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segunda-feira, 14 de maio de 2018

SER OU NÃO SER – o preço da convicção, LULA LIVRE é a DESISTÊNCIA DO PLEITO, Por Eugênio Aragão

Certa feita uma amiga diplomata foi deslocada a serviço a Kinshasa, na época capital da República do Zaire, governado por Mobutu Sese Seko.
Na fila do passaporte, pôde observar uma cena digna de uma peça de teatro de Eugène Ionesco. Um senhor bem apessoado exibiu o passaporte ao funcionário da imigração. Este, após examiná-lo superficialmente, advertiu: “Senhor, lamento, mas está sem visto!” O dono do passaporte retrucou: “Como não? Claro que tenho visto! Olhe só…”
E tentou lhe tomar o documento para mostrar que tinha o tal visto de entrada. O funcionário, num gesto brusco, impediu o senhor de ver o passaporte. “Não! O senhor está sem visto!” E começava uma discussão sobre existir ou não existir o visto.
Quem assistia à cena logo via que tinha algo de errado, tamanha a convicção de cada um em defender seu ponto de vista, até que o funcionário deu a entender, com seus dedos em pinça numa página do passaporte, que ia rasgá-la.
Para prevenir o descalabro, outro imigrante, mais atrás na fila, certamente com maior experiência na cultura local, gritou: “coloque 100 dólares no passaporte!” Sem pestanejar, o dono do documento tirou o dinheiro da carteira e pediu ao funcionário para retornar-lhe o passaporte. Este, com um sorriso gentil, atendeu-lhe o pedido e o devolveu intacto.
O senhor enfatiotado encartou a nota no passaporte e voltou a exibi-lo ao funcionário que prontamente exclamou, olhando nos olhos do estrangeiro: “Oh… não reparei. Claro! O senhor tem visto!” E, embolsado o dinheiro e carimbado o passaporte, desejou-lhe: “Bem-vindo! Tenha uma boa estada no Zaire!”
Por que conto isto? Porque a situação do Presidente Lula na cadeia da Superintendência Regional da Polícia Federal em Curitiba é muito parecida com a do desavisado viajante no aeroporto de Kinshasa.
Todos sabem-no inocente, mas os representantes do Estado fingem que é culpado, como se à espera de algo. Sabem perfeitamente que não houve crime algum relacionado ao tal triplex do Guarujá, mas, à semelhança do funcionário congolês aguardando o encarte dos 100 dólares no passaporte, aguardam que Lula diga não ser candidato, para exclamarem: “Não reparamos! Claro! Não houve crime nenhum!” E prontamente lhe desejarão tudo de bom na liberdade reconquistada, como se não houvesse nada de mais. Business as usual.
A liberdade de Lula está precificada. O golpe tem sua lógica que se expressa na expectativa do ganho. Para atingir seus objetivos, golpistas – representantes da justiça de classe sem vontade de retornar à experiência da inclusão social em massa – insistem convictos que nada mais pode ser feito para livrar Lula do cativeiro.
Não vem ao caso se ele é culpado ou não. O que importa é que foi acusado e, depois de formal instrução, foi condenado, com a sentença confirmada e agravada na segunda instância por unanimidade. Isso por si basta para encostá-lo na parede e submetê-lo a uma verdadeira escolha de Sofia: ou deixa de ser candidato (danem-se as massas excluídas), ou fica preso com coonestação das escancaradas lambanças do primeiro e do segundo grau de jurisdição.
Tal qual o funcionário congolês, nossos juízes superiores e supremos sabem – está na cara – que Moro e os três sobrinhos do Pato Donald no TRF da 4ª Região (assim denominados por Luís Nassif) fizeram um processo que mais parece escárnio, caricatura de justiça, do que regular persecução penal. Não o negam nos cochichos entre si e alguns até o expressam com indignação, mesmo sem dar nome aos bois… Moro está hoje muito longe dos aplausos da unanimidade da direita política e judicial!
Há exceções à silenciosa e conspirativa crítica. Há outros magistrados que, ao julgarem o habeas corpus impetrado pela defesa de Lula, disseram com todas as letras que prendê-lo agora seria gritante violação do princípio de presunção de inocência.
Deixaram claro que tornar definitivo o efeito punitivo de uma decisão de segundo grau, mesmo com pendência de recursos, seria fechar os olhos para “eventuais” ilegalidades praticadas contra o réu e ainda sujeitas à revisão jurisdicional. Gritaram. Espernearam. Acusaram a trapaça de se pautar o habeas corpus antes de se definir, em julgamento abstrato, a extensão da presunção de não-culpabilidade. Mas perderam por 6 a 5.
Depois, calaram. Constataram o golpe, reconheceram a “estratégia” e nada mais pretendem fazer. Sim, o funcionário da imigração congolesa barrou um estrangeiro com visto no passaporte com a alegação da falta do visto. E daí? No fundo, parece, todos esperam pelo encarte da nota de 100 dólares no passaporte. E se Lula não a encartar – fazer o quê? – não entrará no Zaire! A opção é dele. Se topar o jogo, tudo ficará bem!
Na semana passada o STF rejeitou com unanimidade em julgamento virtual uma reclamação contra a pressa do TRF4 em recolher Lula ao cárcere, em clara transgressão dos limites do permissível na chamada execução provisória da pena.
Dos cinco magistrados partícipes da sessão eletrônica, quatro haviam se posicionado, antes, pela concessão da ordem ao ex-presidente por entenderem que adiantar a pena violaria flagrantemente o art. 5°, inciso LVII da Constituição. Foram então muito fortes em seus argumentos, denotando certeza sobre o absurdo que se praticava contra o réu-paciente.
A certeza se converteu em resignação. A convicção ficou para a integridade corporativa. Mesmo conscientes do injusto que se praticava contra Lula, a parceria com os colegas da imigração congolesa lhes pareceu mais importante do que a defesa da constituição e da liberdade de um inocente.
Em nome de um tal princípio de colegialidade – a cordialidade entre os agentes imigratórios – jogaram para o alto suas certezas e preferiram a convicção de que Lula, enquanto for candidato, continuará presumidamente culpado. O preço está posto.
E estão errados? Afinal, parte da esquerda, que se diz pragmática, “pé no chão”, já parece estar jogando a toalha, ao achar que largar Lula à sua própria sorte e fazer conchavo com outros pretendentes à presidência, mesmo que longe de terem o compromisso do réu injustiçado com a democracia e os excluídos, é mais vantajoso para permitir que o espetáculo circense de nossa política continue…
“Não deixarão mesmo que ele se candidate…” E essa esquerda se resigna como os magistrados com suas certezas. O preço é, de fato, a candidatura de Lula, e há quem queira pagá-lo. O prêmio será poder entrar no Zaire de Mobutu Sese Seko – na selva.
Na perplexidade do momento, pergunto-me: Afinal, é isso mesmo que a esquerda resignada deseja? É possível ser de esquerda e querer entrar no Zaire de Mobutu? Ou, em termos menos polarizadores: é possível ser democrata e querer entrar no Zaire de Mobutu?
Podem democratas resignar-se? Podem democratas coonestar a condenação de Lula? Será que os democratas querem entrar cada vez mais na selva? Será que eles querem mesmo a lei da selva, cujo guardião hoje é o STF?
Se e quando souberem responder, senhores de “pés no chão”, avisem a este nefelibatas.
Do DCM

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Kadafi, Palocci, a Veja e o esgoto da história., por Eugênio Aragão

O ex-ministro Palocci está no desespero. Não é para menos. Há mais de ano trancafiado à disposição do juiz Sérgio Moro e assistindo companheiros do cárcere serem liberados após abrirem a boca, não aguenta mais. Enquanto o ex-ministro José Dirceu, com sua força de vontade e retidão de caráter, lhe fazia companhia sem ceder ao canto dos torturadores, Palocci se mantinha firme.
Mas, depois que passou a ficar só, desmoronou e exibiu toda sua personalidade fraca: fala qualquer coisa que lhe pedem, implorando para aceitarem sua colaboração. Pouco lhe importa, a esta altura, se destrói, com mentiras, reputações e o projeto de país que o PT simboliza, o projeto de que fez parte.
A mais nova estória da carochinha é a relação em Lula, o PT e o regime de Kadafi. A Veja – o esgoto jornalístico de sempre – traz, na capa, a suposta informação que viria do alquebrado Palocci: Kadafi teria doado, por debaixo dos panos, um milhão de dólares para a eleição de Lula em 2002.
Chega a ser risível. Em 2002, Lula e o PT estavam longe de ter a projeção internacional que lograram em 13 anos de governo. E, para atribuir um mínimo de plausibilidade à notícia sem pé nem cabeça, retratam Lula em troca de risos e abraços com Kadafi em evento oficial, na Venezuela.
Ora, quem conhece Lula sabe bem que risos e abraços são sua performance permanente com Chefes de Estado estrangeiros. É só ir ao Google e buscar imagens de Lula com Schröder, com Tony Blair, com Obama, com Putin, com George Bush Jr. ou com Mandela: lá está ele sempre aos risos e com toques pessoais. É seu jeito de homem simples e afável.
Será que todos esses personagens deram um milhão de dólares para Lula e o PT? Só gargalhando.
O pior nisso tudo é que, mesmo cientes todos nós, do estrago que a campanha de ódio doentio dessa revista e de suas gêmeas da editora Três, do grupo Globo e de publicações criminosas do gênero fizeram à política brasileira, permite-se que continue nesse seu esforço de impedir, com seu jogo sujo, que quem não faça parte do clube do andar de cima volte a governar o País.
Para a imprensa canalha todos os métodos são lícitos: a mentira, a calúnia, o vazamento de segredo de justiça, a difamação com caricaturas raivosas, enfim, tudo que sirva para destruir uma imagem que, apesar de toda a sórdida campanha, tem se mantido incólume na consciência de dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros.
Deve ser desesperador mesmo. Tanto esforço de manuseio dessa energia negativa para nada. E tudo volta para os que a desprenderam. É só ver a situação de Aécio, Geddel, Eduardo Cunha… só falta o grupinho Pim-Pam-Pum: Temer, Moreira e Padilha, todos com a batata quente na mão, dormindo com a preocupação de perderem o foro privilegiado!
Nesse surto de mau caratismo, as estorinhas inventadas devem se tornar cada vez mais repugnantes, na mesma proporção do crescimento do apoio a Lula no eleitorado. À falta de candidatura que consiga lhe dar a testa, vão baixar cada vez mais o nível, sem se importarem com as consequências para o ambiente político, para a democracia, para a paz social e, até, para a ordem pública. Tudo isso, para eles, cede diante de seus mesquinhos projetos de poder que visam apenas à locupletação pessoal.
Mas vão aprender por bem ou por mal: a história continua e avança na luta de classe. Não é um golpe porco que a faz parar. E quem mexe com excrementos inexoravelmente suja as mãos. O esgoto que a Veja irradia é o esgoto que a história lhe reserva.
DCM

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estrutura inquisitória do processo de Lula impressiona, diz jurista italiano Luigi Ferrajoli

Luigi Ferrajoli, 77 anos, pensador e jurista de fama mundial, o mais categorizado aluno de Norberto Bobbio, publicou excelente artigo na CartaCapital.
A cultura jurídica democrática italiana está profundamente perplexa com os acontecimentos que conduziram ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e ao processo penal contra Lula. Tem-se a impressão de que esses acontecimentos sinalizem uma preocupante carência de garantias e uma grave lesão aos princípios do devido processo legal, dificilmente explicáveis se não com a finalidade política de pôr fim ao processo reformador realizado no Brasil nos anos da Presidência de Lula e de Dilma Rousseff, que tirou da miséria 40 milhões de brasileiros.
Ascânio Seleme e João Roberto Marinho entregam a Moro o prêmio “Faz Diferença” (Foto de Fabio Rossi / Agencia O Globo)
Antes de mais nada, a carência de garantias constitucionais da democracia política evidenciada pelo impeachment com o qual foi destituída a presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pelo povo brasileiro. O crime imputado é o previsto no artigo 85 da Constituição brasileira. Apesar de esta norma ser formulada em termos não absolutamente precisos, parece-me difícil negar, com base em uma interpretação racional, e na própria natureza do instituto do impeachment, que não existiam os pressupostos para a sua aplicação. O crime previsto por essa norma é, de fato, um crime complexo, consistente, conjuntamente, de um delito-fim de atentado à Constituição e de um dos sete delitos-instrumentos elencados no art. 85 como crimes-meios.
Pois bem, na conduta de Dilma Rousseff, admitindo-se que se caracterize um desses sete crimes-meios, certamente não restou caracterizado o delito-fim de atentado à Constituição. Tem-se, portanto, a impressão de que, sob a forma de impeachment, tenha sido, na realidade, expresso um voto político de desconfiança, que é um instituto típico das democracias parlamentares, mas é totalmente estranha a um sistema presidencialista como o brasileiro. Sem contar a lesão dos direitos fundamentais e de dignidade pessoal da cidadã Dilma Rousseff, em prejuízo da qual foram violadas todas as garantias do devido processo legal, do princípio da taxatividade ao contraditório, do direito de defesa e da impessoalidade e imparcialidade do juízo.
Quanto ao processo contra o ex-presidente Lula, aqui na Itália não conhecemos os autos, senão sumariamente. Ficamos, todavia, impressionados com a sua estrutura inquisitória, manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas.
Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusação, isto é, a ausência de separação entre as duas funções e, por isso, a figura do juiz inquisidor que em violação ao princípio do ne procedat iudex ex officio promove a acusação, formula as provas, emite mandados de sequestro e de prisão, participa de conferência de imprensa ilustrando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a condenação de primeiro grau. O juiz Sergio Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo. Além de ter promovido a acusação, emitiu, em 12 de julho deste ano, a sentença com a qual Lula foi condenado à pena de 9 anos e 6 meses de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, além de interdição para o exercício das funções públicas por 19 anos. É claro que uma similar figura de magistrado é a negação da imparcialidade, dado que confere ao processo um andamento monólogo, fundado no poder despótico do juiz-inquiridor.
O segundo aspecto deste processo é a específica epistemologia inquisitória, baseada na petição de princípio por força da qual a hipótese acusatória a ser provada, que deveria ser a conclusão de uma argumentação indutiva sufragada por provas e não desmentida por contraprovas, forma, ao contrário, a premissa de um procedimento dedutivo que assume como verdadeiras somente as provas que a confirmam e, como falsas, todas aquelas que a contradizem. Donde o andamento tautológico do raciocínio probatório, por força do qual a tese acusatória funciona como critério prejudicial de orientação das investigações, como filtro seletivo da credibilidade das provas e como chave interpretativa do inteiro processo.
Apenas dois exemplos. O ex-ministro Antônio Palocci, sob custódia preventiva, em maio deste ano, tinha tentado uma “delação premiada” para obter a liberdade, mas o seu pedido foi rejeitado porque não havia formulado nenhuma acusação contra Lula ou Dilma Rousseff, mas somente contra o sistema bancário. Pois bem, esse mesmo réu, em 6 de setembro, perante os procuradores do Ministério Público, mudou sua versão dos fatos e forneceu a versão pressuposta pela acusação para obter a liberdade. Totalmente ignorado foi, ao contrário, o depoimento de Emílio Odebrecht, que, em 12 de junho, havia declarado ao juiz Moro nunca ter doado qualquer imóvel ao Instituto Lula, ao contrário do que era pressuposto pela acusação de corrupção.
A terceira característica inquisitória deste processo é, enfim, a assunção do imputado como inimigo: a demonização de Lula por parte da imprensa. O que é mais grave é o fato de que a campanha da imprensa contra Lula foi alimentada pelo protagonismo dos juízes, os quais divulgaram atos protegidos pelo segredo de Justiça e se pronunciaram publicamente e duramente, em uma verdadeira campanha midiática e judiciária, contra o réu, em busca de uma legitimação imprópria: não a subjeção à lei e à prova dos fatos, mas o consenso popular, manifestando assim uma hostilidade e falta de imparcialidade que tornam difícil compreender como não tenham justificado a suspeição.
Palocci e Odebrecht
O juiz Moro, que continua a indagar sobre outras hipóteses de delito imputadas a Lula, antes da abertura do processo concedeu numerosas entrevistas à imprensa, nas quais atacou abertamente o imputado; promoveu as denominadas “delações premiadas”, consistentes de fato na promessa de liberdade como compensação pela contribuição dos imputados à acusação; até mesmo reivindicou a interceptação, em 2016, do telefonema no qual a presidente Rousseff propunha a Lula de integrar o governo, publicizada por ele sob a justificativa de que “as pessoas tinham que conhecer o conteúdo daquele diálogo”.
A antecipação do juízo não é, por outro lado, um hábito somente do juiz Moro. Em 6 de agosto deste ano, em uma intervista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), perante o qual prosseguirá o segundo grau, declarou que a sentença de primeiro grau “é tecnicamente irrepreensível”.
Semelhantes antecipações de juízo, segundo os códigos de processo de todos os países civilizados – por exemplo os artigos 36 e 37 do Código Penal Italiano – são motivos óbvios e indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz. E também no Brasil, como recordou Lenio Streck, existe uma norma ainda que vaga – artigo 12 do Código da Magistratura Brasileira de 2008 – que impõe ao magistrado o dever de se comportar de modo “prudente e imparcial” em relação à imprensa. Os jornais brasileiros, invocando a operação italiana Mani pulite do início dos anos 90, se referem à operação Lava Jato que envolveu Lula como sendo a “Mãos Limpas brasileira”. Mas nenhuma das deformações aqui ilustradas pode ser encontrada no processo italiano: uma investigação que nenhum juiz ou membro do Ministério Público italiano que nela atuaram gostaria que fosse identificada com a brasileira.
São, de fato, os princípios elementares do justo processo que foram e continuam a ser desrespeitados. As condutas aqui ilustradas dos juízes brasileiros representam, de fato, um exemplo clamoroso daquilo que Cesare Beccaria, no  § XVII,  no livro Dos Delitos e das Penas, chamou “processo ofensivo”, em que “o juiz – contrariamente àquilo por ele chamado “um processo informativo”, onde o juiz é “um indiferente investigador da verdade” – “se torna inimigo do réu”, e “não busca a verdade do fato, mas procura no prisioneiro o delito, e o insidia, e crê estar perdendo o caso se não consegue tal resultado, e de ver prejudicada aquela infalibilidade que o homem reivindica em todas as coisas”; “como se as leis e o juiz”, acrescenta Beccaria no § XXXI, “tenham interesse não em buscar a verdade, mas de provar o delito”. É, ao contrário, na natureza do juízo, como “busca indiferente do fato”, que se fundam a imparcialidade e a independência dos juízes, a credibilidade de seus julgamentos e, sobretudo, juntamente com as garantias da verdade processual, as garantias de liberdade dos cidadãos contra o arbítrio e o abuso de poder.
Acrescento que mais de uma vez expressei minha admiração pela Constituição brasileira, talvez a mais avançada em temas de garantias dos direitos sociais – os limites orçamentários, a competência do Ministério Público quanto aos direitos sociais, a presença de um Procurador atuante no Supremo Tribunal Federal – a ponto de constituir um modelo daquilo que chamei de “constitucionalismo de terceira geração”. Foi em razão da atuação desse constitucionalismo avançado que no Brasil, como recordei no início, se produziu nos últimos anos uma extraordinária redução das desigualdades e da pobreza e uma melhora geral das condições de vida das pessoas.
Os penosos eventos institucionais que atingiram os dois presidentes, que foram protagonistas desse progresso social e econômico, trouxeram à luz uma incrível fragilidade do constitucionalismo de primeira geração, isto é, das garantias penais e processuais dos clássicos direitos de liberdade: uma fragilidade sobre a qual a cultura jurídica e política democrática no Brasil deveriam refletir seriamente. Sobretudo, esses acontecimentos geram a triste sensação do nexo que liga os dois eventos – a inconsistência jurídica da deposição de Dilma Rousseff e a violência da campanha judiciária contra Lula – e, por isso, a preocupação de que a sua convergência tenha o sentido político de uma única operação de restauração antidemocrática.
Essa sensação e essa preocupação são agravadas pelas notícias, referidas de modo concordante e sereno em muitos jornais, que os juízes estariam procurando acelerar os tempos do processo para alcançar o mais rápido possível a condenação definitiva; a qual, com base na “Lei da Ficha Limpa” impediria Lula de candidatar-se às eleições presidenciais de outubro de 2018. Tratar-se-ia de uma pesada interferência da jurisdição na esfera política, que teria o efeito, entre outros, de uma enorme deslegitimação, antes de mais nada, do próprio Poder Judiciário.
DCM

domingo, 12 de novembro de 2017

O desespero da direita golpista de “mercado” com cenários de 2018. Pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão

A implosão do PSDB com a destituição de Tasso Jereissati deixou a direita golpista, aquela que bajula o “mercado” e outrora se proclamava “liberal”, feito barata tonta. Com o gesto kamikaze de Aécio para salvar a própria pele, o partido paga a conta de sua cumplicidade com os bandidos que assaltaram o poder em 2016 e fica reduzido a um saco de gatos incapaz de se mobilizar como alternativa de poder.
E agora, “mercado”? (Aqui entendida a turma do capital financeiro que nunca perde, por mais que custe ao país). Aliar-se ao Sr. Temer foi bom para destruir direitos e criar uma terra arrasada do lado de quem poderia resistir a seu apetite ilimitado por porções orçamentárias de Leão. Mas não é uma alternativa sustentável no médio prazo, dada a impopularidade avassaladora da corja que representa.
A saída para a extrema direita parece ser o caminho natural para garantir a continuidade da irrigação de sua plantação financeira. E Bolsonaro, que pode não entender nada de economia, mas tem fome enorme de poder, logo se apercebe que tem que investir no discurso das “reformas” para confiscar essa bandeira do governo golpista e se estabelecer com alternativa para o “mercado”.
E assim caminhamos.
O “mercado”, que se aliou ao golpe, se junta à extrema direita, para continuar mamando nas tetas do Estado e impedir que Lula volte para reconstruir o consenso social necessário para reequilibrar o cenário político e recompor o tecido institucional esgarçado com a destituição da presidenta Dilma Rousseff.
Trata-se de aventura que não deu certo em 1933. Talvez devêssemos aprender com a história e lembrar que a ascensão de Adolf Hitler foi possibilitada apenas pelo apoio do capital financeiro e da grande indústria na Alemanha de Weimar, temerosos com o “perigo” bolchevique.
E deu no que deu. Achavam que iam domesticar o austríaco desvairado e submetê-lo à orientação conservadora de Von Papen. Mas erraram redondamente. Fascistas de raiz não são domesticáveis. Seu ódio fala mais alto que a razão.
Alguém que chutou em colega parlamentar seu por ser homoafetivo ou que disse a outra colega que não “merecia ser estuprada” definitivamente não tem estatura para ser chefe de estado e chefe de governo. É ledo engano de conservadores de salão achar que Bolsonaro se civiliza com um cursinho Socila. Sua eleição significa rompimento com todos os marcos civilizatórios e nos projetará no mais abjeto do fascismo troglodita, com a negação do sentimento de empatia e de solidariedade social.
Namorar politicamente com Bolsonaro é sinal de completa deformação moral e de ruptura com os valores democráticos. Seu patriotismo de papel é, em verdade, o discurso oco de um homem sem programa e com desejo, apenas, de estabelecer o totalitarismo fascista entre nós.
Fica o recado: quem com ele acredita poder se aliar para impedir Lula estará assinando seu testamento de traidor da sociedade e da democracia e, no futuro, se excluirá de qualquer composição civilizada para reconstruir o Brasil.
DCM

domingo, 1 de outubro de 2017

O ex-presidente Lula deve sua liderança no Datafolha a Moro, Temer e a mídia. Por Kiko Nogueira do DCM


Lula deve seu desempenho no Datafolha a Michel Temer, a Sérgio e à mídia.

Ao primeiro, por razões óbvias: MT é um fracasso completo em todas as áreas, um desastre ambulante que não entregou a rapadura do golpe e cujo horizonte político é tenebroso.

Fisiológico e acostumado a operar nas sombras, foi um pau mandado pago para destruir, em tempo recorde, a obra dos governos anteriores. Ficou claro que nunca teve projeto algum.

Lula sempre teve.

Sob um massacre diuturno, Lula cresceu 5 pontos percentuais e se isolou ainda mais na disputa pela Presidência em 2018.

Agora tem 35% das intenções de voto, contra 30% do levantamento anterior, feito em junho, antes da condenação a nove anos e seis meses de prisão por Moro.

Bolsonaro e Marina aparecem empatados com 16% e 13%, respectivamente. Doria e Alckmn têm 8%.

Em junho, Marina Silva era a única capaz de vencer Lula no segundo turno. Agora ele se isolou na frente.

A Lava Jato fortaleceu Lula, que assumiu uma postura combativa desde o primeiro tiro. Mais de três anos após iniciadas as investigações, o que Moro e seus homens produziram foi uma tentativa malfadada de colocar Lula no centro de uma “organização criminosa”, a tal orcrim, e fazer uma conta de chegada.

O ápice da cruzada fascistoide de Deltan Dallagnol e seus cometas foi um powerpoint ridicularizado até por membros da igrejinha.

Desde então, o decoro foi para o buraco. A delação de Palocci era considerada a bala de prata. Duas semanas depois, vê-se o resultado.

Moro dá sinais evidentes de fadiga de material. De acordo com a Veja, diz que está cansado e vai largar a Lava Jato. Primeiro precisa entregar a cabeça de Lula.

Um fiasco. Na segunda feira aparece com mais um escândalo. O dos recibos durou menos do que se esperava.

Manchetes e jograis do Jornal Nacional não conseguiram destruir uma candidatura. Vazamentos a granel, armações, ataques a Marisa Letícia, morta — nada disso funcionou. Os Marinhos querem cortar os pulsos.

Se Lula está assim depois de uma condução coercitiva, imagine-se se Moro decretar sua prisão. No cenário de destruição promovido pelo estado policialesco que vivemos, com a esperada descrença na democracia, Lula vai surgindo como o que seus inimigos não queriam: o pacificador.

DCM

domingo, 24 de setembro de 2017

A nova pesquisa Ipsos aponta Moro no caminho de virar o político mais rejeitado do Brasil. Por Kiko Nogueira do DCM

Moro vê a si mesmo no cinema: já deu

nova pesquisa Ipsos traz um dado revelador e previsível acerca de Sergio Moro e sua nêmesis: enquanto a desaprovação do juiz sobe, a de Lula cai.

O prazo de validade de Moro expirou.

A tendência é de alta. No levantamento do mês passado, essa taxa subira nove pontos percentuais, de 28% para 37%. Agora foi para 45%. A série histórica do instituto teve início em agosto de 2015.

Segundo o Estadão, os dados foram colhidos entre os dias 1.º e 14 deste mês. Ou seja, antes e depois do depoimento de Palocci, considerado por toda a imprensa escrita, televisada e togada como a bala de prata na testa de Lula.

Fica claro o recado: o Brasil real cansou de Moro. O sucesso da caravana de Lula e sua ascensão nas sondagens eleitorais são um atestado de que a perseguição não deu o resultado esperado. O jeito vai ser um tapetão.

Mas vai ser fácil? Vai ser tranquilo como o esquilo? Suave na nave?

Ninguém suporta por tanto tempo uma operação extrajudicial que escolheu um culpado e há anos se dedica a tentar confirmar uma tese, sem trazer provas, somente convicções.

Há um desgaste da imagem. Nem Lady Gaga suporta esse excesso de exposição.

As inúmeras irregularidades envolvendo Moro e seus homens têm sido denunciadas aqui no DCM. Os rapazes da República de Curitiba se coçam em busca de um plano B.
O filme da Lava Jato é um fracasso de público. Os livros saíram das listas dos mais vendidos. A fila anda.

Deltan Dallagnol admitiu que foi procurado por partidos e não descarta uma candidatura. Carlos Fernando dos Santos Lima deve ir pelo mesmo caminho. No momento é comentarista de Facebook, afrontando diretamente o STF.

Ambos foram sondados pelo Podemos para concorrer a uma vaga no Senado.

Moro nega que pretenda disputar a presidência, mas ele já é político lato sensu. Para que arriscaria um teste frustrante na democracia se tem licença para matar em seu posto, protegido pelas instâncias superiores?

Contratado para terminar o serviço de Joaquim Barbosa, Moro encarnou o papel que lhe deram. Abusou.

Ganhou trofeu das mãos de um dos Marinhos, foi estrela de convescote da corrupta Istoé, palestrou em evento de João Doria, tirou foto com o rostinho colado no do jagunço Aécio Neves.

Não fez questão de manter o decoro e de fingir imparcialidade. Ficará como um dos protagonistas de um dos períodos mais vergonhosos da Justiça brasileira.


Seu julgamento já está sendo feito. Como eu escrevi, Moro é Gilmar amanhã. Duas figuras que saíram das sombras para os holofotes e que cada vez menos gente suporta assistir. 

Do DCM