petismo e o anti-bolsonarismo, com boa possibilidade de o fator Bolsonaro garantir a vitória de Fernando Haddad.
Até agora, os personagens-chave do jogo se posicionam assim:
1. Mercado: aproximando-se de ambos e, especialmente de Haddad. A gestão de Haddad no Ministério da Educação e na Prefeitura são o seu principal aval. Em ambos os casos, foi uma gestão eminentemente técnica, fiscalmente responsável, com portas abertas para movimentos sociais e ONGs empresariais e foco claro na defesa das minorias.
2. Classe média: assustada com os arroubos de Bolsonaro, contra mulheres, minorias e a favor da violência, refletindo-se no aumento de suas taxas de rejeição.
Pesquisas recentes indicam que pelo menos 40% dos eleitores de Geraldo Alckmin poderiam votar em Haddad. Gradativamente foi caindo a ficha que nem o horário eleitoral seria suficiente para colocar Alckmin no segundo turno. E o crescimento das taxas de rejeição de Bolsonaro poderiam garantir a vitória de Haddad.
É por aí que se explica o reposicionamento dos principais atores políticos, resolvendo apostar suas fichas em Bolsonaro. E também o vídeo de João Doria Jr com a derradeira traição ao seu padrinho Alckmin: admitindo a ida de Bolsonaro para o segundo turno.
Cena 2 – o pacto Bolsonaro-Globo
Pouco antes do incidente em Juiz de Fora – no qual um alucinado enfiou a faca em Bolsonaro – o candidato deu declarações mencionando um fato novo relevante na eleição. Muitos imaginaram, depois, ser um anúncio do suposto atentado. Pode ser que sim, pode ser que não. Mas de novo, mesmo, foi o pacto firmado com a Globo. Bolsonaro teve uma reunião com os herdeiros de Roberto Marinho onde, aparentemente, foi selado o pacto para o segundo turno.
As três entrevistas da Globonews, com Katia Abreu, vice de Ciro Gomes, Fernando Haddad e o general Hamilton Mourão, foram a prova definitiva do acordo.
Com Haddad, pressão total, com os entrevistadores fazendo questão, em todos os momentos, de enquadrá-lo no estereótipo do petista clássico, justamente para enfraquece-lo junto ao centro, que o vê como administrador racional e inclinado a pactos de governabilidade. É só anotar a quantidade de vezes, na sabatina da Globonews, em que foi invocado o adjetivo “petismo”, para cravar o estereótipo na testa de Haddad,  ou a maneira como se tentava mudar de tema cada vez que Haddad demonstrava seu estilo de gestão responsável. Como na inacreditável cena em que ele mostra que a Prefeitura de São Paulo recebeu o grau de investimento das agências de risco, e Mirian Leitão tenta mudar de assunto alegando que se estava discutindo “política econômica”. Grau de investimento é o Santo Graal do mercado.
No caso de Katia Abreu, Mirian recorreu ao padrão tatibitate de seu colega Luis Roberto Barroso, dividindo os agricultores entre os “do bem” – que respeitam o meio ambiente – e os “do mal”, representados por Katia Abreu. Nos dois episódios, levou invertida, mas revelou a nova estratégia da Globo.
Ontem, pelo contrário, os entrevistadores implacáveis montaram um convescote, levantando sucessivamente a bola para que o general pudesse mostrar a face racional e humana do bolsonarismo.
Cena 3 – a reconstrução da imagem de Bolsonaro
A entrevista e o suposto atentado a Bolsonaro deixaram evidentes a estratégia de reconstrução da imagem do candidato, com vistas ao segundo turno. Será apresentado como o impulsivo boa-gente, cujas declarações mais chocantes são apenas um reflexo da informalidade. E, por trás dele, haverá duas forças racionalizadoras: na parte econômica, Paulo Guedes, na parte institucional as Forças Armadas, tendo como representante oficial o general Mourão que, no final da entrevista à Globonews, se declarou um telespectador e seguidor fiel das lições diárias da emissora.
A facada em Bolsonaro caiu como uma luva nessa estratégia. As próprias declarações do candidato – “nunca fiz mal a ninguém” – demonstram essa estratégia de vitimização, apresentando-o apenas como um boquirroto do bem.
Alguns fatos chamam atenção:
1. Quatro advogados imediatamente assumiram a defesa do agressor. É evidente a intenção de criar uma blindagem. Quem os banca?
2. A investigação ficará a cargo da Polícia Federal de Minas Gerais, a mais partidarizada, depois do Paraná. É a mesma PF que alimentou durante um ano a imprensa com denúncias contra o governador Fernando Pimentel, tomando por base apenas uma delação permanentemente requentada. Como dois e dois são quatro, nos próximos dias serão levantadas supostas ligações do acusado com organizações de esquerda.
3. O Facebook do agressor, com postagens recentes contra Bolsonaro. E sua insistência em explicar a agressão pelo seu perfil no Facebook. É como se as postagens tivessem sido colocadas apenas como álibi para o ataque.
4. As declarações iniciais do filho de Bolsonaro, de que os ferimentos foram superficiais, porque o pai estava protegido por coletes.
Por enquanto, são apenas indícios, mas que merecem ser aprofundados.
Cena 4 – o que seria um governo Bolsonaro
Não é preciso nenhum talento especial para imaginar o que seria um futuro governo Bolsonaro.
Nele, haveria a reconstrução do pacto de 1964 – Forças Armadas, sistema Globo, arrastando consigo o Partido do Judiciário e Partido do Ministério Público-Lava Jato. O fator de união será o combate ao inimigo-comum. O país será cada mais dividido entre o Tico “do bem” e o Teco “do mal”, como Luis Roberto “só faço o bem” Barroso, e a Globonews “só defendo o bem contra o mal”.
Ao primeiro sinal de impasse com o Congresso, a estratégia óbvia já está montada. A Globo criará midiaticamente o clima de caos, como fez em vários momentos com Brizola – superestimando arrastões de praia – ou na própria campanha do impeachment. E esse clima servirá de álibi para a presidência invocar a Lei de Segurança Nacional e convocar as Forças Armadas. Quem os enfrentaria? O Supremo Tribunal Federal? A Procuradora Geral da República? O Congresso?
Chegou-se a esse estágio de barbárie justamente devido à falta de coragem dos poderes em relação a um movimento ainda com face indeterminada. São esses valentes que enfrentarão o poder armado?
É sintomático a descrição do G1 sobre o momento mais tenso da entrevista, quando Mourão trata o coronel Brilhante Ustra como herói militar:
"Meus heróis não morreram de overdose, e Carlos Alberto Brilhante Ustra foi meu comandante quando era tenente em São Leopoldo. Um homem de coragem, um homem de determinação e que me ensinou muita coisa. Tem gente que gosta de Carlos Marighella, um assassino, terrorista. Houve uma guerra [no regime militar]. Excessos foram cometidos? Excessos foram cometidos. Heróis matam". Diante da resposta, houve silêncio dos jornalistas”.
A partir dali, submissão total ao entrevistado, mesmo estando na banca um ex-guerrilheiro, Fernando Gabeira, e uma ex-torturada, Mirian Leitão. Nem a menção a Ustra alterou os olhares apaixonados de Gabeira às declarações de Mourão, e as declarações amistosas de Mourão em direção a Gabeira.
Dentro da “legalidade”, haverá liberdade total de retaliação dos procuradores ligados ao MBL e da Polícia Federal contra os recalcitrantes, incluindo até colegas – fenômeno que já ocorre hoje em dia, em todos os níveis, ante o silêncio dos grupos de mídia.
Se terá o ápice da ditadura legalizada, com os jovens turcos tendo o respaldo oficial das Forças Armadas. Fora da “legalidade”, a participação ativa de grupos paramilitares, estimulados pela caça aos inimigos.
Cena 5 – civilização x barbárie
Para combater a radicalização, a estratégia de Haddad deverá ser em duas frentes. Externamente, a de continuar propondo o diálogo, de se mostrar a alternativa civilizatória contra a barbárie e, cada vez mais, disputar o centro racional. Internamente, isolar os provocadores.
É tradição dos grupos de direita recorrer aos agentes infiltrados - utilizado não apenas em 1964, mas nas manifestações contra a globalização em Seattle. Os Cabos Anselmos visam não apenas construir álibis para a repressão, mas, ao mesmo tempo, atrapalhar as tentativas de criação de consenso contra a radicalização.
Será uma batalha épica em que estará em jogo o futuro do país. Esse será o maior estímulo à resistência democrática até 7 de outubro, quando ocorrem as eleições do primeiro turno, e 28 de outubro, quando se vota no segundo turno.
GGN

GLOBONEWS E A MISÉRIA DO JORNALISMO, POR LUIS NASSIF

A entrevista de Fernando Haddad à bancada da Globonews é reveladora de um dos vícios mais entranhados no jornalismo brasileiro: a incapacidade dos entrevistadores de analisar realidades complexas.
Eles fazem um tipo de pergunta padrão e esperam uma resposta padrão para a qual já tem engatilhada uma tréplica padrão. Quando o entrevistado sofistica um pouco a análise e inclui outros elementos na resposta, provoca um curto-circuito nas cabeças dos entrevistadores. E eles não sossegam enquanto não receber a resposta padrão, para poderem rebater com a tréplica padrão.
Foram inúmeros os casos.
O mais insistente foi a história da autocrítica dos erros econômicos de Dilma Rousseff. Haddad admitiu os erros, enumerou-os e procurou situá-los no tempo. Analisou o período PT como um todo, para depois chegar aos erros. Ou seja, admitiu os erros. Mas alegou que só os erros, por si, não explicariam a queda do PIB, que houve um componente político relevante, no boicote conduzido por Aécio Neves e Eduardo Cunha. Ora, seria o gancho para uma belíssima discussão, muito mais rica, muito mais complexa. Mas os entrevistados não aceitavam.
- Quer dizer que o PT não admite os erros? A culpa sempre é dos outros? Como vamos acreditar que agora será diferente?
E não adiantava Haddad explicar os acertos dos dois governos Lula e dos dois primeiros anos do governo Dilma, e os erros posteriores de Dilma, para demonstrar que o erro não é componente intrínseco da política econômica do partido.
A mesma coisa quando confrontado com as propostas da campanha de Lula – coordenadas por ele -, com os entrevistadores pretendendo enquadrá-las na tal matriz econômica do último período Dilma. Ou quando tentaram levantar o fantasma do tal mercado contra as ideias de Haddad, que rebateu com uma reportagem da Reuters, publicada no The New York Times, com CEOs de grandes empresas elogiando suas propostas.
Haddad levantou, em sua defesa, o tratamento das contas da prefeitura de São Paulo, que, no seu mandato, obteve o grau de investimento.
- Estamos discutindo política econômica, rebateu o entrevistador de uma resposta só.
Haddad teve que explicar que grau de investimento e contas fiscais são política econômica. E elas falam mais por ele do que qualquer carta aos brasileiros.
Todos os bordões foram levantados, inclusive a criminalização da política de campeões nacionais, ou os aportes de recursos ao BNDES. Em vez da discussão conceitual sobre a oportunidade ou não de se ter campeões nacionais, em vez de levar em conta a resposta de Haddad, de que os investimentos em campeões nacionais ajudaram a gerar empregos e melhorar o perfil das exportações brasileiras, limitavam-se ao branco-e-preto que difundiram nos últimos anos: toda política industrial é criminosa, e tudo o que o BNDES faz é criminoso.
Em nenhum momento questionaram as afirmações de Haddad de que a matriz econômica, defendida pela Globonews e implementada pela equipe de Temer, não entregou o prometido. Quando chegava nesse ponto, mudava-se o tema.
Nem rebaterem sua afirmação de que os principais delatores da Lava Jato estão soltos e gozando a vida em liberdade. Limitavam-se aos grandes agregados – Lula foi condenado por um juiz de 1a instância, um colegiado em 2ª instância e prisão mantida por um colegiado do STF, que não analisou o mérito das acusações.
Fosse menos diplomático, Haddad poderia lembrar que todos eles foram estimulados pelo clamor das ruas, do qual o principal combustível é a cobertura enviesada da Globo.
 GGN

domingo, 1 de julho de 2018

LAVA JATO AO PERSEGUIR LULA, ENCONTRA ROBERTO D’AVILA, ASTRO DA GLOBO. Por Joaquim de Carvalho

Roberto D’Avilla
Foi no programa de Roberto D’Ávila, da Globonews, que Edson Fachin disse que estava sendo ameaçado. Não apresentou provas nem citou nomes. Apenas jogou a suspeita no ar, e insinuou que as ameaças estariam partindo de quem estaria insatisfeito com suas decisões na Lava Jato.
O que o público não sabe é que Fachin, naquela entrevista, estava diante de um nome alcançado pela operação conduzida pela Polícia Federal, operação que tem em Sergio Moro o líder de fato e em Fachin, seu convalidador.
D’Avilla foi dono da Intervídeo, a produtora que um delator da Lava Jato diz ter usado para dissimular o patrocínio do Grupo Schahin para o filme “Lula, o filho do Brasil”.
Temendo o indiciamento do apresentador da Globonews por falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, seus advogados encaminharam ao delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pace, no dia 22 de junho, um ofício em que requerem (sic) a exclusão de D’Avilla do inquérito e, entre as razões expostas, dizem que, se indicado, o jornalista terá sua “morte civil” decretada. Lembram:
“O Sr. Roberto D’Avilla é jornalista de renome nacional e internacional, com mais de 42 (quarenta e dois) anos de carreira na área, gozando de enorme reconhecimento, constituindo-se em um dos decanos dos entrevistadores brasileiros e, atualmente, conduzindo e protagonizando um programa intitulado por seu nome no canal Globonews — tamanha é a sua credibilidade e respeitabilidade no meio”.
Os advogados dizem também que ele “não deve continuar a sofrer a sombra da persecução penal injusta”, pois “sua biografia, que se confunde com a própria imagem e a excelência de sua atuação profissional, depende diretamente de seu prestígio e confiabilidade.”
Por muito menos do que é atribuído a D’Avila, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o juiz Sergio Moro mandaram para a cadeia — ou conduziram coercitivamente — pessoas citadas na Lava Jato. Mas, no que diz respeito a D’Avila, os fatos foram mantidos em sigilo. Não houve vazamento.
D’Avila passou a ser, efetivamente, investigado quando Milton Schahin, um dos donos do Grupo Schahin, formalizou o termo de colaboração premiada com a força-tarefa coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol.
Schahin disse que, em 2009, quando foi produzido o filme sobre a biografia de Lula, ele esteve num encontro a sós com Roberto D’Avila para definir como poderia colaborar com R$ 1 milhão de reais para a produção do filme, sem que seu nome aparecesse nos créditos da obra.
Depois disso, foi celebrado contrato entre a empresa de D’Avila e o grupo Schahin, para a produção de um vídeo institucional. O dinheiro foi repassado, a empresa de D’Avila enviou as faturas, com nota fiscal, só que o vídeo objeto do contrato nunca foi feito.
E nem era para ser feito, segundo Shahin. De acordo com ele, o envolvimento de D’Avila no caso se deu por iniciativa do ex-ministro Antônio Palocci, na época deputado federal.
No depoimento de colaboração, ele disse que foi procurado por Palocci e pressionado a colaborar com o filme. De acordo com o empresário, esta era uma das condições para renovar contrato de Schahin com a Petrobras.
Depois disso é que D’Avila teria entrado em contato e acertado como ele poderia colaborar com o filme sem que o nome aparecesse.
O apresentador da Globonews prestou depoimento à Polícia Federal e negou que tenha se encontrado a sós com Shahin, mas admitiu que o vídeo não foi feito, por desistência de Schahin. Mas o dinheiro repassado aos produtores do filme.
Nos argumentos apresentados para exclusão de D’Avila do inquérito, os advogados lembram que o contrato diz respeito a duas empresas privadas e, portanto, não poderia ser relacionado direta ou indiretamente a um caso de corrupção.
Se ele não prestou serviços pelos quais a empresa recebeu, isso diria respeito apenas às partes. Sobre a delação de Schahin, afirma que ela deveria ser desconsiderada, já que a delação sem provas não serve para fundamentar indiciamento ou acusação.
Por mais que os advogados critiquem, e é um direito deles, além de existirem razões para criticar o ambiente de caça às bruxas criado pela Lava Jato, não se discute a pertinência da investigação.
O ironia dessa história é que, como no caso do triplex do Guarujá, a Lava Jato queria encontrar algo que derrubasse Lula, mas acabaram encontrando documentos que comprometiam a filha de João Roberto Marinho, um dos donos do Grupo Globo, que mantém a Globonews.
Algumas unidades do condomínio tinham sido compradas por empresas de paraíso fiscal, abertas pelo escritório Mossack Fonseca, do Panamá Papers.
Os investigadores perseguiram a pista da Mossack, talvez imaginando que encontrariam Lula ou alguém da família, mas encontraram Paula Marinho, filha de João Roberto, inclusive manuscrito supostamente dela indicando como pagaria pela offshores que é formalmente proprietária de outro triplex, este ilegal, construído na área de proteção da natureza em Paraty.
A investigação foi abortada, os responsáveis pela Mossack no Brasil, soltos, mas Lula continuou na mira da Lava Jato até o desfecho do que poderia ser um roteiro de um filme sobre conspiração: a prisão do ex-presidente.
Desta vez, com o filme “Lula, o filho do Brasil”, a Polícia Federal mais uma vez buscou Lula e encontrou D’Avila, na ponta de uma trama que, segundo o delator Shahin, foi construída por Palocci.
Sobre o filme, não é verossímil imaginar que um presidente com mais de 80% de aprovação popular precisasse recorrer a expedientes escusos para viabilizar a produção.
Num jargão da comunicação, Lula é um excelente produto, sua imagem vende.
Schahin não querer aparecer nos créditos dos filmes é natural para um grupo que mantém relacionamento com governos de todos os partidos.
Se aparece prestigiando um presidente filiado ao PT, pode ter problemas com um governador do PSDB. Isso é do jogo.
O estranho nesta história é o papel da Intervídeo.
Se fosse uma produtora de alguém sem a fama e o prestígio de D’Avila, como justificar o pagamento de R$ 1 milhão (em valores da época) para a produção de um vídeo institucional?
O contrato parece ter sido de fachada, uma operação da mesma natureza dos patrocínios angariados pelo publicitário Marcos Valério em Minas Gerais, com o governo de Eduardo Azeredo, na origem de todos os mensalões.
A Polícia Federal ainda não decidiu se indicia ou não Roberto D’Avila, mas permanece com o inquérito guardado, longe de vazamentos.
Os lavajateiros têm um problema na mão: queriam pegar Lula, mas encontraram um astro da Globo.
Do DCM

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O dia em que André Lara descobriu os cabeças de planilha, por Luis Nassif

Finalmente, no livro "Juros, moeda e ortodoxia: Teorias monetárias e controvérsias políticas -  André Lara Rezende - um dos dois pais do Real - descobriu os cabeças de planilha, a imensa legião de economistas que, armados de slogans e planilhas, sem conhecimento de história, de política, até dos princípios fundamentais de uma economia liberalado.

Ao seu conhecimento e criatividade na política monetária - que resultou na fórmula engenhosa do Real -, o companheiro André inclui agora condimentos de história econômica, preocupações com os impactos políticos das medidas monetárias e outros elementos essenciais nas formulações econômicas, deixando de lado os bordões simplistas com os quais eles, os economistas do Real, conquistaram o jornalismo econômico, abandonado veleidades de análise de realidades complexas.

Não é à toa as expressões de surpresa de Mirian Leitão, na entrevista feita na Globonews. André só faltou falar em problemas estruturais da economia (bordão dos desenvolvimentistas), ao lado dos problemas institucionais (bordão dos liberais), para um certo pensamento econômico que só sabe seguir o manual de frases feitas: se a inflação sobe, é porque os juros estão altos; se o dólar cai, é porque a reforma da Previdência vai ser aprovada; se sobe, é porque não se sabe se a reforma da Previdência será aprovada.

Quando juntar as duas pontas, se terá, finalmente, um diagnóstico preciso de país, por enquanto nublado por uma polarização fundamentalmente emburrecedora. E André poderá ser alçado ao restrito panteão dos grandes pensadores econômicos, ocupado hoje exclusivamente por Delfim Neto.

Há uma lógica no livro.

Inicialmente, aceita as principais críticas feitas às extravagâncias desse modelo, implantado no Real e aprofundado com as metas inflacionárias introduzidas em 2002.

Essas críticas estão sintetizadas no capítulo “Juros”, do meu livro “O Jornalismo dos Anos 90”, e em “Os Cabeças de Planilha”. Neles, coloco os principais artigos que escrevi nos pós-Real, incluindo a polêmica que travei com o próprio André em 1995.

As principais críticas são justamente sobre a incapacidade de olhar a realidade, de analisar as correlações na economia, as relações básicas de causa e efeito, ou de custo-benefício.

Depois, tenta definir uma nova linha retórica de defesa do que ele chama de “liberalismo ilustrado”, em contraposição ao liberalismo iletrado que dominou o discurso do mercado e da mídia nas últimas décadas.

No fundo, André tenta livrar o neoliberalismo matematizado das principais críticas sofridas e formular uma nova crítica ao desenvolvimentismo, em bases um pouco mais complexas.

Neste artigo, vou analisar os dois primeiros capítulos do livro de André: a Introdução e o capítulo em que analisa a disputa Roberto Simonsen x Eduardo Gudin, pegando as principais conclusões que ele apresenta e remontar as peças em um novo quebra-cabeças.

(As Posições, a que me refiro no artigo, são aquelas que constam na leitura do livro pelo Kindle, da Amazon).

Peça 1 – o custo excessivo de políticas anti-inflacionárias monetárias

O ponto central de sua tese é uma análise custo-benefício banal, mas que foi escondida essas décadas todas por uma cobertura midiática primária e de curto prazo: a de que os custos de uma política de estabilização, baseada em juros, foi imensamente superior aos benefícios de uma inflação controlada.

Mais do que os custos fiscais, econômicos e sociais de curto prazo, André aponta para o custo político do longo prazo, a desmoralização das teses neoliberais pelos estragos cometidos.

A raiz dos equívocos das políticas monetárias, segundo ele, está no que ele chama de "apego à materialidade da moeda", a ideia de que a moeda sempre deverá estar lastreada e conversível a algum que tivesse valor intrínseco, como o ouro, em outras épocas.

Na Introdução, na Posição 112, André endossa a maior crítica feita aos cabeças-de-planilha:

"A excessiva pretensão de mimetizar as ciências exatas levou-a a um beco sem saída, a uma excessiva formalização estéril, deixando os policy-makers, sobretudo os Bancos Centrais que nunca tiveram tanto poder e tanta responsabilidade, sem mapas conceituais".

Só foi possível chegar a essas conclusões quando abandonou o padrão fim-da-história do mercado e mergulhou na histórica econômica brasileira.

Peça 2 - os limites políticos das políticas econômicas

Mostra como a política econômica tem que sempre considerar os limites impostos pela realidade, sob pena de fazer naufragar o próprio governo.

Primeiro, recorre ao marketing do mercado, informando que, no governo Café Filho, Eugênio Gudin montou um “dream team” na Economia, composto pelo presidente da Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito) Octávio Gouvêa de Bulhões e pelo banqueiro Clemente Mariani na presidência do Banco do Brasil.

Depois, admite que o “dream team” marcou um belíssimo gol contra, ao implantar uma política monetária tão restritiva que provocou uma crise bancária e um festival de inadimplência, praticamente inviabilizando o governo Café Filho e comprometendo por década e meia o discurso monetarista-liberal.

Aliás, foi essa falta de jeito de Bulhões com o mundo real que levou à quebra do Banco Nacional Imobiliário de Roxo Loureiro, que tinha o velho Otávio Frias de Oliveira como sócio minoritário.

Nesse ponto, André quase chega ao cerne da questão.

Não se pode analisar teorias econômicas despregadas da realidade política. Se determinada política é inviável politicamente, ou seja, provoca tal tipo de reação que inviabiliza o próprio governo que a implementou, obviamente está errada. Durante muito tempo, os cabeças de planilha se esconderam no álibi de que a realidade é que estava errada.

Anote bem esta peça, que é central para demonstrar o que André ainda não descobriu: o que define o resultado político não é apenas a maior ou menor gradação dos sacrifícios impostos ao país, mas o conjunto de forças que sustenta o projeto.

Peça 3 – o modelo de desenvolvimento de Gudin

Diz que, ao contrário do que se propaga, Gudin concordava com Simonsen na importância do desenvolvimento, do combate à miséria, da industrialização. Apenas discordava da maneira de se proceder a isso.

Seu receituário era:

A modernização institucional

O modelo de Gudin contemplava um conjunto reformas.

“Sustentava que o crescimento econômico advinha do ganho de produtividade, que requereria investimento em capital, em tecnologia e na educação da força de trabalho, num processo que só era capaz de se renovar e de se sustentar numa economia aberta, onde há competição”.

A poupança interna

Na Posição 216, sustenta que Simonsen desconsiderava integralmente a questão das fontes internas de poupança. Contava apenas com empréstimos oficiais de governo a governo.

Na Posição 221, garante que

"substituiu-se a necessidade de criação de poupança interna por um ingênuo e irreal otimismo quanto à viabilidade de utilização de créditos externos, que viriam a provocar crises recorrentes de balanço de pagamentos na segunda metade do século XX”.

Na Posição 223 garante que

"a dependência da poupança externa e os persistentes déficits com o exterior não eram, entretanto, o que preocupava Simonsen, quando sugeria também barreiras alfandegárias. Estas, eufemisticamente chamadas de normas de política comercial, eram necessárias para “assegurar o êxito dos cometimentos previstos”, ou seja, impedir que a competição externa inviabilizasse o esforço de industrialização estatal.

Segundo André:

“(Gudin) argumenta que não há como crescer sem investir e que para investir é preciso criar poupança, mas que, por sua vez, a geração de poupança esbarra na pobreza e no baixíssimo nível de consumo da grande maioria da população, criando assim um círculo vicioso. Para que esse círculo fosse rompido, seria preciso contar com a poupança e com o investimento estrangeiros, que requereriam a garantia legal e institucional de um tratamento não discriminatório”.

O Estado necessário

Segundo André, Gudin nunca foi a favor do Estado mínimo, mas do Estado necessário. Ou seja, um Estado institucionalmente forte que regulasse o mercado, criando condições de competição que jamais seriam alcançadas se se deixasse tudo ao sabor do livre mercado.

Sem dúvida. O que o diferencia fundamentalmente dos ortodoxos do período dos cabeças de planilha atuais.

Diz ele, na Posição 255, que Gudin

“Demonstrava compreender que o mercado competitivo é uma concepção abstrata e artificial, um ideal-tipo, que deveria ser utilizado para pautar a legislação e as instituições. Recomendava que se criassem instituições para evitar todo tipo de abuso econômico que pudesse afastar a economia do ideal competitivo”.

E sempre apostou no papel exclusivo da iniciativa privada para o crescimento do país, com o Estado limitando-se ao seu papel institucional

 “Onde, porém, a divergência deixa de ser em parte terminológica para atingir os fundamentos de política econômica, é quando o ilustre relator proclama a impossibilidade de acelerar a expansão da renda nacional com a simples iniciativa privada”.

A industrialização e a produtividade
André explica que Gudin era a favor, sim, da industrialização. Não considerava que o país tivesse riquezas naturais suficientes, como a Argentina, para abrir mão da indústria.

Na Posição 364, cita trechos de Gudin, em que admite que

“Na resposta à réplica de Simonsen, Gudin é ainda mais direto: “Eu não faço nem nunca fiz guerra à indústria nacional. Num país montanhoso, com terras pobres de húmus e ricas de erosão, seria um contrassenso não nos industrializarmos”. Não é possível ser mais claro”.

O ponto central do pensamento de Gudin era a importância da produtividade. Por isso, a industrialização e o crescimento exigiam a criação das condições básicas para o aumento do investimento e da produtividade.

Indústria que não tivesse, de pronto, índices competitivos de produtividade, não poderia se instalar.

A crítica ao ponto central

Diz André

Infelizmente, tanto para ele como para o país, Gudin não sabia que a teoria monetária com que trabalhava era profundamente inadequada aos processos inflacionários crônicos, como já era o caso da inflação no Brasil no início dos anos 1950.

Ou seja. Gudin era a favor da industrialização, do combate à miséria, do crescimento, da imortalidade da alma, das virtudes da economia, do combate aos vícios. Mas a pedra angular de sua estratégia estava errada.

Peça 4 – o que faltou nas análises de André

A questão política

Voltemos ao receituário de Gudin. Ele propunha políticas de estímulo ao capital nacional, mudanças institucionais para investimento em inovação, educação e outros instrumentos de criação de mercados modernos e regulados.

Tudo isso demandava políticas públicas e, é claro, disputas sobre o orçamento público, o grande locus de disputa entre mercado e Nação, cujos recursos eram avidamente disputados pelos grupos hegemônicos – fundamentalmente a cafeicultura paulista e os grupos cariocas aliados comerciais de grupos estrangeiros.

Como entrar nessa guerra, sem dispor dos grupos aliados com suficiente musculatura?

Nos Estados Unidos, durante um bom período do século 19 os industriais da costa do Atlântico ganharam massa crítica e lograram uma política industrialista que garantiu o salto da economia norte-americana. Lutavam contra os interesses do sul rural e dos financistas ingleses aliados dos financistas norte-americanos. O mesmo ocorreu na Alemanha, França, Japão e o próprio Estados Unidos, na 2a revolução industrial.

A grande dificuldade na industrialização alemã foi, durante muito tempo, o fato dos interesses britânicos serem muito mais influentes, internamente, do que os da indústria alemã. Cooptavam intelectuais, economistas, advogados.

Cria-se um círculo vicioso, o velho paradoxo do ovo e da galinha: só se consegue criar um ambiente interno adequado ao desenvolvimento industrial quando se tem uma indústria capaz de influenciar na criação do ambiente interno. E sem uma indústria capaz de influenciar na criação do ambiente interno, a política econômica sempre será capturada por outros interesses hegemônicos, fundamentalmente os setores primários e os grandes capitais. E não será o poder da vontade de um grupo de iluminados que processará a mudança.

Essas mudanças ocorrem em momentos raros na história de um país, quase sempre impulsionadas pelo Sr. Crise, emérito estadista, sobre quem falaremos mais adiante.

A defesa da industrialização

Gudin e Roberto Campos tinham propostas, sim, de compensar a falta de competitividade da economia brasileira. Mas, ou André não aprofundou ainda seus estudos da história econômica do período, ou não quis investir mais ainda sobre os dogmas consagrados dos liberais iletrados.

A proposta defendida era substituir o sistema de taxas múltiplas de câmbio (criadas por Oswaldo Aranha para controlar as importações) por uma unificação do câmbio e por um sistema de tarifas de importação. Mas, com as mudanças acompanhadas por uma grande desvalorização cambial.

Campos percebeu no início dos anos 50 que a Coreia iria se transformar em uma potência industrial, puxada pela desvalorização da sua moeda. Essa desvalorização abriria espaço para as exportações e, à medida que se consolidasse o novo setor, ele seria o agente das mudanças, dos investimentos em educação, inovação.

E, depois, no interregno Café Filho e no governo JK. Assessorados por técnicos do calibre de Bulhões, Casemiro Dias Ribeiro e Roberto Campos, e por especialistas internacionais, tentaram a unificação cambial acompanhada de uma desvalorização.

Em ambos os casos não conseguiram justamente porque não havia massa crítica, na indústria de máquinas e equipamentos, para avalizar a proposta. Café e JK refugaram com medo que a inflação acelerasse e foram pressionados por industriais que dependiam da importação de máquinas e equipamentos.

Posteriormente, no governo Jânio Quadros, Bulhões desconsiderou novamente as limitações políticas e conseguiu emplacar a Instrução 204 da Sumoc liberalizando o câmbio. Foi um dos fatores da perda de popularidade de Jânio e de sua posterior renúncia.

O livre fluxo de capitais

Outro dos dogmas não abordados por André é a questão do livre fluxo de capitais.

O Brasil já tinha um amplo histórico dos estragos promovidos pela abertura indiscriminada ao capital estrangeiro, na semi-estagnação do início do século 20. A cada movimento de apreciação do cruzeiro, havia uma devastação no parque industrial incipiente.

Na era Gudin-Bulhões-Campos o país estava suficientemente escaldado. É só conferir a posição do Ministro Souza Costa nas discussões que precederam o Tratado de Bretton Woods, radicalmente a favor de modelos que controlassem os fluxos internacionais de capital.

A livre circulação faz com que os capitais busquem os países que ofereçam melhor rentabilidade. E analisem oportunidades imediatas. No início do século, a entrada e saída de libras provocava verdadeiros terremotos no tecido econômico, matando empresas.

Sem condições iniciais de competitividade com os países centrais, havia a necessidade de remunerar o capital (mesmo o produtivo) com taxas irrealmente elevadas, arrebentando com as contas públicas - da mesma maneira que as políticas monetárias recentes, alvos do livro de André.

André enfatiza em vários momentos a análise fria da competitividade como balizamento das políticas econômicas. Como analisaria a diferença rotunda de rentabilidade dos investimentos ingleses em ferrovias na Europa e no Brasil?

A remuneração do capital inglês nas ferrovias brasileiras era imensamente superior ao custo de oportunidade na Inglaterra ou na Europa. E simplesmente porque, em parceria com capitais paulistas, tinha enorme influência na definição das políticas públicas do Império.

Por isso, o país só conseguia avançar em períodos de crise. A industrialização dos anos 30 deu-se pela moratória que Vargas teve que enfrentar no início da década. Sem alternativas, foi obrigado a impedir o livre fluxo de capitais. E foi isso que obrigou o capital-gafanhoto a descer à terra, ajudando no financiamento inicial do parque industrial paulista e criando alguma massa crítica para as bandeiras de industrialização.

O Estado e as fontes internas de financiamento

Como se viu, Gudin, apud André, criticava o modelo brasileiro de buscar financiamento em instituições multilaterais e países, ao invés de incentivar a poupança interna. E critica o fato do Estado brasileiro ter entrado de cabeça na economia.

Diz ele, na Posição 385:
 “A participação do Estado afugenta o capital privado, pelo justo receio da forçosa preponderância que o Estado exercerá na administração da empresa e na escolha de seus dirigentes, feita, em regra, sob critérios políticos”.

Vamos conferir o que acontecia no mundo real.

O maior investimento estatal do período foi a criação da Petrobras.

Já está no prelo a biografia que escrevi sobre o maior capitalista brasileiro do período, Walther Moreira Salles, o banqueiro que melhor sabia arregimentar capitais internos para projetos nacionais.

No período em que convivi com ele, início dos anos 90, o economista Paulo Guedes soltou a máxima: o Brasil se estrepou quando criou a Petrobras com capitais públicos e não privados. Indaguei do embaixador o que achava disso. E ele:

- Bobagem! Não havia capital privado suficiente na época.

Ora, Vargas tinha seus capitalistas, os Kablin, os Matarazzo, Moreira Salles, os Jafet. Havia uma simbiose política ampla, a ponto dos Klabin terem entrado na indústria de base graças às contrapartidas que Vargas conseguiu dos Estados Unidos, em um dos acordos firmados com financiamentos governo a governo (condenado por Gudin).

Se houvesse capital suficiente para bancar a criação da Petrobras, teriam batalhado por isso.

No entanto, a capitalização da Petrobras exigiu um enorme malabarismo fiscal, em uma noite em Petrópolis, com a participação de vários desses industriais, como Wolf Klabin. Venceu a proposta de Glycon de Paiva – intimamente ligado ao grupo da ortodoxia econômica - de instituir uma contribuição a ser paga por todas as prefeituras do país. Simplesmente porque não havia capital privado suficiente para bancar a aventura.

Ou seja, a própria linha de frente da indústria brasileira da época entendeu a necessidade de o Estado entrar na economia.

Na época, as tentativas de criar siderurgia privada fracassaram, como foi o caso da siderúrgica de Ricardo Jafet.

Não se minimizem os problemas decorrentes da subordinação de estatais a interesses políticos. Mas não lhes tire a importância central na alavancagem da economia brasileira.

O financiamento e o investimento externos

Voltemos ao primado da política e da economia e às propostas de Gudin de estímulo total aos investimentos externos.

Uma das razões da crise do balanço de pagamentos do início dos anos 50 foi justamente o tratamento escandalosamente brando dado ao capital estrangeiro no período Dutra, quando o “dream team” se aquecia para entrar em campo.

A agenda inicial do governo Dutra propunha (https://goo.gl/XBBwMQ)

(1) restringir os “lucros extraordinários” que, alegava-se, industriais locais gozavam com a inflação às custas de consumidores e sob proteção estatal; ao mesmo tempo, (2) forçá-los a modernizar-se para atender o mercado interno, em condições de menor escassez de divisas e maior concorrência e e (3) o controle do financiamento externo pelo Estado, canalizado de governo a governo, afastaria os capitais privados estrangeiros receosos de rígidos controles sobre suas atividades,

O que aconteceu na prática:

Permitiu-se às empresas estrangeiras remeter dinheiro para a matriz com base no seu balanço. Elas tomavam empréstimos no Banco do Brasil, em cruzeiros, aumentavam artificialmente seu capital e, com base no capital ampliado, aumentavam as transferências de dólares para as matrizes. E tudo isso porque ficaram politicamente influentes no governo ultraliberal de Dutra.

Deu para entender as ligações entre poder econômico, poder político e política econômica?

O Estado deu ampla liberdade às multinacionais. Com essa ampla liberdade, elas criaram redes de relações políticas e econômicas. Com o novo poder que passaram a dispor geraram distorções de monta que jogaram a economia em crise obrigando o Estado, por falta de alternativas, a restringir novamente seu poder.

Os empréstimos governo a governo garantiram a criação de grupos nacionais relevantes, como os Klabin. A abertura indiscriminada da economia garantiu uma baita crise cambial. Como André explica esse paradoxo no pensamento de Gudin?

Ora, a grande razão para a política comercial e cambial restritiva, especialmente após o governo “liberal” de Dutra dizimar as reservas cambiais brasileiras, era o estrangulamento das contas externas. A proteção à indústria nacional foi subproduto.

O crescimento demandava importações. As importações pressionavam as contas externas, que eram sangradas pela remessa de lucros e dividendos, exigindo que o país recorresse a sucessivas renegociações da dívida externa. Era a falta de indústria que promovia os desequilíbrios externos, não o excesso de proteção.

Os empréstimos institucionais (FMI, Eximbank dos EUA) eram decorrentes das necessidades brasileiras de fechar as contas, não de opção estratégica. E foram muito importantes para suprir as fontes privadas. Até o segundo governo Vargas, o financiamento externo era fundamentalmente comercial, bancado pelas empresas exportadores norte-americanas e europeias.

Gudin e o Estado necessário
O ambiente econômico proposto por Gudin pressupunha competição, tanto interna quanto externa. Criticava o excessivo protecionismo alfandegário e o subsídio a empresas ineficientes.

André não consegue se desvencilhar do paradoxo do ovo e da galinha. Como ter uma economia aberta, com competição, antes de se ter uma economia competitiva? Como ter uma economia competitiva abrindo-se a economia antes das empresas nacionais terem condições de competir com as estrangeiras?

É tudo uma questão de gradação. Há a necessidade de proteção inteligente às empresas infantes. Antes de se ter um ambiente economicamente competitivo, a defesa contra as importações foi relevante para atrair multinacionais a instalar suas fábricas por aqui.

Evidentemente há o risco da proteção excessiva.

Mas André, que pretende exorcizar as simplificações econômicas, a dicotomia simplória entre esquerda e direita, é incapaz de navegar nesses mares da relatividade. Quais os limites dessa proteção? Quais as ferramentas institucionais para impedir a perpetuação dos benefícios?

E, passando a ser um defensor da subordinação da teoria à realidade, não consegue explicar como Campos, o mais ardente defensor da iniciativa privada, foi peça central em duas intervenções essenciais do Estado brasileiro: a criação do BNDES e a estatização da Light, quando percebeu, nos anos 70, que não a empresa era estrategicamente relevante, não havia interesse dos controladores estrangeiros em investir nem capacidade do capital nacional de assumir.

A impossibilidade de crescer com inflação
Na Posição 297 André destaca a afirmação de Gudin sobre a impossibilidade de crescer com inflação:

A estabilidade da moeda é questão integralmente desconsiderada na proposta de Simonsen, mas condição essencial para o crescimento segundo Gudin, para quem “não há plano econômico possível no regime de desordenada inflação, em que vimos, há tanto tempo, incidindo”.

Ignácio Rangel, um dos mais inovadores economistas brasileiros, com sólido conhecimento sobre a realidade econômica – desenvolvido como técnico do BNDES – enxergou na inflação a maneira dos setores mais dinâmicos da economia se capitalizarem, em detrimento dos setores mais atrasados.

Os desenvolvimentistas cometeram enormes erros de avaliação. Mas nunca viram a inflação como vantagem para fortalecer o Estado. No máximo, viam como uma gambiarra para contornar problemas fiscais.

Rangel, além disso, via a inflação como instrumento de crescimento dos grupos financeiros, quando entendeu que o capitalismo entrava na era da financeirização e o Brasil ainda não possuía bancos com fôlego para se internacionalizarem.

Consagrado, hoje em dia, como um plano vitorioso, o Plano de Metas, de JK, se deu em ambiente inflacionário e, mais do que isso, em desconsideração com princípios comezinhos da responsabilidade fiscal.

Não se vá defender a inflação como instrumento de política econômica. Ela ocorre quando impasses políticos não são resolvidos.  Mas vale o registro, para ver como a economia tem razões que muitas vezes a teoria econômica desconhece.

Ironias à parte, o livro de André é politicamente importante por ajudar a quebrar as barreiras que um ideologismo rasteiro impôs à discussão econômica. E vindo do pensador mais respeitado pelos cabeças de planilha do mercado e da mídia.

André não abre mão do discurso de torcedor, ao caricaturizar posições dos desenvolvimentistas, usando os métodos das caricaturas aos liberais, que ele critica em seu livro. Faz parte: ele escreve para um público de torcedores, intelectualmente limitados como todos os torcedores.

Abre espaço para um movimento oposto: o da crítica aos erros do desenvolvimentismo para poder se chegar a uma síntese que, despidas as simplificações ideológicas, permita se montar um diagnóstico seguro para uma realidade complexa como a brasileira.

GGN

quinta-feira, 18 de maio de 2017

A mídia é uma das principais culpadas pelo Temergate

Foto: Estadão
Quem acompanha a política brasileira nos últimos anos, certamente não ficou surpreso com os fatos revelados sobre o Governo Temer – quem não sabia do esquema do Aécio? – mas se surpreendeu com o fato da mídia os ter divulgado.
  
Afinal, não é difícil imaginar que o presidente do PSDB e o ex-presidente do PMDB fossem capazes de fazer o que e aparentemente fizeram, por diversos fatores:

1) Temer é Cunha e Cunha é Temer, e o ex-presidente da câmara agiu como um verdadeiro mafioso em seu processo de cassação (Fausto Pinato que o diga); 2) Eduardo chantegeou abertamente Michel em perguntas que Sérgio Moro barrou (só chatagea nesse nível quem tem algum trunfo); 3) Aécio tinha relações altamente duvidosas com sua primo “tesoureiro” (como bem recordou Brito mais cedo); 4) Neves foi capaz, não só de perseguir jornalistas mineiros para se blindar, mas também perseguir e torturar Marcos Carone para não atrapalhar suas pretenções eleitorais. Por fim, claro, ambos encabeçaram um Golpe cujo objetivo era “estancar sangria” da Lava-Jato e inventar pedaladas para tomar o poder de uma presidenta democraticamente eleita.

É de se estranhar, portanto, que mesmo com tanta evidência indireta Michel e Aécio detinham tanto poder (a ponto de comandar reformas estruturais mesmo com baixa popularidade), e precisou de provas tão objetivas para escancarar o que já era facilmente abstraído.

Tal fenômeno só teve respaldo por um ponto: a mídia sempre esteve ao lado do governo Temer. Assim, considerá-la como cúmplice das ações ilícitas do alto escalão da base aliada não é nada mais do que justo.

Imaginem só um político que construiu um aeroporto de uso particular, com dinheiro público, na fazenda da família e cuja chave fica em posse de um tio. Pensem, agora, num helicóptero em nome de outro político pego com meia tonelada de pasta base de cocaína. Considerem, também, um presidnete que conduz um achaque a luz do dia para aprovar reformas altamente impopulares, com perdões de dívidas e consessões totalmente fora da realidade fiscal do país.

Sabemos bem que todos esses fatos, gravíssimos, não foram sequer investigados, quiçá esmiuçados, como pedalinhos, um sítio ralé e um triplex. E nessas horas, onde atitudes controversas tiveram total liberdade para acontecer sem as devidas explicações, não há outro sentimento a não ser a dúvida sobre o papel da mídia tradicional em todo essa sujeira que, agora, objetivamente foi colocada as claras.


Talvez a risada de Catanhêde com Temer, ilustrada acima, ajude a resolver esse questionamento: algo do tipo “Tamo junto, presidente!”.

Do Cafezinho

A plutocracia se move com desenvoltura, jornalistas da Globo já defendem abertamente eleições indiretas

Cristiana Lôbo e Valdo Cruz, da GloboNews
Os jornalistas Valdo Cruz e Cristiana Lobo, discípulos de Merval Pereira na GloboNews, batem na tecla de que é preciso respeitar a Constituição e, no caso de renúncia de Michel Temer, a eleição deve ser indireta.

“Não podemos embarcar numa aventura, em soluções milagrosas”, diz Valdo.
Traduzindo: se o povo for chamado a escolher quem deve tirá-lo da crise, pode dar Lula e aí será ruim.

Ruim para quem?

O país foi atirado a uma aventura, depois que o Congresso Nacional, setores do Judiciário, veículos de comunicação como a Globo inviabilizaram o governo legitimamente eleito de Dilma Rousseff.

Para estes, Aécio Neves, ao não reconhecer a derrota para Dilma Rousseff, era a liderança perfeita.

Não se pode esquecer que, em dezembro de 2014, a taxa de desemprego era próxima de 4%, a menor da série histórica, um nível de pleno emprego.

Hoje, depois que Dilma ficou sem condições de governar e decorrido um ano de governo de Michel Temer, a taxa é de quase 14%, recorde de desemprego.

Aécio Neves foi o líder perfeito para quem apostava na crise para incinerar 54 milhões de votos, apontado como o estadista preterido pelo povo.

Agora que caiu a máscara de bom moço de Aécio e se descobriu que Temer, na verdade, age como chefe de quadrilha, o discurso foi adaptado:

“Olha, vamos prestar atenção no diz o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Melo, e também no que está falando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é preciso respeitar a Constituição”, dizem jornalistas como Valdo.

Dizem isso porque lhes falta sinceridade. O que eles gostariam de dizer é: o povo tem que ficar fora dessa decisão.

Que democracia é esta?

Ora, sem eleições diretas e com um Congresso livre para escolher o presidente, em quem os parlamentares deveriam votar?

Os mesmos de sempre.

Os deputados escolheram Eduardo Cunha, depois Rodrigo Maia, para dirigi-los.
O Senado foi de Renan Calheiros, agora é Eunício de Oliveira.

Estes são os líderes maiores do Congresso.

Mas não será isso que acontecerá.

Nas condições políticas atuais, o Congresso pode e deve eleger um nome da sociedade civil.

E como fariam isso?

Pressionados.

Cármen Lúcia ou qualquer outro iluminado só chegaria ao Palácio do Planalto num grande conluio da plutocracia.

É mais fácil conven$er a maioria entre os 594 parlamentares do que um eleitorado de 150 milhões de pessoas.

Mais ou menos o seguinte: este é o nome que nós queremos. Votando nele, conte conosco. Não votando, serão atirados aos leões — serão todos presos.

Este Congresso – o pior (ou melhor, dependendo do ponto de vista) que o dinheiro pode comprar – está mergulhado no esgoto da corrupção aberto por delações como a da Odebrecht.

Portanto, quando os jornalistas da Globo News pedem cautela e invocam nomes como Celso de Melo para legitimar o que dizem, não estão pensando na população em geral, mas na segurança de seus patrões.

Ora, eleição direta também pode ser constitucional, porque a própria Constituição admite sua mudança, constitucionalmente.

Sem consultar o povo, só chegará ao Planalto pela via indireta quem tiver o apoio da plutocracia, que faz movimentar um parlamento refém de seus próprios crimes.

A essas forças econômicas, o presidente eleito indiretamente deverá ser cargo.
Não terminará bem.

No curso normal do parlamento, poderia se esperar Renan Calheiros ou alguém do calibre de Eduardo Cunha.

Estes têm eleitores cativos no Congresso.

Na situação atual, se não for alguém como eles, só quem tiver apoio de quem detém o poder econômico.

Em 1984, o argumento era parecido: não podemos fazer eleição direta agora porque dará Leonel Brizola.

Era este o discurso.

Um grande conchavo da elite elegeu Tancredo Neves pela via indireta – suprema ironia, avô de Andrea e Aécio Neves.

Tancredo morreu antes da posse e assumiu José Sarney.
Os gênios da plutocracia não previam isso.

Deu no que deu.

A Constituição diz que a origem do poder está no povo.
Sem ele, é golpe.

Do DCM