Ontem, o país viveu um das últimos – e certamente o
maior – obstáculo ao despenhadeiro do fascismo e da perda da
institucionalização.
O maior, tenham em mente, desde o dia em que o circo da
Câmara dos Deputados votou pela abertura do processo de impeachment da
presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff.
Não se iluda por questões de legalidade constitucional,
destas que há muito a maioria do Supremo deixou para trás e que fizeram soar
patética a aula de constitucionalismo dada pelo insuspeito Celso de Mello em
seu voto.
A Constituição é lana caprina, expressão que os
advogados usam para dar nome a algo de pouco valor, tal como foi o impeachment
sem crime de responsabilidade há dois anos.
Sob certos aspectos, porém, o que se deu ontem é pior, muito
pior que o domingo da vergonha de 2016, porque ali apunhaláva-se o presente mas
sobrevivia o futuro do processo eleitoral.
Agora, o que se fez foi matar a esperança de que se
pudesse voltar ao leito democrático em outubro.
Há um ar inescondível de tragédia.
Tintas de uma releitura do agosto de 1954, onde a cena
trágica será ainda vivida, com as imagens mórbidas da condução de Lula à
cadeia, num féretro que será festejado pelos corvos e abutres de uma
classe média, enfim, condenada a roer a sua vida miserável pondo a culpa de
todas as nossas mazelas no povo brasileiro, esta gente -para eles – indolente,
desonesta, negra e parda, inferior ao ponto de merecer o nome de “povinho”.
O processo que começou com os udenistas de 2013, os do
“padrão Fifa”, deságua na cena previsível, mais ainda pelo próprio Lula, ao
resumir, na única declaração da qual, até agora, se tem publicada: ““Ninguém
deu um golpe para me deixar candidatar.”
Ontem, antes do trágico espetáculo que Cármen Lúcia dirigiu
no Supremo com o mesmo cinismo com que Eduardo Cunha comandou a apresentação
circense – Luís Roberto Barroso, aliás, com seu demagógico discurso, encarnou
uma versão “cult” daqueles que prometiam o Brasil dos céus ao votarem pela
ruptura democratíca – o analista de pesquisas Antonio Carlos Almeida, autor do
clássico “A cabeça do brasileiro”, escreveu o que se pode sentir no imaginário
deste país:
Lula é politicamente grande porque tem voto, e isso é o
fundamento da democracia. Lula tem voto para receber e transferir, quem
trabalha com pesquisa sabe disso. Porque tem voto, ele motiva medo em seus
adversários e esperança em seus seguidores.(…)Vale aqui novamente o
contrafactual: se Lula não fosse do tamanho que é, não estaríamos nem
escrevendo, nem lendo sobre ele, nem conversando nem ouvindo o que dizem dele,
tampouco estaríamos preocupados com o desfecho dos julgamentos que a ele dizem
respeito. Os ministros do Supremo, ao julgarem o habeas corpus de
Lula, independentemente do resultado, apenas dizem o mesmo que esse artigo:
Lula é politicamente grande. É importante que o país tenha consciência disso.
Na gente que não fala, que é o personagem ausente da polêmica
política, fica algo que, nas pesquisas, só aparece nas intenções de voto, não
em respostas explícitas: Lula é perseguido porque ousou fazer algo pelos
pobres.
Esta é a sua resistência, como foi, há mais de 60 anos, a
transformação de Getúlio Vargas em um fantasma a assombrar e maldizer a
direita.
É preciso não fazer bravatas, cantar vitórias ou propor
tolices.
A dor pode ser combustível de nossas chamas, mas não a mão
que nos guia.
O primeiro passo é recusar o processo autofágico e recordar
que tudo isso ocorre não pelos defeitos e erros do petismo ou de Lula, que
existem, é claro.Ocorre por seu significado, ocorre pelo seu simbolismo, ocorre
pelo que ele representa para o Brasil.
E não vai deixar de representar porque meia-dúzia, exatamente
meia-dúzia, de algozes da elite negaram, por algum tempo, seu direito de ser um
homem “externamente livre”.
Porque as nossas cabeças, as nossas idéias, os nossos
pensamento e ações, a estes não há grades capazes de conter.
Do Tijolaço