É o Poder Judiciário, como um todo, convertido numa delegacia
de polícia de quinta categoria, se é que isso existe. A rigor, delegacia é
delegacia, tem atribuições legais definidas, mas, aqui ali, nos rincões (ou
não) aparecem delegados com superpoderes, que batem, prendem, arrebentam;
casam, batizam e se transformam em longa manus de comerciantes a prefeitos.
Tudo, obviamente, selado por juízes locais, já que no fundo estão todos zelando
por interesses recíprocos. Delegacias de grandes metrópoles não fogem à regra.
Até soube de um policial da assassina PM paulista, que rasgou seu próprio
fardamento com uma caneta BIC, tudo para simular uma agressão...
Em várias situações, é comum entre policiais corruptos ou
incompetentes o hábito de inserir droga nos pertences de suspeitos ou não. Por
exemplo, diante de um alvo errado, se o policial comete excessos, tenta
justificar a ação criando um suposto flagrante por porte de droga. Se o
policial não consegue extorquir um criminoso, este pode ser preso pelo porte ou
transporte de substância entorpecente, mesmo que nada disso tivesse ocorrido no
momento da abordagem. Em quaisquer dos casos, as delegacias de polícia,
coniventes ou não, conferem legalidade à ação, obedecendo a partir dali todos
os ritos processuais. Em suma, daquele momento em diante, tudo passa a
transcorrer com os rigores da lei, mesmo com vício de origem.
Esses exemplos inspiraram texto veiculado neste GGN, no qual
trato o golpe de 2016, como o golpe da maconha intrujada. A destituição da
presidenta Dilma Rousseff teve vícios de raiz – pela ausência de crime de
responsabilidade ou qualquer outro. Foi uma maracutaia que contou a sabuja
conivência do STF. Aquilo que até as pedras sabiam, mas que pelo STF foi
ignorado, chegou a ser tratado pelo juiz aposentado Joaquim Barbosa como
“Impeachment Tabajara”. Mas, como um golpe da maconha intrujada, ganhou ares de
suposta legalidade. Numa criminosa operação matemática, se eram precisos X
votos, aquele número foi atingido e o martelo foi batido. Faltou crime,
motivação idônea, sobretudo fundamentação (os votos vieram pelo neto, cachorro,
papagaio e apologia a um torturador).
Consolidava-se ali o grande acordo nacional “com o supremo e
tudo”, diante da objetiva omissão e conivência das Forças Armadas, a quem cabe
garantir o exercício de poderes constitucionais. De acordo com a Lei
Complementar nº 97/1999, Art. 1o “As Forças Armadas, constituídas
pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina,
sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais...”. No caso, estava evidente a
violência contra o Poder Executivo. Entretanto, o Exército teria estado
preocupado em monitorar o Movimento dos Sem Terra...
Retomo o assunto neste instante, após ler matéria veiculada
no jornal Folha de S. Paulo, que tem como título "Fui ameaçado pela PF
para fazer delação", diz dono do 'posto da Lava Jato' (Carlos Habib
Chater). Numa entrevista para o jornal, ele diz que o Brasil está combatendo
ilegalidades com ilegalidades. Queixa-se de que seu ex-gerente, ao perceber que
iria ficar mais tempo do que presumiu, resolveu fazer delações que, de tão
frágeis, nem o Ministério Público de Curitiba aceitou. Chater diz que a ameaça
partiu de um delegado da PF, o qual teria dito que o “envolveria com o
narcotráfico, que eu ficaria mais de 20 anos na cadeia, que me livraria [da
prisão] em uma semana caso eu dissesse quem eram os agentes público ou os
políticos que recebiam [propina]”.
Chater disse ainda ao jornal, que o tal delegado da Farsa
Jato percebeu que ele não faria qualquer delação. Diz que não teria quem
entregar, mas o delegado fez contra ele várias investidas, sempre afirmando que
caso não entregasse (alguém) seria enviado para um presídio, o que realmente
aconteceu. Acabou sendo recolhido no presídio de São José dos Pinhais. Segundo
ele, “Existe muitas coisas que aconteceram nos bastidores dessa operação que eu
diria ilegais, imorais, que ninguém sabe ou que pelo menos ninguém quer dar
ouvidos....” O grampo ilegal encontrado na cela dele, pasmem (!) teria sido
investigado por um dos suspeitos do grampo...
As ilegalidades e subterfúgios daquela operação, que para
muitos seriam simples especulações e ou deduções, aos poucos foram entrando em
cena. É o caso das denúncias de Tacla Duran, de que teria recebido de
procuradores da Farsa Jato, uma minuta de um acordo de delação, mas teria
desistido por ter de admitir crimes que não cometeu. Diz também que
procuradores da operação costumavam tentar influenciar os delatores a envolver
políticos. Como pano de fundo dessa minuta, haveria uma negociata, na qual um
advogado “amigo” do juiz Sérgio Moro receberia por fora R$ 5 milhões. Além
disso, denuncia fraudes em planilhas da Odebrecht, com aparente propósito de
incriminar pessoas, entre elas o ex-presidente Lula.
Há, portanto, fortes suspeitas de que o pretenso combate à
ilegalidade se dá mesmo fora da legalidade. A operação Farsa Jato, criada sob o
pretenso mote de combater à corrupção, na verdade teve alvos escolhidos dentro
de um calendário político para viabilizar o golpe de 2016. Visava e visa,
principalmente e de forma muito especial, tentar acabar com o Partido dos
Trabalhadores e destruir a imagem do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A
rigor permanece como farsa policialesca e ao mesmo tempo judicialesca. Grampos
ilegais, divulgação ilegal de grampos legais, ameaças, prisões ilegais
(tentadas ou consumadas), constrangimentos ilegais para obtenção de denuncias
contra aquele ex-presidente, sem contar as arbitrariedades contra o
ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, tido hoje como preso político da
democracia. Vacari foi absolvido duas vezes pelo TRF4 por falta de provas.
A rigor, o que se observa, é que parece ter razão quem disse
que os oficiantes daquela operação vivem na caça de delatores que confessem
crimes e ofereçam ao final a cereja do bolo, representada pela frase triunfal:
eu fiz tudo isso e Lula sabia de tudo. Desse modo, qualquer semelhança da Farsa
Jato com aquelas delegacias de quinta categorias, citadas lá em cima, não é
mera coincidência. Nelas, os presos após serem torturados chegam diante do
delegado e dizem: “Pois não, doutor. Diga o que o senhor quer que eu diga e
onde é que eu assino”.
GGN