Como esperado, os jornalões desprezaram a decisão do Comitê
de Direitos Humanos da ONU, que exige a garantia aos direitos políticos de
Lula. E, ao mesmo tempo, tratam com a maior naturalidade a realização de mais
um debate de TV em que o candidato favorito foi impedido de participar.
Na Folha: nenhuma menção à ONU na capa, algumas notas no
"Painel" antecipando que a determinação será ignorada pelo Supremo e
uma reportagem de um terço de página, em página par, sumarizando o caso. Muito
abaixo da relevância do episódio, mas bem melhor que seu concorrente, que
escondeu a determinação em uma notinha no meio do "Painel do Estadão"
- em que, aliás, ela é chamada de "recomendação do Comitê de Direitos
Humanos da ONU" - e no intertítulo de uma reportagem intitulada
"Barroso concentra impugnações a Lula". A matéria recebeu uma chamada
de capa, tão irrelevante ("Barroso já tem sete ações contra Lula")
que seria inexplicável caso não houvesse o desejo de se contrapor à verdadeira
notícia, aquela que o jornal optou por ocultar.
Trata-se de minimizar um fato político de enorme relevância.
Tanto Folha quanto Estadão fizeram questão de ressaltar que outros políticos
foram impedidos de concorrer nas mesmas condições de Lula e não houve ação da
ONU. É uma falsa ingenuidade, que pretende não entender que um ex-presidente,
candidato favorito numa eleição presidencial, tem mais condições de recorrer a
um organismo internacional do que outros.
Em suma: neste caso, uma vez mais, a imprensa põe em
funcionamento a doutrina Ricupero: "o que é bom a gente fatura, o que é
ruim a gente esconde". Uma doutrina que, segundo as imorredouras palavras
do então ministro da Fazenda, só se estabelece graças à ausência de escrúpulos.
Enquanto isso, o noticiário das eleições corre como se
vivêssemos a mais normal e democrática das normalidades democráticas. Fiel à
sua vocação "pluralista", a Folha inaugura hoje uma seção semanal de
polêmica sobre o processo eleitoral, em que a Leandro Narloch encarna a direita
e as cores da esquerda são defendidas por... Pablo Ortellado! Já o Estadão,
também seguindo a tradição, prefere a voz autorizada dos especialistas
consagrados e estampa, na página 2, uma análise de conjuntura assinada por...
Bolívar Lamounier!
Mais do que qualquer outra coisa, o tom imposto pela
cobertura é evidenciado na coleção de fotos dos candidatos na Rede TV!, recurso
ao qual ambos os jornais recorreram. Estão lá oito opções. Tem até uma mulher e
um cara barbado. Tem para todos os gostos: do que o eleitor pode reclamar? A
eleição transcorre sem percalços, ponto.
Por isso a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU
incomoda. É fundamental, para o projeto do golpe, que a ilegitimidade do
processo eleitoral no Brasil não seja exposta. Por isso, as empresas
jornalísticas ocultam mais este fato.
GGN