Após
mobilizar milhares de cariocas, a classe artística volta a encampar, agora em
São Paulo, um ato político em defesa das Diretas Já neste domingo 4. A
manifestação, inspirada na campanha por eleições diretas que reuniu multidões
na capital paulista e no Rio de Janeiro no fim da ditadura, carrega a mesma
receita: grandes mobilizações com forte presença de artistas e expoentes da
cultura brasileira.
O
ponto de encontro dos manifestantes será no Largo da Batata, onde a partir das
11h diversos artistas de porte como Mano Brown, Péricles, Criolo, Maria Gadú e
Paulo Miklos farão parte do ato. No Rio, nomes como Caetano Veloso e Milton
Nascimento marcaram presença na manifestação por Diretas Já que ocorreu no
último domingo 28 na praia de Copacabana, onde 50 mil manifestantes pediram a
antecipação de eleições diretas.
Um
dos organizadores do ato, Daniel Ganjaman, produtor musical de grande
prestígio, foi o responsável por fazer o contato com os artistas. A construção
dos atos se deu a partir da reunião da classe artística, que refletida na
insatisfação popular, começou a se mobilizar. Produtores, ativistas e mídia
ativistas dividem o trabalho da organização de maneira coletiva. “Alguns já
tinham organizado manifestações similares, mas o principal é que não existe
nenhuma organização política ou social por trás disso, não existe nenhum
protagonista”, conta o produtor.
A
organização afirma que, embora não exista nenhum movimento político, partidário
ou sindical por trás da organização da manifestação, não há a intenção de
excluir grupos ou “tirar aspectos das lutas tradicionais” na mobilização.
Os
responsáveis pelo ato rebateram reportagens da mídia que indicavam a exclusão
de grupos políticos tradicionais na manifestação. "Em nenhum momento
falamos em barrar ou excluir qualquer movimento do nosso ato, como foi
publicado com sensacionalismo em matérias da grande imprensa", afirmam os
organizadores em nota. "Pelo contrário: achamos fundamental para a
relevância da nossa manifestação a participação de todas e todos que estejam
alinhados à causa das Diretas."
Também
idealizador do ato no Rio de Janeiro, Ganjaman explica que o motivo da
convocação são as eleições diretas, que hoje teriam o “consenso da população”.
A
instabilidade do governo de Michel Temer, que para Ganjaman é ilegítimo, trouxe
para rua o grito pelo impeachment e inflou a chamada pelas eleições diretas. Um
levantamento do DataFolha revela que o presidente tem apenas 9% de aprovação,
enquanto 61% da população considera seu governo ruim ou péssimo. A mesma
pesquisa afirma que 85% da população pedem eleições diretas.
“Você
tem um Congresso com centenas de deputados acusados, alguns que já foram
condenados. Não podemos deixar pra esse Congresso definir quem vai ser esse
presidente tapa buraco”, argumenta o produtor, ao explicar que um ato
suprapartidário como este pode unir a insatisfação geral, na maioria das vezes
segmentada por preferências partidárias.
A
escolha de artistas renomados para compor o quadro de atrações levanta dúvidas
sobre os motivos que levarão o público para o Largo da Batata neste domingo. A
decisão, no entanto, foi estratégica. A organização do ato busca atrair a
população que está descrente na política, a fim de trazer diversas camadas
sociais “para o debate”.
Ganjaman
endossa ainda que “toda manifestação artística é uma possibilidade de
politização”, ao afirmar que agora a função da classe cultural é buscar no
“papel transformador do artista” a possibilidade de discussão sobre a política
que hoje é explicada por meios que “provocam a desinformação”.
“As
pessoas vão trocar informações. Precisamos insistir no diálogo que perdemos nos
últimos anos, pois neste momento é fundamental. Se não insistirmos nisso a
consequência será brutal, desastrosa”, alerta.
A
presença dos blocos de carnaval também é um carro chefe na mobilização.
Alexandre Youssef, produtor cultural e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo
da Augusta, acredita que esta é uma forma de mostrar o caráter ativista dos
blocos que, depois das dificuldades enfrentadas para ocupar as ruas de São
Paulo no Carnaval, se articulam em torno das lutas democráticas. “Temos uma
temática política envolvida nisso, uma articulação com as pautas da cidade em
torno de lutas democráticas”, explica Youssef.
O
desmonte do carnaval de São Paulo acendeu ainda um forte debate sobre o papel
do Estado na construção da cultura e do fomento à classe artística. O produtor
musical Daniel Ganjaman acredita que este é o momento para não apenas de usar a
classe artística para a construção de um movimento legítimo e popular, mas
também para própria classe se articular em torno de suas causas.
“Em
âmbito nacional nós estamos sem um representante, o que quer dizer que a
cultura está sendo deixada de lado no que diz respeito aos subsídios”, diz o
produtor, que crê ser necessário “aproveitar o incêndio” para unir a classe
artística.
Para
ele, a piora se deu no momento em que foi consumado o impeachment. “Era uma
tragédia anunciada. Hoje, vivemos num estado de exceção. Eu olho para o Temer e
não consigo chamá-lo de presidente.”
GGN/Carta Capital