Nas próximas eleições há apenas duas balas na agulha para
interromper o desmonte do país e o fantasma de Bolsonaro: um candidato indicado
por Lula ou Ciro Gomes, mas ambos os grupos caminhando juntos no segundo turno.
Há toda uma engrenagem montada em torno do impeachment,
pronta a detonar “inimigos”. É o arco constituído pelo mercado, mídia e sistema
judiciário. Mesmo assim, o aprofundamento da crise e o risco Bolsonaro estão
tornando dois candidatos gradativamente palatáveis ao epicentro do golpe, em São
Paulo: Fernando Haddad e Ciro Gomes.
Não significa necessariamente que Haddad será o candidato de
Lula. Há também os nomes de Jacques Wagner, Celso Amorim e Patrus Ananias. Mas
são as duas hipóteses levantadas pelas últimas pesquisas.
A disputa tem três tempos.
O primeiro turno, para definir quem será o candidato da
centro-esquerda.
O segundo turno, e as alianças que resistirem à disputa do 1º
turno.
A estratégia depois de eleito, assegurando a governabilidade.
Peça 1 – a estratégia de Lula
Para as eleições, a estratégia aparente de Lula consiste em
manter sua candidatura até o último momento. Perto do prazo fatal, ficando
claro que o golpe não permitirá que se candidate, haverá a indicação do vice,
que assumirá seu lugar na chapa como seu candidato.
A lógica é clara.
Primeiro, manter viva a chama do lulismo e conseguir o
impacto da proibição de se candidatar, em um momento em que cada vez mais cai a
ficha da opinião pública sobre a perseguição política de que é vítima. Com
isso, aumenta seu cacife e do PT para negociar alianças.
Depois, porque se o vice for apresentado antes, será fuzilado
pela estrutura Lava Jato-mídia-Judiciário. Em cima da bucha, o PT terá o
horário gratuito para defender-se dos ataques.
Para ser vitoriosa, no entanto, essa estratégia depende de
algumas variáveis indefinidas ainda:
A capacidade de Lula de transferir votos.
O tiroteio que se abaterá sobre seu candidato.
É um jogo de apostas. Se a estratégia der errado e houver o
segundo turno com dois candidatos de direita, serão destruídos os últimos
pontos de resistência das esquerdas e da incipiente social-democracia
brasileira.
Daí as últimas orientações de Lula – após encontro com
Jacques Wagner – de mandar emissários conversarem com Ciro, para esvaziar as
tensões acumuladas entre ele e o PT. A orientação de Lula foi a de tratar Ciro
Gomes como parceiro do mesmo lado político.
Tem lógica.
Peça 2 – a estratégia Ciro Gomes
Ciro Gomes vai montando sua estratégia política dentro da
seguinte lógica:
Estratégia da redução de dano: a esquerda não o vê como um
dos seus, nem a direita do DEM e assemelhados. Mas, para a esquerda, é garantia
de suspensão do desmonte montado por Temer e, para a direita do DEM, a possibilidade
de compor um novo bloco de coalizão, papel desempenhado pelo DEM com FHC e MDB
com Lula.
Identificação dos inimigos externos, de forma alinhada com a
opinião pública de esquerda e centro: a quadrilha Michel Temer, o MDB e
Bolsonaro.
Recuperação de propostas desenvolvimentistas e interrupção da
destruição empreendida por Temer.
Apropriação do discurso anticorrupção, tentando uma vacina
contra o antipetismo. Mas, com isso, criando resistência junto à militância do
partido, que Lula tenta diluir.
Um discurso articulado. Ciro tem na ponta da língua o manual
dos bons princípios da social-democracia, assim como Fernando Haddad. A
diferença é que, até agora, Haddad tem evitado se expor.
Cada vez mais tenta se apresentar como o anti-Bolsonaro,
usando a retórica virulenta do seu opositor. É uma briga de machos-alpha,
claramente definida para arrostar Bolsonaro no seu único terreno: a
truculência.
A fala impositiva, autoritária até, em um momento em que
parte relevante da opinião pública clama por um mínimo de disciplina
institucional, só possível com a recuperação do protagonismo pelo Executivo.
Ao contrário do que muitos podem imaginar, Ciro não está
disputando o espaço político com Lula, mas com Geraldo Alckmin. O espaço em
questão consiste em juntar setores mais liberais, assustados com a hipótese
Bolsonaro, os órfãos do velho PSDB; e, na hipótese de um segundo turno com
Bolsonaro ou Alckmin, o apoio das esquerdas.
A provável frente que se desenha na cabeça de Ciro, caso sua
candidatura decole, ficará mais ou menos assim:
Apoio dos governadores nordestinos, que temem a demora na
definição do lulismo.
Possível adesão de parcelas relevantes do PSDB, órfãos de uma
liderança forte, depois do esvaziamento da banda barra-pesada –
Serra-Aécio-Marconi-Richa.
Aproximação com o clube dos bilionários e com os grandes
grupos paulistas que sabem o desastre que seria Bolsonaro, e não tem confiança
no fôlego e na competência de Alckmin.
Com o discurso anticorrupção, aproximação com o Partido do
Judiciário, que será crucial em dois momentos: para garantir votos da parte
punitiva do eleitorado; e como aliados na guerra mortal contra o MDB.
Montagem de um novo bloco de coalizão, com o DEM e outros
partidos menores fornecendo a base de apoio, mas com uma incógnita sobre com
quem dividirá a governabilidade: se com o PT ou um bloco mais alinhado com o
PSDB.
Analistas respeitáveis sustentam que, a exemplo de outras
eleições, na reta final do primeiro turno vencerão os candidatos que tiverem
atrás de si mais estrutura partidária. Ou seja, haveria a reedição da disputa
PSDB, com Alckmin, e PT, com o candidato indicado por Lula.
Mas será que os tempos atuais repetem as mesmas
características de outras eleições? Têm-se o PT e o PSDB baleados junto a
parcelas da opinião pública; novas formas de mobilização com as redes sociais,
e um eleitorado consolidado de Bolsonaro. A rigor, há duas únicas forças se
movimentando: o lulismo e o antilulismo.
Peça 3 – os fatores de instabilidade
Além disso, há um conjunto de fatores aleatórios no ar.
Têm-se um quadro de caos, um cenário aberto para novas tentativas de
instabilização.
Graças à Globo e ao Supremo Tribunal Federal (STF) o país
experimenta a situação esdrúxula, de estar sendo governado por um presidente
que será preso, assim que deixar o cargo, mas com plena liberdade até lá para
continuar montando negócios.
Do lado do grupo de Temer, a contagem regressiva para a
prisão induzirá a novas tentativas de endurecimento político. Até agora, duas
delas foram tiro n’água graças à baixíssima credibilidade do grupo: a
intervenção militar no Rio de Janeiro e a tentativa de militarização na greve
dos caminhoneiros.
Mesmo assim, se tem no STF uma presidente inconfiável, como
ficou claro no episódio de desengavetamento do julgamento do parlamentarismo.
Logo depois, Carmen Lúcia o tirou novamente de pauta. Imaginou-se que tivesse
recuado devido às críticas recebidas, mas foi apenas porque o propositor da
ação, deputado Arlindo Chinaglia, a retirou.
Continua pendente no ar a possibilidade de um novo golpe
jurídico-midiático, mesmo porque o STF está dominado pela politização, com os
Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Alexandre Morais, Rosa
Weber e Carmen Lúcia atuando com despudor, e o antipetismo explícito
condicionando a atuação dos garantistas Celso de Mello e Gilmar Mendes.
De qualquer modo, o fator Temer promoveu um desgaste também no
coração do impeachment – a própria mídia.
Ao contrário de outros tempos, as tentativas de desenhar
cenários esbarra em fatores de imprevisibilidade inéditos. Ninguém pode ter
certeza de nada.
do GGN