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sábado, 6 de julho de 2019

SERRA, O CULTIVADOR DO ÓDIO QUE FOI DESTRUÍDO PELO MEDO, POR LUIS NASSIF

Espalhava o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.

José Serra sempre foi um político que cultivava o ódio como forma de dominar o  medo. Era implacável nos bastidores. Inaugurou a era dos dossiês, cooptando procuradores, delegados da Polícia Federal e empresas de arapongagem. Não poupou ninguém, nem adversários, como Lula, nem competidores políticos, como Roseana Sarney, nem aliados como Paulo Renato de Souza.
Espalhava o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.
Ao mesmo tempo, era um político extraordinariamente inseguro. Nas crises políticas mais agudas, como no episódio das enchentes em São Paulo, ou na crise econômica de 2008, sumia.
Como governador, colocou a polícia para reprimir estudantes da USP. Quando a Polícia Civil cercou o Palácio dos Bandeirantes, pleiteando benefícios de aposentadoria, imediatamente chamou os líderes do movimento e concedeu muito mais do que pediam, ele que fez fama como fiscalista enérgico.
O mesmo ocorreu quando associações empresariais e de trabalhadores pediram audiência e ele se recusou a atender, em plena crise de 2008. Ambos ameaçaram acampar na frente do Palácio e imediatamente foram recebidos.
Fui uma das pessoas iludidas por ele. Voltou do exílio, ex-presidente da UNE, avalizado por um livro em parceria com Maria da Conceição Tavares. Em plena ditadura, um grupo de jornalistas econômicos conseguíamos superar os vetos dos jornais, inserindo reportagens e entrevistas com ele e outros economistas dito progressistas.
No poder, gradativamente foi revelando seu lado obscuro, os dossiês, os ataques implacáveis contra adversários, os sinais exteriores de riqueza, o pouco empenho no trabalho. E, ao mesmo tempo, demonstrando um incrível desconhecimento da economia e de temas relevantes para qualquer ministro ou governador, nos cargos que ocupou.
Saiu-se bem como Ministro da Saúde pelo bom senso de segurar no Ministério alguns personagens históricos do movimento sanitarista, que deram sequencia aos estudos para a implementação dos genéricos. Ao mesmo tempo, envolveu-se em casos malcheirosos, como o da inviabilização da Biobras para beneficiar um concorrente estrangeiro.
O primeiro a me apontar esse despreparo foi Gustavo Franco, que terçou algumas armas com ele na época do Real e se disse surpreso com o grau de ignorância de Serra.  Aí foi caindo a ficha sobre seus artigos e sobre os ghost-writers a quem ele recorria. E sobre sua estratégia ilusionista. Cada vez que um jornalista publicava algum artigo sobre tema novo, Serra telefonava e comentava o artigo como se fosse conhecedor do tema, mesmo sem ter a mínima noção alem do que saia publicado. Admito que era um recurso de retórica eficiente, ao qual recorria também Fernando Henrique Cardoso.
Na campanha de 2010, escancarou definitivamente sua falta de escrúpulos e de princípios. Foi o principal responsável pelo uso dos temas morais na política, ao acusar Dilma de “assassinar” crianças, por sua defesa do aborto em casos específicos, um discurso de ódio como ainda não se ouvira nas campanhas eleitorais, destruindo definitivamente a herança social-democrata do PSDB. E rasgou definitivamente a fantasia com o jogo de cena da bolinha de papel.
Dali em diante mergulhou em direção ao submundo. De seus aliados, passou a exigir provas de lealdade, que consistiam em perpetrar atos abomináveis para serem aceitos pelo cappo.
No impeachment, mostrou mais uma vez seu oportunismo, estimulando o golpe, as passeatas e aceitando o cargo de Ministro das Relações Exteriores, de Michel Temer.
Até que a Lava Jato atravessou seu caminho. E ali, o implacável Serra foi tomado de medo pânico, pavor mesmo, similar ao sentimento que acometia as inúmeras vítimas que deixou pelo caminho, fuziladas por dossiês e por manchetes de veículos inescrupulosos.
Sua vasta rede de alianças, no Ministério Público, no Supremo, conseguiu blindá-lo até agora. Mas não o livraram do terrível sentimento do medo, especialmente depois da informação que o Ministério Público suíço havia identificado depósitos na conta de sua filha. Não confiou na blindagem proporcionada por Raquel Dodge.
Somatizou o medo, passou a enfrentar problemas de coluna, atolou-se em remédios e mais remédios, foi se tornando cada vez mais ausente nas reuniões, nas sessões do Senado, nas reuniões sociais. Hoje é uma sombra que se desmancha irreversivelmente.
O político terrível foi destruído pelo medo. Mas deixa uma herança pesada, como um dos principais artífices das guerras viscerais que destruíram a democracia brasileira.
Do GGN

segunda-feira, 4 de março de 2019

XADREZ DE COMO O SISTEMA JUDICIAL ALIMENTOU O FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Nos últimos anos foram publicados diversos livros traçando uma radiografia do fascismo na história, identificando os pontos de partida, a incapacidade da sociedade de se dar conta da escalada até o movimento se tornar irreversível e promover tragédias nacionais.
Esse padrão aconteceu nitidamente no Brasil, no período que antecedeu a ascensão dos Bolsonaro ao poder.
As etapas principais desse processo têm como protagonistas o sistema judicial.
Peça 1 – a desorganização dos sistemas de informação
Antes do advento do rádio, a informação e a opinião eram organizadas em torno de partidos políticos, sindicatos, Igrejas. A chamada opinião pública difusa se expressava através de jornais, de posições políticas claras e com corpo restrito de opinadores.
Com o rádio, houve uma explosão de novas formas de opinião. A velha ordem se esboroa e, em seu lugar, entra o caos abrindo novas possibilidades políticas, das quais se valem novas lideranças e novos atores.
Assim como nos anos 20, a recente onda fascista global foi precedida pela desorganização do mercado de opinião com as novas tecnologias de informação e a explosão das redes sociais.
Peça 2 – o papel da Veja e de Roberto Civita
No caso brasileiro, há um fenômeno que acelerou a radicalização: o papel da mídia, liderada por Roberto Civita e pela Veja que, a partir de 2005, inaugura o jornalismo de esgoto, a guerra implacável contra um inimigo fabricado, com uso recorrente de fakenews embalados pelo discurso de ódio, seguindo o modelo do australiano Rupert Murdok.
As bestas das ruas começam a ser alimentadas pela própria cobertura midiática.
Nesse início de processo, o grande modelo do novo-velho jornalismo que emerge foi Olavo de Carvalho. É nele que os primeiros cultivadores de ódio da mídia vão se espelhar, na adjetivação virulenta, nos bordões, nos alvos da esquerda, nos métodos de manipulação dos argumentos.
Nao adianta pretender minimizar sua atuação. Desde os anos 90, ao lado das igrejas evangélicas, foi o único agente político com visão de futuro, percebendo os movimentos subterrâneos que se formavam e entendendo o papel fundamental da formação política para o enfrentamento de ideias. Algo do qual PT, PSDB, Igreja Católica abdicaram. Sem recorrer aos recursos da salvação divina, Olavo conseguiu dar vida a um mundo anti-científico, supersticioso, vingativo que, cooptando um exército de zumbis, o transformou no brasileiro mais influente do seu tempo
Peça 3 – o ovo da serpente do mensalão
A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Ali inaugura-se a aliança Judiciário-mídia que aniquila com os limites impostos pelos códigos e pelos princípios de direito individual, que sustentavam o pacto democrático pós-Constituinte de 1988. Nos anos seguintes, essa invasão dos bárbaros, demolindo qualquer vestígio de civilização, encontraria sua mais perfeita tradução no corneteiro Luis Roberto Barroso anunciando o novo Iluminismo, a refundação do país, enquanto bigas selvagens esmagavam direitos, rasgavam a Constituição e demoliam o custoso trabalho de reconstrução social pós-Constituinte.
Com todas suas manipulações, a Lava Jato chegou a fatos concretos, de corrupção e de financiamento de campanha. Já o “mensalão” se baseou em provas falsificadas, manipuladas pelo trio Souza, Gurgel e Barbosa: o suposto desvio de R$ 75 milhões da Visanet, que nunca ocorreu, e a manipulação da chamada teoria do domínio do fato, provocando a indignação do seu próprio autor, o alemão Claus Roxin.
Antes da Lava Jato, um parecer da Pinheiro Neto, dos maiores escritórios de advocacia do país, atestou que a verba da Visanet havia sido totalmente aplicada nas campanhas do cartão. Posteriormente, um relatório técnico da Polícia Federal confirmou o fato.
Em determinado momento, tentou-se centrar o desvio na chamada “bonificação de volume” – sistema criado pelos grupos de mídia para remunerar agências de publicidade pelas campanhas divulgadas. Quando se constatou que o maior beneficiário das campanhas da Visanet eram as Organizações Globo, voltou-se ao mote original.
Ali ficavam claras as intenções da própria cúpula do Ministério Público Federal de começar a manipular investigações e denúncias para se firmar como poder político de cunho conspiratório. E conferia-se a falta de tradição democrática e institucional do país. A semente do golpismo já estava entranhada na corporação, e não apenas nos Ailton Beneditos da primeira instância.
O ovo da serpente foi gestado naquele julgamento. Uma leve exceção no punitivismo do Supremo, a discussão dos embargos infringentes, fez com que a mídia direcionasse o ódio do populacho contra o Ministro Ricardo Levandowski
Todo o know futuro de parceria com a mídia, do discurso diuturno do ódio, da sincronização da escandalização com eventos políticos, visando interferir nas eleições municipais, de manipulação das leis, das teorias jurídicas, do código penal, de intimidação dos recalcitrantes, foi testado naquela julgamento. Tudo isso potencializado pela cobertura intensiva das audiências do STF, revelando personagens toscos e deslumbrados, como o então presidente do STF Ayres Brito, e a  submissão da corte aos urros da rua. Ali se formatava o direito penal do inimigo.
Antônio Fernando de Souza aposentou-se da PGR ganhando um mega contrato de advocacia com a Brasil Telecom, de Daniel Dantas, personagem que ele livrou do “mensalão”, ao atribuir o financiamento de Marcos Valério aos desvios da Visanet. Abria-se, pelo exemplo e pela blindagem, um caminho que seria seguido no futuro por outros colegas: o de se valer do trabalho no MPF para abrir novas oportunidades profissionais.
Como instituição que defende a revisão da Lei da Anistia e a Justiça de Transição, aguarda-se ansiosamente o momento em que a PGR e o MPF joguem luz sobre esses episódios em uma futura comissão da verdade. O MPF foi peça central no desmonte da democracia brasileira. E o STF o convalidador, ao abrir mão de sua responsabilidade de defender a Constituição e as leis.
Peça 4 – a trégua do sucesso de Lula
A crise mundial de 2008 promoveu uma trégua na guerra interna. Paradoxalmente o Brasil foi beneficiado. A crise promoveu uma desvalorização cambial que segurou a escalada desastrosa de apreciação do real no segundo governo Lula. Pelo rumo dos déficits comerciais, não fosse a crise, a crise externa explodiria antes do final do ano
Ao mesmo tempo, eclodiu em toda intensidade uma até então impressentida genialidade política de Lula. A condução que deu ao combate à crise, a maneira como se conduziu nas negociações internacionais, lideradas por Celso Amorim, o pacto social que juntou grupos empresariais, mercado e movimentos sociais, deram ao país um protagonismo inédito no mundo e transformaram Lula no estadista mais respeitado do planeta. Durante algum tempo, passou-se a ilusão de que o país finalmente se civilizara, que a política se equilibraria entre a centro-esquerda e a centro-direita, sem movimentos radicais, como nas democracias europeias (que se supunha) consolidadas.
Mas o antipetismo crescia e estava claro, para quem tinha olhos para ver – não foi o caso nem de Lula, nem do PT, nem de Dilma – que, ao primeiro sinal de crise, se colocaria em marcha, novamente, a máquina de desestabilização política inaugurada pelo “mensalão”.
De certo modo, o “mensalão” foi uma benção, um alerta sobre as vulnerabilidades jurídicas e políticas do governo e do PT. Mas o sucesso posterior do governo Lula cegou o governo.
Peça 5 – a Lava Jato e o impeachment
A Lava Jato já foi suficientemente esmiuçada nos últimos anos. Desde as manipulações de delações, de sentenças, como foi o caso do TRF4 aumentando a pena de Lula para impedir a prescrição.
Nesse ponto, o fascismo encontrou sua mais perfeita tradução na bandeira anticorrupção. O antipetismo foi tão virulento e cego que permitiu o desmonte da engenharia brasileira, a eliminação de centenas de milhares de empregos, o aprofundamento visceral da crise, que já vinha sendo alimentada pela queda nos preços das commodities e pela gestão econômica desastrosa de Dilma Rousseff, e na implantação da chamada democracia mitigada – uma imagem suave para o estado de exceção implantado no país. O impeachment arrebentou definitivamente com a ordem constitucional, tendo como pontas de lança cristãos novos do estado de exceção, como Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, um PGR, Rodrigo Janot, que lisonjeava o PT, enquanto poder, e que se tornou rapidamente seu algoz quando os ventos mudaram.
Àquela altura, o Judiciário já tinha mostrado sua verdadeira cara. A proliferação de novos partidos e a radicalização nas redes sociais ganharam adeptos em todo o sistema judicial. Assim como nos movimentos de rua, o proselitismo, as redes sociais, os grupos de WhatsApp desnudaram uma corporação com instintos tão primários quanto as massas ululantes.
Uma pesquisa, ainda hoje, mostraria uma maioria assustadora de juízes, desembargadores e procuradores alinhados com o bolsonarismo, mesmo com as demonstrações diárias de um movimento moralmente doentio, politicamente ameaçador, como foi o fascismo italiano e as primeiras movimentações do nazismo.
A pá de cal na democracia veio com o esvaziamento programático do PSDB e sua adesão ao discurso de ódio, através das manifestações, especialmente, de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves e Aloysio Nunes. Ali ocorreu um processo de autodestruição da segunda perna na qual se sustentava o sistema partidário.
Peça 6 – a custosa redenção
Por outro lado, a visão da bocarra sinistra do bolsonarismo, suas sucessivas declarações de guerra à mídia, o corte nas verbas publicitárias e o hálito peçonhento, imoral, doentio, somado à derrota do petismo – esvaziando o álibi do antipetismo – permitiu um relaxamento na ordem unida.
A extrema crueldade com que a mídia tratou o casal Lula, com a casa invadida, a cama revirada, a condução coercitiva, a própria morte de Mariza Silva, de repente foi substituída por uma reação contra as manifestações indignas dos bolsonaristas, a começar do filho Eduardo, no recente episódio da morte do neto de Lula.
Antes disso, a mídia de opinião começou a permitir gradativamente manifestações progressistas de alguns jornalistas. A razão era simples. O público viciado em violência, que ela ajudou a construir, estava definitivamente nas mãos das redes sociais. Restava-lhe voltar ao público mais seletivo, consumidor de opiniões plurais e civilizatórias.
Aliás, é curioso como se dá esse endosso tácito a uma opinião relativamente mais plural. Os jornais começam a se permitir notas críticas, em relação ao pensamento selvagem dos Bolsonaro, manifestações tímidas em relação aos abusos contra direitos humanos. Os primeiros jornalistas saem da toca e passam a inovar no discurso da última década – defendendo temas civilizatórios. A repercussão motiva outros jornalistas. E, assim, tenta-se voltar ao pluralismo dos anos 90, em um momento em que o modelo jornal está em crise mundialmente.
O que virá daqui por diante é uma incógnita.
Não haverá saída fora da pacificação da sociedade brasileira. E a pacificação passa pelo fim da perseguição implacável a Lula. Trata-se de questão central, que jamais será abraçada pelo bolsonarismo.
O movimento civilizatório é crescente. Não se sabe se a ponto de encorajar o STF a colocar um fim na perseguição a Lula. Recorde-se que na reunião de Bolsonaro com os chefes de outros poderes, para discutir a crise venezuelana, os dois únicos endossos partiram do inenarrável David Alcolumbre, presidente do Senado, e de Dias Tofolli, presidente do STF. Nem os militares, nem Rodrigo Maia, presidente da Câmara, apoiaram a aventura.
Não se tenha dúvida de que o país precisará bater no fundo do poço, antes de começar o rearmamento moral – assim como a humanidade só encontrou um período de paz relativamente mais duradouro depois do desastre da Segunda Guerra e do nazismo.
A dúvida é sobre o tempo para se atingir o fundo do poço. Os Bolsonaro parecem uma cloaca sem fundo.
PS – Devido ao seu comportamento recente, de defensor relevante e corajoso do estado de direito e das garantias individuais, deixo de mencionar o papel central de Gilmar Mendes no período anterior.
GGN

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

SUÍÇA ENVIA DOCUMENTOS DE R$ 43,2 MILHÕES DE TUCANO SOBRE CAMPANHA DE SERRA EM 2010

Campanha de José Serra em 2010 - Foto: Arquivo/Divulgação 
Não era apenas o ex-diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), Paulo Vieira de Souza, reconhecido como o operador de propinas do PSDB e também chamado de Paulo Preto, o único tucano que mantinha milhões em contas ocultas na Suíça. O ex-deputado, ex-presidente do PSDB do Rio de Janeiro (1993) e empresário Ronaldo Cezar Coelho admitiu que recebeu 6,5 milhões de euros para atuar na campanha de José Serra à Presidência em 2010. Mas os montantes de todo o esquema poderiam ultrapassar R$ 43,2 milhões. 
A informação não é de agora, mas o nome do empresário estava mantido em sigilo. O correspondente Jamil Chade, do Estadão, revelou ainda em abril o teor do depoimento do empresário à Polícia Federal, admitindo o recebimento da quantia. Agora, as autoridades suíças repassaram todos os documentos e detalhes sobre as contas do empresário para integrar a investigação, que avança em segredo de Justiça, contra o financiamento da campanha de José Serra em 2010. 
Essa cooperação do Brasil com a Suíça vem sendo mantida desde 2014, a comando do procurador-geral do país europeu, Michael Lauber. Em um primeiro momento, estava na mira o ex-diretor da Dersa. No caso relacionado a Paulo preto, provas bancárias também foram enviadas pelos investigadores suíços, apontando R$ 113 milhões em contas ocultas no país.  
Na investigação do considerado operador do PSDB a entrega das provas ocorreu de maneira espontânea pela Suíça, não partindo de um pedido do Ministério Público Federal brasileiro. Até então, Paulo Preto tentava evitar esse envio de comprovantes, desde 2017, o que foi negado pela Suprema Corte da Suíça há dois meses. 
Por outro lado, os investigadores suíços informaram ao repórter Jamil Chade que ambos casos não são uma continuidade, mas apurações separadas. Apesar da relação de Paulo Preto com caciques tucanos, como o próprio José Serra, a investigação do empresário Ronaldo Coelho é direta para acusar irregularidades e esquema de corrupção envolvendo o financiamento de campanha de Serra ao Planalto, em 2010. 
De acordo com os cálculos dos suíços, que bloquearam ativos em contas identificados no país desde 2017, as quantias chegariam a R$ 43,2 milhões, o "equivalente a mais de 10 milhões de francos suíços, valor total pago em uma base de corrupção entre 2006 e 2012", informaram as autoridades daquele país. 
Deste total, alguns repasses ocorreram no valor de R$ 6,25 milhões e outros atingindo 3,75 milhões de euros, entre os anos de 2009 e 2010. A resposta dada pelo empresário sobre essas quantias foi que estes depósitos teriam relação aos gastos de aviões que ele emprestou para a campanha do PSDB à Presidência há oito anos. E o dinheiro seria um "reembolso" do partido pelas viagens a jatos.  
Mas os todos os documentos e comprovantes das quantias foram enviadas agora pela Suíça ao Brasil, para que os procuradores brasileiros prossigam com a investigação sobre o financiamento supostamente ilegal da campanha de José Serra. Ao repórter, o tucano não respondeu. 
GGN

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O Xadrez do PSDB, um partido à procura de rumo, por Luis Nassif

Peça 1 – O fim da era dos economistas tucanos
A tentativa do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, de produzir uma atualização dos princípios do partido, provocou revolta no grupo dos financistas que empalmou o discurso do partido desde o plano Real.
A saída de Tasso Jereissatti da direção do partido havia tirado o último elo de ligação com a Casa das Garças.
Presidido por José Aníbal, o ITV deu satisfações a Edmar Bacha e ignorou as críticas de Elena Landau, por irrelevantes, entendendo que ela apenas queria valorizar sua saída do PSDB.
​A saída dos economistas preenche uma lacuna. Agora, haverá espaço para o partido pensar o país sistemicamente.
A questão é o que será colocado no lugar. Não será tarefa fácil. 15 anos fora do poder, sob o comando de lideranças sem capacidade de formulação – como Alckmin, Serra, FHC e Aécio – o partido murchou intelectual e programaticamente.
A tentativa de montar um programa, em todo caso, ajudará a dar um pouco mais de consistência às discussões e ao discurso monotemático, preso a um antipetismo tosco.
Peça 2 – o fator Geraldo Alckmin
A autodestruição de João Dória Jr consolidou a imagem que se tinha de Geraldo Alckmin, do político habilidosíssimo na arte da não tomada de posição. Ele se locomove silenciosamente entre as brigas partidárias, recusa os grandes lances políticos, não entra em bola dividida e tem enorme objetividade na construção das alianças com o poder.
Quando Lula foi eleito, havia receios de que estivesse nascendo o PRI (Partido Revolucionário Institucional) brasileiro – o partido que logrou controlar todos os sistemas de poder no México.
Hoje em dia, São Paulo é o melhor exemplo da estratificação política do PRI. Alckmin conseguiu manter sob estrito controle a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público Estadual e a PM. O aparelhamento ocorreu em todos os setores, da TV Cultura à Fundap, desperdiçando o enorme potencial intelectual disponível nas instituições públicas paulistas. É impressionante sua capacidade de promover um desmonte silencioso do Estado, sem que ninguém se pronuncie.
Ao mesmo tempo, representando o partido que transformou a gestão em palavra de ordem, não se conhece dele uma política inovadora, uma modernização administrativa. Mesmo sendo governador do Estado mais avançado, dispondo das corporações mais modernas e das instituições mais reputadas.
Recentemente, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) emitiu uma resolução definindo a faixa litorânea a ser respeitada em todo o litoral brasileiro. O único estado que se insurgiu foi São Paulo através justamente da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Houve reação do Ministério Público Federal e Estadual. Agora a Cetesb provocou o Conama para revisar resoluções anteriores e flexibilizar para o país inteiro.
Trata-se de um escândalo considerável que, como tudo o que sai de Alckmin, passa ao largo da fiscalização da mídia.
Mesmo assim, com ou sem Lula a Lava Jato e a mídia terão de redobrar esforços para conferir um mínimo de competitividade a Alckmin nas próximas eleições presidenciais. Principalmente com a tendência de que se torne o candidato de Michel Temer.
Peça 3 – o governo de São Paulo e o fator Serra
Se no plano federal o PSDB será pouco competitivo, no plano estadual o único trunfo com que conta é o antipetismo exacerbado. E nada mais.
Para as próximas eleições para governo do Estado, sabe-se quem não será: José Serra e João Dória Jr. Pelo menos se depender das lideranças históricas do partido. Mas não se sabe quem será.
Serra se tornou um eremita, confinado em seu apartamento de São Paulo, enfrentando alguns conflitos familiares. No auge da pressão da Lava Jato internou-se no Sírio Libanês. Quem se encontrou com ele se surpreendeu com frases desconexas, como no famoso episódio dos BRICS (em que ele não conseguia identificar os cinco países). Depois, se constatou que era apenas paúra da boa, pavor da Lava Jato, que o fez inclusive abrir mão do cargo de Ministro de Relações Exteriores.
Quando Gilmar Mendes conseguiu matar a bola no peito, Serra recobrou a calma. Mas é considerado carta fora do baralho, inclusive por antigos seguidores que o têm aconselhado a se contentar com mais quatro anos de Senado. Na cúpula do partido, já existe um acordo tácito de não permitir que Serra se aproxime de nenhum documento relevante, ou de qualquer reunião fechada, pois sabe-se que no dia seguinte a informação estará nos jornais.
Hoje em dia, Serra perdeu seu maior trunfo político: a capacidade de produzir dossiês contra adversários, que recebiam ampla acolhida na mídia. Os poucos jornalistas aliados apenas ajudarão a mitigar as denúncias que ainda brotarão da Lava Jato.
Seu trabalho no Senado para as petroleiras talvez seja seu canto de cisne no lobby de alto coturno. Daí seu esforço para entregar a encomenda.
Peça 4 – o fator João Dória
João Dória Jr se tornou um caso raro de unanimidade partidária negativa dentro do PSDB e ajudou no renascimento político de Alberto Goldman. Sua crítica a Dória, beneficiada pela reação desastrada do criticado, alçaram Goldman à condição de voz referencial do partido em São Paulo.
Já Dória conseguiu incorrer em todos os mandamentos do político desastrado: deslealdade com os padrinhos políticos; ambição desmedida; discurso desconexo; descaso com a prefeitura; professor de Deus em qualquer matéria; imprudência nos factoides, a ponto de endossar ração para crianças.
É tanto desastre simultâneo que, na cúpula do partido, ele se tornou objeto de avaliações psicológicas.
É possível que surja um outro nome para o governo do Estado. Certamente Jose Anibal está se colocando em campo. Poderá até juntar novas ideias ao programa, mas dificilmente conseguirá definir a palavra de ordem, a plataforma.
Peça 5 – o espaço para o tertius
As próximas eleições serão uma com Lula, outra sem Lula. Com Lula, não haverá espaço para novos candidatos do centro-esquerda e esquerda. Será favorito absoluto para presidente. Daí a pressa da Lava Jato e dos desembargadores do TRF-4 de acelerar os processos e tentar tirá-lo do jogo.
Há manobras alternativas, como o tal semipresidencialismo, seja lá isso o que for.
Sem Lula, abre-se um amplo espaço para o outsider.
Conforme muitos analistas, começando a campanha o fenômeno Bolsonaro murchará. Dependendo da solução encontrada pelo PT, haverá espaço para crescimento de Ciro Gomes.
A ideia de que se fortalecer o tal centro democrático esbarra na falta de lideranças efetivas desse centro, e na radicalização do discurso político que impede qualquer convergência de propostas em muitas políticas que, slogans à parte, já são quase consenso nos meios técnicos.
Nos últimos dias, houve algumas tentativas de se mostrar a continuidade dos avanços no Brasil nos governos FHC, Lula e Dilma. Mas a retórica de guerra, insuflada pela mídia, ainda impede qualquer lufada de bom senso.
GGN

terça-feira, 29 de agosto de 2017

O jogo de cena da Lava Jato com José Serra, por Luís Nassif

Muitos se surpreenderam com o fato do algoritmo do STF (Supremo Tribunal Federal) ter sorteado o processo do senador José Serra (no caso da delação da JBS) para a Ministra Rosa Weber, e não para os indefectíveis Gilmar Mendes ou Alexandre de Moraes.

Teria o algoritmo falhado miseravelmente em hora tão delicada?

Não. O algoritmo continua bem azeitado. E a maior prova é o fato de Serra ter emergido das sombras onde se oculta sempre que o medo bate, e voltado a falar, querendo pegar carona na bandeira do parlamentarismo.

No período de maior pressão, chegou a circular até o boato de que Serra estaria sendo vítima de doença terminal, tal o nível de abatimento do valente ao pressentir a viola em cacos. Uma das características da personalidade de Serra é sempre se esconder quando exposto a qualquer tipo de pressão, política ou penal.

O caso JBS não deve ter contrapartidas de Serra. Ou seja, foi uma contribuição de campanha, parte para a campanha, parte provavelmente embolsada, já que não declarada, mas que, em todo caso, não implicou em uma contrapartida de Serra. Mesmo porque a JBS produz salsicha, não obras viárias. Por isso mesmo, tem tudo para entrar na vala comum do caixa 2 sem identificação de propina.

O processo que inquieta Serra é o motivado pelas delações da Odebrecht. Lá, há propina na veia, o percentual do dinheiro gasto nas obras do Rodoanel e do Metrô de São Paulo, os encontros com Marcelo Odebrecht no escritório de Verônica e um conjunto de indícios que permitiria ao Procurador Geral da República solicitar a quebra do sigilo de Verônica.

O algoritmo entregou esse inquérito para Gilmar Mendes.

Terá o mesmo destino dos inquéritos contra Aécio Neves, que só não se safou devido ao ponto fora da curva da delação da JBS acompanhado de gravações de conversas com ele, Aécio.

Aliás, se prosperar a delação de Antônio Pallocci, sobre a suposta propina paga ao ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha, e a operação Castelo de Areias vier a ser recuperada, encontrarão indícios robustos do pagamento de R$ 5 milhões a autoridades do governo de São Paulo, para abafar o episódio da cratera do Metrô. As negociações permitiram às empreiteiras indicar funcionários-laranjas como responsáveis, em vez dos próprios presidentes. Segundo advogados que acompanharam de perto as negociações, o total foi R$ 15 milhões, irmamente divididos entre as três empreiteiras.

De qualquer forma, o jogo de cena com senadores do PSDB não convencerá ninguém, enquanto se poupar dois personagens-chaves: Dimas Toledo, no caso Furnas, e Paulo Preto, no caso Dersa. Ou enquanto se mantiver incólume o fundo de investimento de Verônica Serra.

 GGN

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Luis Nassif do Jornal GGN: Mídia golpista usa estilo lava jato para condenar a lava jato

Folha, demonstra a nova forma de desqualificação dos trabalhos da lava jato. Trata-se do pente fino da Polícia Federal sobre as inconsistências das denúncias do MPF e das delações premiadas.

O que garantia a blindagem da lava jato, até agora, era o forte espírito corporativo do Ministério Público Federal, a coesão do grupo de Curitiba e o apoio incondicional da mídia, enquanto os alvos fossem adversários políticos.

A forte blindagem da opinião pública, o espírito de manada, inibia todas as críticas. As avaliações sobre a falta de experiência da banda brasiliense da lava jato, sobre os exageros da quantidade de delatores de Curitiba, tudo isso ficava entre quatro paredes. No máximo, eram sussurradas críticas do Ministro Teori Zavascki sobre a inconsistência técnica de muitas das denúncias, o estilo panfletário substituindo a apresentação escassa de provas documentais.

Não que não houvessem provas. O problema é que se criou um vício circular. Numa ponta, o poder e a ânsia de bater recordes por parte dos procuradores, de fazer da operação a maior da história, a maior do planeta. De outro, a extrema facilidade em transformar qualquer frase em manchete condenatória, por parte de uma mídia que terceirizou a editoria de lava jato para a força tarefa. E, através da mídia, inibiam a atuação dos tribunais superiores.

Obter mais de cem delações de uma mesma empresa é uma bobagem ciclópica. Informações não circulam livremente. Há um grupo restrito na cúpula que controla as informações e as ações. E, na base, pessoas que assistem os movimentos sem ter noção completa do todo.

Por isso mesmo, incluí-los nas delações significa abrir uma enorme guarda para a exploração de conflitos de interpretação pelos advogados de defesa e, agora, pela mídia, em sua investida para esvaziar a lava jato.

O carnaval da Folha de hoje, contra a lava jato, é em cima de um factoide – da mesma natureza dos factoides plantados pela Lava Jato. A maneira como um delator relatou o mesmo episódio para o MPF e para a PF é significativa para se entender como é o jogo de indução na delação, mas, mais do que isso, como é o jogo de interpretações pela mídia.

Objetivamente, o delator Cláudio Mello Filho disse que procurou o senador Renan Calheiros para apresentar pleitos da Odebrecht. Na conversa, Renan teria solicitado contribuições para sua campanha. Não houve nenhum condicionamento explícito de apoio às medidas em troca das contribuições de campanha.

O trecho da delação é o seguinte:
“Em determinado momento da conversa, ele me disse que seu filho seria candidato ao governo de Alagoas e me pediu expressamente, que eu verificasse se a empresa poderia contribuir. Acredito que o pedido de pagamento de campanha a seu filho ao governo do Estado de Alagoas, justamente no momento em que se apresentavam os aspectos técnicos relevantes, era uma contrapartida para o forte apoio dado à renovação dos contratos de energia, inclusive publicamente, e que culminou na edição da MP n. 677/15. Entendi, na oportunidade, que esses pagamentos, caso não fossem realizados, poderiam vir a prejudicar a empresa de alguma forma.

(...) Soube posteriormente que foram doados oficialmente R$ 320 mil a pretexto de campanha, sendo R$ 200 mil para a candidatura direta e R$ 120 mil através do diretório estadual do PMDB/AL e depois repassado para a campanha da candidatura, conforme tabela abaixo”.

(...) Minha ação foi de transmitir e apoiar internamente o pedido feito pelo Senador Renan Calheiros, porque era do meu interesse atendê-lo, tendo em vista que a minha empresa tinha agenda institucional permanente no Senado Federal”.
Ou seja, Mello não tinha sequer o controle sobre as doações, já que tinha que defende-las perante o Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht. Se fosse propina – isto é, pagamento de dinheiro amarrado a uma contrapartida – o dinheiro seria carimbado.

No depoimento no inquérito da PF:
"Que para o declarante a doação foi realmente uma doação eleitoral e não pagamento de propina"; "Que Renan não condicionou a sua atuação política à retribuição financeira da Braskem".

A rigor, não há nenhuma contradição entre o depoimento ao MPF e à PF. A rigor, também não há uma informação objetiva que justificasse a abertura do inquérito. Mas o PGR e o MPF tinham suas preferências políticas e sua pretensão de bater recordes mundiais. É esse o teor do questionamento da PF. Qual a razão para abrir o inquérito, desperdiçando recursos e dispersando as investigações?

O MPF está provando, agora, do veneno que criou com os jogos midiáticos. Como passou a falar para o tribunal da mídia, está sendo condenado agora, pela PF, se valendo do mesmo tribunal. E será assim, daqui por diante. Do mesmo modo da opinião da delegada que defendeu a não concessão de benefícios a Sérgio Machado, por sua delação. Pode até ter razão, mas delegada questionar delação do MPF é da mesma natureza que procuradores de Curitiba questionarem o Ministro da Justiça. Provam do próprio veneno.

Na fase inicial, os jacobinos de Curitiba chegaram a denunciar delegados da PF que apuravam a autoria das gravações clandestinas colocadas em celas da delegacia. Os abusos não poupavam ninguém, jornalistas, delegados ou advogados, que também tiveram seus telefones grampeados.

Por outro lado, o excesso de protagonismo dos procuradores provocou ciumeira da corporação da PF. E o desmonte do grupo de trabalho da PF completou a obra. Não existem mais delegados da lava jato, mas delegados da PF investigando denúncias apuradas pela lava jato.

Agora, todos os abusos que serviram para derrubar Dilma, crucificar o PT e condenar Lula serão utilizados como provas para evitar a condenação de José Serra, a prisão de Aécio Neves e a queda de Temer.

Simples assim.

Do GGN

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O inimigo do Supremo, por Conrado Hübner Mendes

Marcelo Camargo/Agência Brasil

“É urgente desarmar Gilmar Mendes”, escreve constitucionalista

 O Supremo converteu-se em gabinete regulatório da crise política brasileira. Não há impasse político no país que lá não chegue, quer na esfera criminal, quer na eleitoral, parlamentar ou constitucional. Com maior ou menor competência, clareza e inventividade, o tribunal, quando não se omite, tem definido as regras do jogo. Aos atores políticos implicados cabe obedecê-las.

A obediência, contudo, não é um dado que se possa presumir, mas uma meta a se conquistar. Essa conquista é rodeada de incerteza. Em casos com tamanha voltagem política, nos quais o tribunal busca disciplinar conflitos e sancionar atores com vultosos estoques de poder, o espectro da desobediência, explícita ou velada, torna-se palpável. Há incentivos para resistir ao STF. Cabe ao tribunal antecipá-los, neutralizá-los, minimizá-los.

Como pode um tribunal minimizar esses incentivos e conquistar autoridade? Nem o Direito Constitucional comparado nem a história judicial brasileira oferecem uma receita para essa pergunta. Sabe-se que a fórmula, seja qual for, não pode prescindir, por um lado, de argumentação transparente que costure uma jurisprudência constitucional digna desse nome; por outro, de uma sensibilidade de conjuntura, uma gestão aguçada de seu capital político. São duas tarefas que o STF não desempenha com destreza: a ingovernabilidade de suas práticas solistas, já diagnosticada por tantas pesquisas empíricas na última década, é a síntese de um tribunal ancorado na individualidade de seus ministros. Comportamentos propriamente institucionais e decisões que conjuguem a primeira pessoa do plural não são visíveis ali.

Uma corte poderosa não é aquela que recebeu amplos poderes da Constituição, mas aquela que se faz obedecer. Sua imagem precisa estar acima de qualquer suspeita. A ciência política que estuda cortes constitucionais pelo mundo sabe que os atributos da legitimidade e da independência não são gratuitos nem estáveis. Flutuam conforme as circunstâncias, o comportamento judicial e as reações às decisões tomadas. Por isso mesmo, a legitimidade depende de contínua administração e do bom desempenho do tribunal. Entre os adversários da credibilidade institucional do STF está, curiosamente, um dos seus próprios ministros: sobreviver a Gilmar Mendes é um desafio do cotidiano do STF. Requer do tribunal uma estratégia de redução de danos. Mas o STF permanece rendido e incapaz de controlar as contínuas quebras do decoro judicial.

A política de Gilmar Mendes

As relações de Gilmar Mendes com a política não são novas, nem causam mais espanto. O ministro transita com desenvoltura, em ambientes públicos e privados, com correligionários partidários. Gilmar Mendes, juiz, tem correligionários. Políticos que orbitam no seu círculo lhe pedem favores no tribunal, lhe consultam sobre problemas jurídicos pessoais ou sobre os rumos constitucionais do país, em encontros privados fora do tribunal ou telefonemas. Negociar, prometer apoio, organizar jantares em casa, frequentar jantares dos outros. O ministro é presença constante nos “círculos de comensais de banquetes palacianos”, nas palavras de Rodrigo Janot. Corteja o poder político, e o poder político o corteja. Há reciprocidade.

A história é extensa, mas não custa recapitular alguns exemplos de promiscuidade. Michel Temer, Aécio Neves, José Serra, Blairo Maggi, Eduardo Cunha são algumas das autoridades públicas que lhe frequentam, antes e depois que tiveram suas reputações gravemente atingidas por denúncias de corrupção.

O episódio mais recente relaciona-se a Aécio Neves, até então presidente do PSDB e segundo colocado nas eleições presidenciais de 2014. Aécio telefonou para Gilmar Mendes, um dia depois de este ter suspendido o depoimento do senador à Polícia Federal. Pediu que o ministro telefonasse para o senador Flexa Ribeiro e que este votasse o projeto de lei contra o abuso de autoridade. Sem maiores solenidades ou esforço argumentativo, a assessoria do ministro publicou nota: “O ministro Gilmar Mendes sempre defendeu publicamente o projeto de lei de abuso de autoridade (…), não havendo, no áudio revelado, nada de diferente de sua atuação pública. Os encontros e conversas mantidas pelo ministro Gilmar Mendes são públicos e institucionais”.

Há um mês Gilmar Mendes também conversou com Joesley Batista, da JBS. A conversa ocorreu no Instituto de Direito Público, escola de direito fundada pelo ministro. Como sua família vende gado para a JBS no Mato Grosso, foi alegada a suspeição num caso em que o Supremo julgava a cobrança do Funrural, fundo composto por contribuições de produtores rurais à previdência. O ministro defendeu-se: “Votei contra os meus próprios interesses econômicos, pois minha família terá de pagar a contribuição atrasada”. Admite, portanto, que teria interesses na causa, mas não se enxerga como suspeito.

A antiga relação de amizade que Gilmar Mendes tem com Sérgio Bermudes, já descrita, em 2010, por longa reportagem da revista Piauí [1], também rendeu notícias nas últimas semanas. A concessão de habeas corpus para Eike Batista, cliente de Sérgio Bermudes, sócio de sua esposa, rendeu pedido de impedimento apresentado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com base em artigo do Código de Processo Civil e do Código Penal. Em outra nota pública de sua assessoria, o ministro defende-se na mesma lógica: “Cabe lembrar que no início de abril o ministro Gilmar negou pedido de soltura do empresário Eike Batista (HC 141.478) e na oportunidade não houve questionamento sobre sua atuação no caso” [2].

A normalização de Gilmar Mendes

Não nos escandalizamos mais com os escândalos de Gilmar Mendes. O juiz integra a cozinha partidária como um par. A sociedade brasileira se deixou anestesiar e passou a vê-lo como patologia menor de um sistema político que não consegue separar o público do privado. Os fatos abaixo não geraram mais do que algumas notas na imprensa. São uma pequena amostra dessa anestesia:

(i) Em fevereiro de 2015, Gilmar Mendes telefona ao governador do Mato Grosso, Silval Barbosa, depois de a polícia ter executado mandado de busca e apreensão na casa do governador. Manda um “abraço de solidariedade” e promete conversar com Toffoli;

(ii) Fora de agenda pública, em março de 2015, encontra-se com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, quando este já era investigado pela Operação Lava Jato;

(iii) Encontra-se novamente, em julho de 2015, com Eduardo Cunha para discutir o impeachment de Dilma Rousseff;

(iv) É organizador de Seminário Luso-Brasileiro de Direito Constitucional, em março de 2016, realizado em Portugal pelo Instituto de Direito Público, que contou com a presença de Aécio Neves e outros políticos (no calor da crise política, Michel Temer, confirmado, cancelou sua participação em cima da hora). O evento ocorreu numa hora de alta tensão da Lava Jato e seus reflexos no processo de impeachment, logo depois que Gilmar Mendes, em liminar monocrática, invalidou nomeação de Lula para o ministério de Dilma. O mesmo IDP, meses antes (12/2015), inaugurava escola de direito em São Paulo com presença de muitos políticos, como Michel Temer, recebidos no palco por Gilmar Mendes. Michel Temer, mais uma vez, estará presente num seminário do IDP nos dias 20 e 21 de junho, evento patrocinado pela Caixa. Poucos dias antes, o TSE, sob a presidência de Gilmar Mendes, reinicia o julgamento que põe em risco o mandato do presidente.

(v) Almoça, em março de 2016, com José Serra e Armínio Fraga. Horas mais tarde, julga no STF o rito do impeachment, com declarações inflamadas contra a corrupção de um partido político que não lhe agrada, que pouco tinham a ver com o mérito daquele processo. Questionado sobre o episódio, respondeu: ‘Não estou proibido de conversar com Serra, nem com Aécio”.
(vi) Alguns jantares: a) em sua própria casa, com pecuaristas, o Ministro da Agricultura Blairo Maggi, e o vice-presidente Michel Temer, que manifestava ali a vontade de que o impeachment de Dilma fosse antecipado (2/8/2016); b) com o presidente Michel Temer, no Palácio do Jaburu, para uma “conversa da rotina” (22/1/2017); c) em sua própria casa, numa homenagem a José Serra, investigado na Lava Jato, com presença de Michel Temer (16/3/2017);

(vi) Michel Temer, alvo de processo que pode levar à sua cassação no TSE, presidido por Gilmar Mendes, indica primo deste para diretoria de agência reguladora (14/3/2017).

Sempre que questionado, Gilmar Mendes afirma que sua isenção é inabalável, como se fosse esse o problema. Despista. Pinça alguns exemplos de decisões que tomou, supostamente, contra os próprios interesses ou contra os próprios amigos. Esses exemplos seriam as provas incontestáveis de sua integridade. Tergiversa. E se, num determinado caso, a solução juridicamente correta fosse aquela que favorecesse o interesse de seu aliado? Da mesma maneira que uma decisão que contrarie interesses de seu amigo advogado (e de sua própria esposa, sócia do advogado) não prova sua honestidade, uma decisão favorável aos mesmos interesses tampouco provaria sua desonestidade.

A mira da resposta está errada. Seu equívoco é intencional e confunde imparcialidade objetiva e subjetiva: sabe que os mecanismos legais de suspeição e impedimento não servem para garantir o juiz honesto, mas para assegurar a imagem de imparcialidade da justiça e afastar qualquer desconfiança quanto à legitimidade da decisão. É preciso parecer honesto e imparcial, como a mulher de César. Trata-se de regulação elementar de conflitos de interesse a partir de parâmetros republicanos. Gilmar Mendes não respeita parâmetros republicanos.

Suas respostas insistem nessa falácia. No último não-escândalo, Aécio Neves lhe telefona para pedir um favor político. Há detalhes que não são meros detalhes. Um ministro de corte suprema trava conversa privada com senador da república para tratar de um projeto de lei em tramitação. Um senador investigado por corrupção solicita ao ministro que, na sua condição de ministro, ligue para outro senador para pedir apoio. Que o ministro faça, em outras palavras, articulação parlamentar. O pedido é bem recebido. Quando, em sua defesa, diz que seus posicionamentos sobre a respectiva lei já eram públicos e conhecidos, quer obscurecer a distinção primária entre o público e o privado, entre a pessoa privada e a pública, entre o juiz e o parlamentar.

A normalização de Gilmar Mendes não é só de Gilmar Mendes. Já não conseguimos ver diferença relevante entre os parâmetros de conduta de um juiz, de um político e de um cidadão comum. E paga-se caro por isso. O ministro fez de si um expoente daquilo que, retoricamente, mais abomina: uma corte bolivariana. Ele mesmo, por um irônico lapso, pinta o seu auto-retrato: “Tudo que vem desse eixo de inspiração bolivariano não faz bem para a democracia”.

A pedagogia de Gilmar Mendes

Há quem eduque pelo exemplo. Gilmar Mendes educa pelo contraexemplo. Oferece uma ética negativa: uma longa lista sobre o que não fazer. Filósofos que navegam pela ética aplicada e formulam parâmetros para lidar com dilemas morais de nossa vida cotidiana são muitas vezes agnósticos e minimalistas sobre a decisão correta a tomar. Diante da complexidade do contexto e das nuances de cada caso, sentem-se mais seguros em apontar o que não fazer. Essa é a contribuição pedagógica de Gilmar Mendes: sua conduta é uma cartilha da anti-ética.

Nem sempre é fácil saber qual a conduta judicial correta em situações dilemáticas dentro e fora da corte, dentro e fora dos autos, dentro e fora da interpretação constitucional. Há imensa riqueza no comportamento de Gilmar Mendes. Seus contra-ensinamentos são valiosos.

Os atos listados acima não são deslizes isolados ou eventuais. Trata-se de sistemática e periódica desconsideração de princípios de prudência e respeito à liturgia do cargo, indispensáveis à construção da imparcialidade e respeitabilidade da atividade judicial. Juízes não estão proibidos de ter amigos, de ter vida social intensa, de viverem uma vida normal. No entanto, a ética da atividade judicial pede vigilância a certos comportamentos, um senso de responsabilidade pelo ethos de sua instituição. Nada excessivamente oneroso.

Gilmar Mendes não é “polêmico”, nem “controverso”, nem “corajoso”. Eufemismos jornalísticos apenas obscurecem o problema. O Direito não é indiferente a antiética de Gilmar Mendes: seu comportamento é ilegal.

A responsabilidade por Gilmar Mendes

Apesar de Gilmar Mendes, o Supremo ainda sobrevive. Sua sobrevivência como ator político relevante, contudo, não está garantida. O grau de relevância do tribunal já está sob teste. Ou, num jargão da ciência política, “sob estresse”. O ministro é um dos principais artífices da ingovernabilidade do STF: joga contra a imagem da instituição, contra o plenário e contra seus colegas juízes. Violenta a imparcialidade, moeda volátil da qual uma corte com tamanha missão tanto depende.

O colegiado é corresponsável pelos danos causados por Gilmar Mendes. O ministro não é só um problema “para” o Supremo, mas um problema “do” Supremo, que permanece omisso. Entrega ao ministro um cheque em branco. Não bastasse ter adversários demasiado poderosos para enfrentar, o Supremo ainda faz vista grossa para a conduta destrutiva de um de seus membros. Um inimigo íntimo como esse exige coragem e articulação para enfrentá-lo. O plenário deixa-se apequenar na cumplicidade, e deve prestar contas com a democracia brasileira por isso. O Supremo não pode se submeter a esse pacto suicida. Sabe disso.

O que fazer para se proteger de Gilmar Mendes? Um passo modesto, para quebrar a inércia normalizadora da sua conduta, seria reconhecer a suspeição do ministro em tantos casos em que sua persona política não tem como não se confundir com sua persona judicial. Por mais que o ministro prometa ser isento. Por mais que seja sincero.

Um dos maiores desafios de desenho institucional de uma corte suprema é prover formas de auto-regulação coletiva dos desvios individuais. Num órgão colegiado desse tipo, a colegialidade é indispensável. Não há instância superior que o limite. Talvez por insolúvel do ponto de vista procedimental, o desafio não foi inteiramente equacionado nem pelos Federalistas americanos nem por arquitetos das cortes constitucionais do séc. XX. A leniência institucional diante do desvio individual pode ser uma escolha racional quando a instituição permanece acima de qualquer suspeita. No Supremo, esse não é mais o caso. O espectro da desobediência ronda a corte faz tempo.

Uma corte constitucional precisa, em tempos de normalidade, acumular capital político para proteger a constituição nas situações-limite da política. De sua habilidade para desarmar dinamites depende a qualidade e longevidade da democracia. É urgente desarmar Gilmar Mendes.

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[1] Em carta à revista Piauí, reagindo às denúncias feitas pela reportagem sobre a relação sua e de sua mulher com Sérgio Bermudes, Gilmar Mendes respondeu: “Aliás, ela era tão somente gestora organizacional do escritório do dr. Sergio Bermudes, mais um entre tantos advogados que atuam em processos sob a minha relatoria que examino com a mesma isenção.”

Conrado Hübner Mendes é doutor em Direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), na qual é professor de Direito Constitucional.  Texto publicado originalmente no Jota.


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