Foto Leonardo
Benassatto/Reuters
Na
década de 50, nos EUA, no auge das perseguições políticas do Macarthismo, os
“condenados” por suas posições políticas eram colocados nas mesmas prisões que
os piores criminosos daquele país. Estupradores, assassinos, e criminosos cuja
imaginação comum apenas tangencia seus feitos eram mandados para prisões de
“segurança máxima” e conviviam lado a lado com professores, trabalhadores e
mesmo advogados que eram “julgados” comunistas.
A
bibliografia sobre o período está recheada de casos neste sentido. Um condenado
a prisão perpétua por crimes de assassinato e estupro, por exemplo, ao receber
a visita da mãe ouviu dela um inusitado conselho: “Não se misture com aquela
gente”. “Aquela gente”, nas palavras da mãe do apenado, eram os “comunistas”.
Pessoas cujo único “crime” era pensar um mundo diferente, econômica e
socialmente mais justo. “Aquela gente”, aos olhos da matriarca do apenado,
estava abaixo, na escala de pecados, de seu filho que havia matado e estuprado
várias pessoas.
A
postura desta senhora, nos anos 50, não era um caso isolado. De fato, o
macarthismo, através de uma campanha midiática e mentirosa, transformava seus
alvos em indivíduos que as massas conservadoras julgavam não deveriam ter o
direito sequer de respirar. A bestialidade chegava a tal ponto que não são
poucos os casos de linchamento de pessoas nos EUA “suspeitos” de ligação com o
comunismo. A violência das massas, legitimadas pela campanha de ódio, não se
restringia apenas a comunistas, mas, como mostram os casos de Emmett Louis Till
e Harry Hay, a questão racial e de sexualidade também atraíam o ódio e o
desprezo.
“Comunista”
era ligado narrativamente ao “negro vagabundo e ladino” e ao “homossexual
depravado”.
Em
1953, num dos primeiros atos de seu governo, Eisenhower assinou uma lei que
bania do serviço público norte-americano pessoas com “condutas sexuais
pervertidas”. A designação de Eisenhower durou por quase 20 anos.
Comunistas,
negros e homossexuais eram os piores dentre todos os que tinham pisado na
Terra. A eles não era permitido que pensassem, que vivessem, que trabalhassem
... A presença da URSS evitou que muitas destas pessoas fossem sumariamente
mortas, porque a propaganda seria péssima para o “mundo livre”, como os EUA
faziam questão de serem chamados.
Suzanne
von Richtofen foi condenada por manda matar os pais para ficar com a herança.
Ela e os executores do crime (os irmãos Cravinhos) foram condenados a 39 anos e
seis meses de reclusão. Suzanne tem garantidas as saídas da cadeia no Natal e
até mesmo no dia dos Pais. Os irmãos Cravinhos, também são receptores da letra
da lei e saem da cadeia no dia das mães além de darem entrevistas a jornais e
televisões.
O
ex-goleiro Bruno Fernandes foi condenado por ser o mandante do assassinato e
destruição do corpo da mãe de seu filho, Elisa Samudio. Bruno, em conluio com
comparsas, teria não apenas matado Elisa, mas dado seu corpo despedaçado para
cães comerem. Em 2013, Bruno foi condenado a 22 anos e 3 meses de prisão.
Durante os mais de seis anos que esteve preso, tanto Bruno, quanto seu cúmplice
imediato “Macarrão” tiveram seus direitos respeitados quanto à “saída
temporária” e até quanto a serem colocados em “regime semi-aberto”.
Numa
república, a lei deve ser cumprida e parece que tanto Bruno, quando Suzanne, a
despeito do quanto achemos selvagens seus crimes, tiveram respeitada sua
humanidade. Humanidade que não lhes é dada (ou retirada) em função de seus
comportamentos, mas que é – desde o século XVIII – a base do que se chama de
“liberalismo político”. O homem tem direitos naturais que lhe assistem,
indiferente ao que possa fazer ou pensar em vida. A base da sociedade
contemporânea ocidental é o respeito inalienável a tais direitos como a vida, a
inviolabilidade do corpo, à liberdade de pensamento e à propriedade privada.
Contudo,
um homem que vive entre nós está na condição de ser o pior dos homens que já
pisaram a Terra desde Adão e Eva. Segundo as duas juízas-carcereiras, colocadas
para vigiar as portas da prisão do “mal encarnado”, este homem não merece
sequer o custo das grades que lhe confinam ou da comida que come. Desrespeitar
os direitos de alguém é dizer aberta e claramente que este sujeito não tem
humanidade. Carolina Lebbos e Gabriela Hardt decidiram, entre turnos, manter “o
pior homem entre nós” trancafiado sem poder sequer comparecer ao velório de seu
irmão.
Para
o judiciário brasileiro, que tem em Moro o símbolo-esperança e modelo de ação,
Luís Inácio Lula da Silva está abaixo, na escala dos pecados, do que Bruno ou
Suzanne. Lula está abaixo de Carlinhos Cachoeira, de Pimenta Neves (que em 2000
assassinou a esposa), dos irmãos Cravinhos, de Guilherme de Pádua (assassino de
Gabriela Perez), entre outros.
O
que fez o “pior dos homens” para merecer este tratamento? Quais crimes cometeu?
Certamente crimes de imoralidade e desumanidade absolutas, que indicariam uma
repulsa social acima de qualquer argumentação razoável. Que poderes tem este
indivíduo, que deve ser proibido visitas, entrevistas e falas à imprensa? Que
maldade e pecados encerra o homem a quem o judiciário brasileiro não permite
sequer o cumprimento das suas próprias leis?
Lula
foi condenado a 12 e um mês de prisão. Não há uma conta com dinheiro ilícito em
seu nome. Não há um imóvel, carro, lancha, avião, iate ou joia que tenha sido
aprendido ou descoberto em seu nome ou de familiares. Não há um documento seu
assinado, uma ligação ou uma gravação telefônica sua ou de familiares que o
tenham colocado em posição de ter cometido ato criminoso.
Lula
foi condenado baseado num “powerpoint” de um procurador que na argumentação
final usou teorias de probabilidade (que ele desconhece) para “provar” que Lula
“tinha que ser culpado”.
Lula
foi condenado por um ex-juiz que, após oito anos de investigações conseguiu
apenas uma única palavra contra Lula. Moro reduziu a pena imposta por ele
próprio a Léo Pinheiro, de 26 anos de prisão para pouco mais de dez anos, após
Léo ter “colaborado” para a condenaçõa de Lula. Em segundo grau, o
desembargador Gebran reduziu novamente a pena do empreiteiro de dez para três
anos e seis meses de cadeia. E, enquanto você lê este texto, Léo Pinheiro está
em casa, em “prisão domiciliar”.
Lula
foi condenado por três desembargadores que, em suas sentenças finais, gastaram
não mais do que cinco páginas para discutirem argumentos de acusação e defesa,
e mais de quinze para elogiarem o colega ex-juiz Moro.
Lula
foi condenado no processo mais rápido da história do TRF-4. Tempo suficiente
para lhe retirar do pleito de 2018.
O
pior dos homens entre nós, segundo o judiciário brasileiro, foi condenado por
ter visitado um apartamento que lhe era oferecido para comprar. As provas se
resumem a duas visitas e uma delação.
Este
“monstro” precisa ficar enclausurado, longe da imprensa, da sociedade e do
mundo, porque ele pode ser capaz das maiores insanidades sociais, como, por
exemplo, chorar a morte do irmão ou, talvez, falar. E em falando, Lula pode vir
a retirar o Brasil do coma induzido por nossas instituições. O perigo que
representa a voz e o pensamento do homem que tirou 40 milhões de pessoas da
pobreza, elevou o Brasil à sexta economia do mundo e deu escola e educação
superior a mais gente do que todos os presidentes anteriores somados, é dele
demonstrar a inaptidão, ignorância e incapacidade do atual governo. Este
“inominável ser” deve ser mantido isolado, com focinheira e duas juízas
especialmente designadas a ficarem monitorando as portas da cela.
Lula
está preso sim ... se não estivesse o Brasil não estaria sendo governado por
fascistas, exposto ao ridículo internacional e se submetendo aos desígnios da
política externa de outros países.
Lula
está preso sim e, graças às duas diligentes juízas, temos a certeza que a “pior
criatura” que já pisou neste país não tem o direito sequer de velar seu irmão.
E tudo isto pelo pavoroso crime de ter construído um Brasil mais justo e mais
igual. Algo que a Justiça brasileira, a bem da verdade, nunca aceitou, em mais
de 500 anos de história.
GGN