O Uol presta um grande serviço à informação – infelizmente a
poucos dias apenas da eleição – recuperando a entrevista dada por Jair
Bolsonaro em 1993 ao The New York Times (cuja publicação original, em
inglês, pode ser conferida aqui).
Nela, o ex-capitão já anuncia seus planos para a tomada do
poder: a fujimorização do Brasil, com o fechamento do Congresso, demissão em
massa de funcionários e várias medidas autoritárias sob o argumento – velhinho,
não é? – de combater a corrupção.
Leia e tome consciência
do perigo que este país enfrenta.
Aplicando à política a ousadia que certa vez demonstrou como
paraquedista do Exército, o congressista Jair Bolsonaro mergulhou em um
território inexplorado poucas semanas atrás, quando subiu à tribuna da Câmara
dos Deputados e pediu o fechamento do Congresso.
“Sou a favor de uma ditadura”, gritou em um discurso que
sacudiu um país que só deixou o regime militar para trás em 1985. “Nós nunca
iremos resolver os problemas nacionais sérios com essa democracia
irresponsável.”
Falando mais tarde em seu escritório, um cubículo decorado
com memorabilia militar e uma grande bandeira brasileira, o esguio congressista
do Rio de Janeiro disse estar preparado para a reação que se seguiu: o maior
jornal do Rio, o Globo, publicou cartuns na primeira página satirizando-o como
um dinossauro de botas, e o presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio de
Oliveira, exigiu que a Câmara o cassasse de seu mandato.
Mas duas semanas depois, algo ainda mais interessante
aconteceu: o presidente da Câmara fez uma reviravolta abrupta e se reconciliou
publicamente com Bolsonaro. Estudante de opinião pública, o líder do Congresso
aparentemente leu as colunas de cartas dos jornais brasileiros.
“Em todo lugar que vou, as pessoas me abraçam e me tratam como um herói nacional”, afirmou Bolsonaro. “As pessoas nas ruas estão pedindo o retorno dos militares. Eles perguntam: ‘Quando você voltará?’ “
“Em todo lugar que vou, as pessoas me abraçam e me tratam como um herói nacional”, afirmou Bolsonaro. “As pessoas nas ruas estão pedindo o retorno dos militares. Eles perguntam: ‘Quando você voltará?’ “
Ele recebeu, disse ele, centenas de telegramas e telefonemas
de apoio, e disso ele extrai uma lição que obviamente acolhe. “As pessoas veem
a possibilidade da disciplina militar tirar o país da lama”.
Para deixar tudo claro, os superiores comandantes militares
reiteraram sua lealdade ao presidente Itamar Franco,um civil, e a maioria dos
colunistas de jornais acredita que o Brasil manterá seu calendário político,
que prevê eleições no próximo ano para presidente, representantes do Congresso,
governadores estaduais e legisladores estaduais. Mas para muitos defensores da
democracia brasileira, o fenômeno Bolsonaro representa uma luz amarela, um
sinal de que as pessoas estão impacientes com o fracasso da democracia em
conter a inflação e oferecer um estilo de vida melhor, e um aviso de que os
políticos autoritários estão ansiosos por aproveitar esse estado de
espírito e cultivá-lo.
O modelo de Fujimori
“Na época do regime militar, a economia crescia 6% ao ano,
você poderia comprar um carro em 36 meses”, disse Bolsonaro durante a conversa
em seu escritório. “Hoje, o país mal cresce 1% ao ano. A inflação é
intolerável”. “A verdadeira democracia é a comida na mesa, a capacidade de
planejar sua vida, de andar na rua sem ser assaltado”, continuou. De fato, uma
recente pesquisa de opinião pública em Recife, uma das cidades costeiras mais
pobres do Brasil, relatou que 70% dos entrevistados achavam que a comida era
mais importante do que a democracia.
Bolsonaro, que se formou na escola militar em 1973 (o ponto
central do último período do regime militar), tem agora 38 anos, um
congressista de primeiro mandato com cabelos negros desobedientes que caem
sobre a testa. De certa maneira, ele é apenas a mais recente encarnação da
longa tentação autoritária do Brasil; no último século, o país viveu sob um
regime democrático formal por apenas 25 anos. Mas há uma nova reviravolta.
Hoje, um modelo novo e menos odioso para o autoritarismo latino-americano
surgiu no presidente do Peru, Alberto Fujimori.
Diante do impasse no Congresso no ano passado, Fujimori, um
civil, ordenou ao Exército do Peru que fechasse o Congresso do país e seus
tribunais. Um ano depois, Fujimori governa apenas uma Câmara no Congresso,
obediente. “Eu simpatizo com Fujimori”, continuou o congressista brasileiro.
Cirurgia política, continuou Bolsonaro, envolveria o
fechamento do Congresso por um período de tempo definido e permitiria que o
presidente do Brasil governasse por decreto. A justificativa para uma ruptura
constitucional, disse ele, seria a “corrupção política” e a inflação do Brasil,
que agora está em 30% ao mês.
Com o Congresso muitas vezes travado em batalhas entre seus
21 partidos, a imprensa do Brasil tem demonstrado um fascínio crescente com o
modelo de Fujimori. No mês passado, jornais, revistas e programas de notícias
televisivas brasileiros realizaram longas entrevistas com o líder peruano.
“Fujimori colocou 400 mil funcionários públicos na rua”,
afirmou Bolsonaro. “Como poderíamos fazer isso aqui?”
Quando detiveram o poder nas décadas de 1960 e 1970, as
Forças Armadas brasileiras expandiram vastamente o setor estatal do Brasil,
implantando uma confusão de empresas estatais e monopólios. Hoje, disse
Bolsonaro, os líderes das Forças Armadas preferem trazer o Estado de volta ao
básico: defesa, educação e saúde.
“Eu voto em todas as leis de privatização que posso”, disse
Bolsonaro. “É a esquerda que se opõe à privatização. Eles só querem preservar
seus empregos no governo”.
A trilha da campanha
Sua campanha não se limita ao Congresso. Ele também circula
de cidade em cidade, levando sua receita de mudança autoritária para públicos
que são ostensivamente compostos por reservistas e aposentados militares. “Eu
só viajo para cidades militares”, disse ele. “Não estamos conspirando, porque
não há agentes ativos presentes.”
Defensores da democracia suspeitam que há algo mais sinistro
acontecendo fora da vista do público. Essas viagens são anunciadas como simples
esforços para lançar as candidaturas de um bloco de candidatos militares de
reserva de 12 A Fujimorização é a saída para o Brasil. Estados nas eleições do
próximo ano para o Congresso. Todos os candidatos concorrem em listas
controladas pelo partido de Bolsonaro, o Partido Progressista Reformador (PPR).
Na conversa, Bolsonaro previu que a opinião popular apoiaria
esmagadoramente a suspensão do Congresso. Nesse estágio, isso pode ser apenas
uma ilusão –outros acham que o país está perto de um consenso para o regime
militar– , mas reflete um fato básico da vida política: qualquer restauração do
regime militar só seria possível com civis sólidos. Apoio, suporte. Isso porque
as Forças Armadas brasileiras somam 300 mil membros, o que dificilmente é
suficiente para controlar uma nação continental de 150 milhões de habitantes
apenas pela força.
Até agora, o presidente Itamar Franco descartou
categoricamente qualquer ambição de ser um Fujimori brasileiro e se refere a
campanhas como a de Bolsonaro como golpes de Estado incipientes. No entatno,
Bolsonaro pode se inspirar em reportagens de jornais sobre reuniões fechadas
entre empresários de São Paulo e oficiais do Exército, e na publicação de
outdoors em uma favela do Rio de Janeiro protestando contra a alta taxa de
sequestro do Rio e terminando com o apelo direto: “Forças Armadas, assumam o
Poder”.
Em outras palavras, se está certo ou não, Bolsonaro acredita
que o tempo está agora do seu lado. Ele está convencido de que em outubro os
brasileiros enfrentarão o fracasso dos esforços anti-inflacionários de
Fernando Henrique Cardoso, o quarto ministro da Fazenda do Brasil em um ano.
Enquanto isso, ele diz: “Estou arando os campos”.
Tradutor: Thiago Varella
Tijolaço