O estilo camaleão sempre foi uma
tecnologia dos políticos, especialmente em períodos de grandes transformações.
Confira a destreza de José Sarney ou Antônio Carlos Magalhães, baluartes do
regime militar, tornando-se democratas desde criancinha no alvorecer da Nova
República.
Não é exercício banal. Exige
conhecimento histórico, discernimento, intuição, senso de oportunidade e
coragem. Senão, vira pó.
À medida em que o Judiciário vai se
articulando como partido político, esse estilo passa a ser assimilado por
alguns de seus próceres, que passam a se comportar como coronéis da
Constituição, administrando seu latifúndio de acordo com os ventos do momento.
Nenhum caso é mais significativo do
que do Ministro Luis Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal). Toda
sua carreira dependeu do Estado, do curso de direito na UERJ (Universidade Estadual
do Rio de Janeiro), ao cargo de procurador do Estado do Rio de Janeiro, que
acumulou com uma banca de advocacia bem sucedida.
Em um tempo em que as teses
humanistas estavam em voga, fez um belo investimento em sua imagem, atuando pro
bono (sem honorários) em casos de grande repercussão no STF. É só conferir seu
perfil na Wikipedia para se ter uma ideia do alto retorno de imagem que obteve.
Tornou-se conhecido por seu trabalho
acadêmico voltado ao direito público, bem como por sua atuação como advogado em
casos de grande repercussão perante o STF, taiscomo a defesa da pesquisa com
células tronco embrionárias e da união entre pessoas do mesmo sexo. Além de
exercer a advocacia desde 1981, foi também procurador do Estado do Rio de
Janeiro desde 1985 até sua indicação para o cargo de ministro do STF pela
presidente Dilma Rousseff em 2013.
Quando os ventos mudaram em direção à
direita, depois de alguns suspiros de respeito à Constituição, Barroso deu
início à sua rumba.
No início, foi meio light, cavalgando
a bandeira do empreendedorismo. Em qualquer voto, tratava de incluir um
parágrafo atribuindo os malfeitos ao Estado e a salvação ao empreendedorismo.
Mesmo que o caso analisado não tivesse a menor relação com o tema.
Aí, se deu conta de que a grande
corneta era a Lava Jato. Tratou de deixar as firulas econômicas de lado e
transformar-se em um anjo vingador, lançando dardos retóricos contra os ímpios,
e transformando a ação penal em instrumento de “refundação” do país.
Mas não dava para mudar de feijoada
para comida vegana sem uma boa nota de rodapé. E Barroso decidiu se transformar
em pensador social. Foi encantador acompanhar esse desfraldar sociológico de
Barroso, seu deslumbramento quando descobriu a palavra “empoderamento” e quando
passou a recitar lugares-comuns capturados nas orelhas das brasilianas.
Descreveu o jeitinho brasileiro,
descobriu a malandragem das empregadas domésticas, saudou seu colega Joaquim
Barbosa, o negro que deu certo. E indignou-se, indignou-se, indignou-se
repetidamente, reiteradamente, com a corrupção vigente. A cada brado de
indignação, despertava rugidos dos pitbulls do MP, do Judiciário, da Polícia
Federal e da malta, os brutos que habitam a alma do povo em qualquer tempo da história,
e saem às ruas espalhando destruição assim que se rompem as amarras
institucionais do país. E Barroso prosseguia no seu trabalho de desconstrução
das instituições, tirando um parafuso da porta, quebrando o cadeado, tirando as
algemas legais das bestas.
Seu apogeu foi quando descobriu o
termo “refundação”. Ninguém segurou mais. Refundava o Brasil em cada palestra,
em cada entrevista na Globonews.
Ele, advogado de grandes corporações,
parecerista em defesa do amianto, com um escritório que oferecia serviços tipo
textos de anteprojetos para serem apresentados naquele lupanar chamado
Congresso Nacional pelos lobistas bancados por seus clientes, indignou-se como
uma donzela pudica em uma sauna masculina.
Mas assim como os políticos dos
partidos, os políticos do Judiciário não podem ficar só no discurso negativo.
Há a necessidade de um final feliz, um prá frente Brasil. Barroso desenvolveu,
então, o mote da bonança depois da tempestade. O quadro atual é feio, mas é
prenúncio de um futuro radioso. Pois, como disse Norberto Nobbio, quando o
passado morreu e o futuro ainda não nasceu o cenário fica momentaneamente ruim.
Não havia nenhuma indicação de
melhora, pelo contrário. A cada dia, piorando. A coisa tá ficando feia,
Ministro. Pois é, quanto mais feia, mais radioso o futuro que nos espera. E a
besta ganhando o formato de um capitão da reserva...
Aí ele emendava com votos de fé no
Brasil. Afinal, foi um país que venceu a hiperinflação e conseguiu reduzir a
miséria pode tudo. Nem adiantava pontuar que todos os instrumentos de combate à
miséria estão sendo eliminados pelo governo que ele ajudou a colocar no poder e
por uma lei do teto, que ele ajudou a legalizar. E o país voltou a conviver com
manchas de fome crônica.
Até que chega o fator Bolsonaro. Ou
seja, depois da tempestade, anuncia-se um terremoto de proporções ciclópicas. A
cada dia que passa, a cada aumento da ameaça Bolsonaro, mais nítido fica sendo
o papel de Barroso, de estimulador do discurso de ódio e de desacato a
princípios básicos de direito. Até os mais lerdos já conseguem entender
relações claras de causalidade entre o discurso de legitimação do Estado de
Exceção, de Barroso, e o caos político que o país passou a enfrentar.
Como é que o nobre Barroso vai dar o
salto tríplice, agora?
Na posse de Dias Toffoli na
presidência do Supremo, via-se um Barroso, claramente derrubado, repetindo pela
enésima vez o discurso anticorrupção. O escultor ficou prisioneiro da escultura
que modelou para si. Dorian Gray finalmente conseguiu se enxergar no espelho.
Não mais o bravo constitucionalista
defensor das grandes causas – imagem que Barroso construiu para si, com a
habilidade de um marqueteiro. Mas apenas o boquirroto envelhecido, temendo o
momento decisivo, em que irá parar na frente do Alvorada balbuciando slogans
incompreensíveis, até que Bolsonaro mande um guarda tirar aquele chato dali.
No segundo turno haverá muita gente
torcendo pela derrota do bolsonarismo. Nenhuma com o fervor de Barroso, em
pânico com o bebê de Rosemary que ele, Barroso, colocou no mundo.
GGN