Vou refazer o Xadrez de
ontem de uma forma mais didática.
Peça
1 – o grande acordo nacional
O maior desafio do novo
presidente será colocar as instituições de volta na caixinha – os limites
definidos pela Constituição –, desarmar os espíritos e recuperar a economia.
É um desafio político
gigante, à altura da grande concertação espanhola de Felipe Gonzales em 1982.
Assim como na Espanha
pós-Franco, o Brasil atual vive uma pós-ditadura disfarçada, com a derrocada
das instituições, a disseminação do estado de exceção, e o fascismo se
mostrando em todos os cantos.
De certo modo, Haddad
deverá repetir a trajetória de Felipe Gonzales, na Espanha, mas com metade do
caminho aplainado por Lula. Ou seja, a montagem de um partido nacional e a
unificação do polo progressista – que será completado com a possível aliança
com Ciro Gomes.
O desafio,
pós-eleitoral, consistirá em alargar o arco, convidar todos os setores
comprometidos com a democracia, desarmar os espíritos e começar o trabalho de
reconstrução institucional.
Sob Dias Toffoli, livre
da irresponsabilidade de Carmen Lúcia, e com Barroso se desmoralizando dia a
dia, é possível que o STF, finalmente, dê sua contribuição para coibir abusos
das corporações de Estado que estão se lambuzando com arbitrariedades e
demonstrações de força.
Todo o discurso
político de Haddad, na campanha, foi feito tendo em vista o pós-eleição. Não se
indispôs com nenhum candidato adversário, reiterou sempre a importância do
desarmamento de espírito, respondeu às provocações, especialmente nos programas
de entrevistas, sem perder a cabeça, mas sem abrir mão de suas convicções. E está
acenando com uma ampla aliança para governar o país.
Aliás, desde que
aceitou o convite para lecionar para o Insper – a nova Meca do neoliberalismo
brasileiro – Haddad vinha se preparando para esse papel de consolidação de um
pacto alargado. Ou seja, lá atrás, ele – orientado por Lula – já havia uma
estratégia clara de governabilidade, enquanto a direita se contentava com a
convicção de que o antilulismo e o antibolsonarismo garantiria a eleição de
Geraldo Alckmin.
A governabilidade
passa, primeiro, pela montagem de uma ampla coalisão com os diversos setores
sociais, econômicos e institucionais, momentaneamente unidos contra o fantasma
Bolsonaro. A maneira de combater o antipetismo seria ampliar a base de governo,
reduzindo o protagonismo do partido.
Esse alargamento das
alianças já era objetivo de Lula em 2013, quando pensou em Eduardo Campos como
um aliado capaz de chegar à presidência.
Antes disso, as
candidaturas de Dilma Rousseff e Fernando Haddad já visavam justamente trazer
um componente de classe média para a frente, diluindo o pesado preconceito
social da classe média e alta contra o PT tradicional.
Eleito, certamente
Haddad convidará Ciro a participar do governo. Não se sabe se Ciro aceitará ou
não. Aceitando, pelo cacife acumulado na campanha atual, será uma candidatura
quase certa dessa frente nas próximas eleições.
Para completar o ciclo,
no entanto, o fator econômico será fundamental. Um dos pontos centrais de
eclosão dessa maré conservadora foi o incômodo trazido pelo fim da bonança
econômica.
Para a recuperação da
economia necessita-se de:
- disponibilidade de oferta,
- disponibilidade de demanda,
- e mecanismos de financiamento.
Peça
2 – disponibilidade de oferta
Hoje em dia a economia
está rodando com uma capacidade ociosa de 31%.
Quando a indústria tem
capacidade ociosa, reage muito mais facilmente aos estímulos de demanda, porque
o custo marginal (o que ela gasta a mais para aumentar a produção) é baixo.
Nos anos de bonança
houve enormes investimentos na ampliação da capacidade instalada. Com a
frustração do crescimento, criou-se essa folga. Significa que responderá
imediatamente a qualquer estímulo para aumentar a oferta, sem pressão sobre os
custos e, por consequência, sobre a inflação.
Essa história de que
não há investimento porque não há confiança na higidez fiscal do país é
enganosa. Não há investimento porque não há demanda. O empresário só voltará a
investir se a demanda ocupar sua capacidade de produção.
O desafio, portanto,
consiste em aumentar a oferta. E Haddad contará com diversos fatores positivos.
Peça
3 – recuperação das commodities
Está havendo uma forte
recuperação nas cotações internacionais de commodities. Os ganhos serão
imediatos, com o aumento da demanda em duas frentes.
Frente
1 - Petrobras
Embora não se vislumbre
em Haddad a disposição de denunciar os contratos já fechados para a exploração
do pré-sal, é quase certo que interromperá os leilões e irá recuperar os
princípios básicos da lei da partilha: voltar os componentes de conteúdo
nacional, retomar as encomendas para a indústria naval e interromper os leilões
de exploração.
Retomando o conteúdo
nacional, começará a mover, novamente, a indústria de máquinas e equipamentos,
de motores, de serviços e todas as peças de uma extensa cadeia de produção, com
a consequente geração de empregos especializados, além da recuperação da
economia de estados e municípios afetados pela redução dos royalties do
petróleo.
Frente
2 – agronegócio
Além de fornecer
divisas para o país, o ganho do agronegócio tem impacto direto sobre a produção
de caminhões e tratores, insumos agrícolas e bens de consumo nas regiões
agrícolas.
Peça
4 – retomada de obras paradas
Para completar o
quadro, há uma imensidão de projetos públicos já licitados, analisados pelo
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), aprovados e
suspensos devido aos receios com a irracionalidade da Lava Jato e seus filhos
que promoveu um verdadeiro apagão administrativo no país.
Esses projetos foram
completados no governo Dilma. Para cada um deles exigiu-se a constituições de
SPEs (Sociedades de Propósito Específico), com o capital blindado em relação
aos acionistas principais – as grandes empreiteiras.
Mas, depois dois abusos
do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, com condução coercitiva de
dezenas de técnicos do BNDES, criminalização de qualquer operação, houve o
apagão administrativo – nada se aprova, nenhuma medida é tomada, porque tudo
estava exposto à criminalização pelo MPF.
Um pacto entre o
governo, o STF, a PGR, destravaria os investimentos que seriam rapidamente
colocados em marcha.
Além disso, com a taxa
de juros em 6,5%, o governo poderia injetar recursos no BNDES sem impacto na
dívida pública. O impacto ocorria devido ao diferencial entre as taxas do BNDES
e a Selic de 14%. Com Selic próxima às taxas do BNDES, não há impacto na dívida
pública.
Segundo a CBIC (Câmara
Brasileira da Indústria da Construção), cada R$ 1 milhão investido no setor
gera, em média, 26 empregos. A lista dos projetos atuais permitiria, de
imediato, a geração de 2 milhões de novos empregos, além da reativação das
cadeias produtivas ligadas a cada projeto.
Todos são investimentos
que aumentam sensivelmente a eficiência interna do país.
Some-se a esse
movimento, a volta dos investimentos externos. Os chineses, por exemplo, estão
aguardando os primeiros sinais de estabilidade política, e de exorcismo da
candidatura Bolsonaro, para voltar a investir.
Peça
5 – a PEC do gasto
A desastrada PEC do
Gasto produziu um pterodátilo nas contas públicas. A alegação final era a
necessidade de conter gastos para aumentar os investimentos públicos. Mas
incluiu-se o investimento público na lei. Então, se o PIB crescer, digamos,
2,5% ao ano, os investimentos públicos permanecerão congelados, sem conseguir
acompanhar o PIB e, por consequência, sem conseguir melhorar a produtividade da
economia.
De alguma maneira terá
que ser revista e os investimentos retirados do cálculo dos gastos públicos.
Aliás, o melhor seria revogar a lei.
Os investimentos
públicos são essenciais em setores com alto impacto social e com grande
absorção de emprego – como saneamento.
Peça
6 – o câmbio
O governo Haddad
receberá o país com o real desvalorizado, em função do terrorismo
pré-eleitoral. Se, ao contrário de 2003, mantiver o câmbio desvalorizado,
haverá impactos positivos diretos na indústria – através da reativação das
exportações e da redução das importações.
O grande desafio será
impedir a valorização do real. Ocorre a valorização quando aumenta a quantidade
de dólares entrando na economia. Os dólares ingressam de três maneiras;
através do aumento do
saldo comercial;
ingresso de fluxos
financeiros para investir nos juros da dívida pública, que pagam mais do que as
taxas internacionais;
investimentos diretos
estrangeiros.
O Banco Central poderá
atuar em cima do item 2, através de duas ferramentas.
Ferramenta
1 - a redução do diferencial de juros entre o real e o dólar.
Espera-se uma elevação
na taxa de juros americana. Estima-se que poderá chegar a 3% ao ano. A
estratégia brasileira consistiria em reduzir ainda mais a Selic, eliminando o
diferencial de juros com os EUA.
Será possível mesmo
seguindo o sistema de metas inflacionárias adotada pelo Banco Central. O
mercado trabalha com uma miragem, a taxa de juros de equilíbrio, ou seja, a
taxa de juros que seja neutra em relação à inflação e à atividade econômica. E
com outra miragem, que é o chamado PIB potencial – isto é, quanto o país poder
crescer sem comprometer as metas de inflação.
Nem se vá discutir o
rigor científico dessas medições. Mesmo seguindo esses preceitos, o país está
crescendo abaixo do PIB potencial. Significa que, pelo sistema de metas
inflacionárias, poderá reduzir ainda mais a Selic.
Ferramenta
2 – swaps cambiais
O real está colado nas
moedas dos emergentes. Mas é a moeda de maior liquidez. A cada crise, é a
primeira moeda a ser vendida. Passada a crise, a primeira a ser comprada.
Mesmo assim, fechando o
diferencial entre juros americanos e brasileiros, se houvesse um ingresso
excessivo de dólares, ele poderia ser esterilizado com operações de swap - que
tem um custo, mas não impactam a dívida líquida nacional.
Peça
7 – a política monetária
Confirmada a vitória de
Fernando Haddad, o mercado tenderia a puxar as taxas de juros longas, das
NTN-B.
Trata-se de um título
da dívida que paga IPCA mais uma taxa de juros negociada a mercado. Com a Selic
elevada, as NTN-Bs se tornaram um sorvedouro da poupança privada, especialmente
dos fundos de pensão, por oferecer rentabilidade maior do que a taxa atuarial
necessária, sem risco algum. O patrimônio total dos fundos chega a R$ 1
trilhão. Sua meta atuarial é de IPCA + 5,5%. As NTNBs longas pagam 6,5% mais
IPCA, sem risco nenhum.
Quando as taxas de
juros sobem, cai a cotação das NTNBs, abrindo a possibilidade do Banco Central
recompra-las, mais baratas, colocando em seu lugar LTNs pré-fixados, por um
valor mais caro.
Com esse movimento, e
com a redução das taxas de juros, os fundos de pensão terão que buscar papéis
mais rentáveis. E aí, abre-se o mercado para papéis privados, os CRAs
(Certificados de Recebíveis Agrícolas) e debêntures de infraestrutura.
O mesmo ocorrerá com os
bancos que emitem CDBs e que não terão mais as facilidades dos juros da dívida
pública para se remunerar.
Haverá outro ganho
indireto. Com as NTNBs, o mercado sempre apostava no caos: quando mais
desarrumada a economia, mais elevadas são as taxas das NTNBs. Com os
pré-fixados, passarão a ser sócios da estabilidade.
GGN