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domingo, 28 de julho de 2019

BARROSO, UM HOMEM BOM E SEU TESTE DE INTEGRIDADE, POR LUIS NASSIF

Para afastar suspeitas, bastará que o Ministro exponha a relação de clientes do escritório de advocacia da sua família. Um homem bom não terá dificuldades de responder a esse desafio.
As revelações do The Intercept confirmam plenamente os interesses econômicos escondidos por trás da Lava Jato, de patrocinadores com interesses, temores ou meramente por alinhamento ideológico.
O strip tease moral dos diálogos espalha suspeitas sobre todo o sistema judicial, pois a opinião pública aprendeu como se fazem as salsichas. E remete a discussão diretamente para o primeiro item das dez medidas anticorrupção elaboradas por Sérgio Moro e a turma da Lava Jato – e apresentadas como sendo de iniciativa da opinião pública: o teste de integridade.
Segundo a justificativa:
O objetivo central do teste de integridade é criar, preventivamente, a percepção de que todo o trabalho do agente público está sujeito a escrutínio e, a qualquer momento, a atividade pode estar sendo objeto de análise, inclusive sob o ponto de vista de honestidade. A realização do teste não parte da premissa da desconfiança sobre os servidores em geral, mas sim da noção de que todo agente público tem um dever de transparência e accountability, sendo natural o exame de sua atividade.”
O teste visa medir a elasticidade moral do agente público, claramente expresso na máxima de Dallagnol, conversando com o amigo Pozzobon sobre a palestra clandestina na XP:
– É um risco, sim, mas bem remunerado.
Até o vazamento das conversas, Dallagnol se escondia atrás da blindagem da mídia, da corregedoria do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, que se conformavam com declarações sem provas, de que a maior parte das palestras era de graça e, óbvio, para o bem do Brasil.
O caso remete para um tema vizinho, o compliance, ou seja, as práticas que devem ser adotadas por organizações, para impedir abusos ou atos de corrupção. E, já que vigora o linguajar jurídico, há a necessidade de um full disclosure, ou seja, plena divulgação, para se avaliar o nível de integridade dos agentes públicos, em respeito ao accountability.
Vamos aplicar um teste de integridade na instância máxima, o Supremo Tribunal Federal, e no Ministro que mais defende os modelos de compliance, Luis Roberto Barroso.
Há duas atividades suas que merecem full disclosure, para saber se Barroso passa no teste de integridade.
A primeira, são as palestras.
Barroso se tornou um palestrante requisitado, depois de sua adesão à Lava Jato. Preparou um discurso padrão, bastante superficial, no qual falava dos novos tempos que viriam por aí, definia quatro fórmulas para salvar o Brasil e colocava a bandeira da anticorrupção como o anjo salvador da pátria.
Percebeu-se, de cara, que não se submetia a regras de compliance. Descobriu-se que faria uma palestra paga para o Tribunal de Contas da paupérrima Rondônia por um cachê de R$ 46 mil (aqui). Só depois que o caso vazou ele declarou não ter percebido que se tratava de cachê de um órgão público. Não passaria no teste de integridade, porque supostamente desobedeceu a uma norma básica: saber quem  está lhe pagando R$ 46 mil. Ou definir regras para os escritórios que o contratavam: não aceitar pagamentos de órgãos públicos, nem de patrocinadores onde pudesse haver conflitos de interesse.
Como não pode sequer haver dúvidas sobre a honradez da mulher de César, certamente o Ministro Barroso não se furtará a expor a relação de palestras, valores e patrocinadores. Afinal, como ele mesmo diz, é um homem bom, que só faz o bem.
Afinal, como discorreu em um discurso de formatura:
“Creio no bem, na justiça, no amor e na tolerância. E creio na gentileza e no bom humor como uma boa forma de realizá-los” (aqui).
Deltan também dizia isso, mas deixa para lá.
A segunda frente de full disclosure é o escritório de advocacia de sua família. Antes de se tornar Ministro, mas já bebendo da vaca leiteira da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (o termo é utilizado por procuradores para caracterizar aqueles que se valem dos proventos do cargo como garantia de renda estável enquanto exercitam o empreendedorismo em outras atividade), Barroso se converteu em um dos juristas preferenciais dos grandes grupos, para preparar minutas de projetos de lei que eram  apresentados no Congresso pelos deputados por eles financiados.
Nos últimos anos, o maior negócio da advocacia tem sido os trabalhos de compliance, diretamente estimulados pelo discurso da anticorrupção. Já falei várias vezes dessa indústria por aqui.
Barroso emprestou sua reputação de Ministro da Suprema Corte para um curso nos Estados Unidos – ao lado do inacreditável Marcelo Bretas – sobre compliance. Além das aulas de Barroso e, sabe-se lá com que conteúdo, de Bretas, o curso previa a visita a dois grandes escritórios de advocacia norte-americanos, de olho no Brasil.
A opinião pública merece ser informada se um servidor público, com poder de influir nos destinos da política e do país, que referendou a destruição de empresas e partidos, interferiu nas eleições presidenciais, estimulou os abusos da Lava Jato, segue rigorosamente princípios do compliance, da accountability e de full disclosure. 
Para afastar suspeitas, bastará que o Ministro exponha a relação de clientes do escritório de advocacia da sua família. Um homem bom não terá dificuldades de responder a esse desafio. Até mesmo para que não se imagine que corria riscos, sim, mas bem remunerado.
Do GGN

domingo, 14 de julho de 2019

CASO ELDORADO EXPÕE OS NEGÓCIOS OBSCUROS DA INDÚSTRIA DA ANTICORRUPÇÃO, POR LUIS NASSIF

Há tempos, o GGN vem denunciando a indústria da anticorrupção que se instalou no país, permitindo grandes tacadas em nome da moral e dos bons costumes. Está sendo assim com os contratos milionários entre Petrobras e Eletrobras com grandes escritórios de advocacia americano, intermediados por Ellen Grace, ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF).
Do mesmo modo, a aposentadoria de figuras carimbadas da Lava Jato – como o ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot e o procurador Carlos Fernando dos Santos – e a abertura de escritórios de advocacia especializados em compliance mostra a extrema. Aqui você tem um conjunto de artigos publicados sobre o tema.
A notícia na Folha, de que Josmar Verillo bancou um livro de Cláudio Tognolli contra a JBS, em uma disputa comercial com a Paper Excellence, é significativa pelo que conta, e mais ainda pelo que sugere.
O livro “Traidores da Pátria” é uma denúncia contra a JBS. E, segundo e-mails levantados pela Folha, mostram a interferência direta e o patrocínio do consultor Josemar Verillo. A intenção de Verillo foi utilizar o escândalo JBS para beneficiar a Paper Excellence na disputa pelo controle da Eldorado.
A rigor, não há novidade sobre Tognolli. A parte interessante é sobre Verillo. Em 1999 participou de uma ONG em Ribeirão Bonito, onde se fixou, depois de uma carreira como executivo de grandes grupos. A ONG especializou-se em denunciar corrupção em prefeituras de pequenas cidades.
Embora não filiada à Transparência Internacional, a atuação da Ammarribo passou a ser totalmente avalizada pela ONG. Tempos atrás, escrevi um artigo crítico à atuação de Verillo, e recebi extensa correspondência da Transparência Internacional, enaltecendo sua atuação e a rede de 230 organizações que passaram a constituir a rede. Era um aval amplo da Transparência Internacional a Verillo.
Esse mesmo aval foi conferido à Lava Jato. A Transparência Internacional se tornou uma das principais avalistas da operação. Apoiou as dez medidas, avalizou todas as ações da Lava Jato, deu um apoio precioso por partir de uma organização cuja reputação jamais foi questionada – e, a rigor, cuja atuação nunca mereceu uma avaliação mais aprofundada. Pelo apoio, teve direito a participar da tal fundação de R$ 2,5 bilhões, que seria administrada pela Lava Jato para levar a bandeira do compliancea todo o país (aqui)
A Paper Excellence
Vamos analisar quem é a Paper Excellence, que mereceu a assessoria de um campeão da luta anticorrupção.
Pertence ao grupo indonésio Asia Pulp & Paper, que por sua vez pertence ao conglomerado Sinarmas, uma empresa chino-indonesia que pertence a uma dinastia extraordinariamente rica, dos Widjajas.  Fundada em 1962, cresceu durante o regime do ditador indonésio General Suharto explorando óleo de palma, carvão e serviços bancários. (aqui).
O curioso é que a empresa, criada pelo patriarca Eka Tjipta Widjaja (que faleceu este ano aos 91 anos), é tão controvertida quanto a JBS.
Eka era a quarta pessoa mais rica da Indonésia. 15 anos atrás, seu império foi responsável por um default de US$ 14 bilhões (aqui). Safou-se com o contribuinte indonésio pagando metade da dívida, permitindo a reestruturação da outra metade (aqui)
Já se envolveu em vários problemas ambientais, foi acusada de extração irregular de madeira no Camboja. Em 2003, a Human Rights Watch denunciou ataques da APP a pessoas que receberam terras do governo. Os ataques foram conduzidas pela polícia e por seguranças da própria empresa (aqui)
Em dezembro de 2017, a AP publicou vasta reportagem sobre o grupo, mostrando “extensas ligações” com fornecedores de madeira ligados a incêndios e desmatamento, degradando o ambiente natural da Indonésia (aqui). O grupo montou uma estrutura de 27 empresas de plantação, aparentemente independentes entre si. A reportagem da AP cruzou dados biográficos dos proprietários e constatou que seis eram funcionário do grupo e dois ex-funcionários. Vários deles trabalhavam no mesmo departamento financeiro da Sinarmas Florestal.
Em 2010, enfrentando acusações pesadas de destruição do meio ambiente, a APP montou uma estratégia similar à da contratação de Josemar Verillo. Contratou a firma de relações públicas Greeenspirit Strategies, dirigida por Patrick Moore, ex-ativista do Greenpeace. Moore escreveu um relatório no qual atribuía os desmatamentos aos moradores “invadindo ilegalmente as florestas em busca de melhores meios de subsistência”. Explicou que as clareiras deixadas pela empresa era para permitir que árvores novas pudessem receber o sol. A empresa tinha contaminado vastas regiões com sua mineração de ouro, e derramamentos devastadores de cianeto de sódio. Ele explicou que “o cianeto está disponível no meio ambiente e em muitas espécies de planta”. (aqui)
É possível que a Transparência Internacional não estivesse a par das estripulias de seu parceiro. Mas é significativo a pouca transparência, e a falta de compliance, nas instituições que fizeram da luta anticorrupção seu objetivo final.
Do GGN

sábado, 18 de maio de 2019

XADREZ PARA ENTENDER O MANIFESTO DE BOLSONARO EM DALLAS, POR LUÍS NASSIF

Era previsível o lance de Jair Bolsonaro, conclamando suas milícias digitais a enfrentar as instituições. Ontem mesmo previmos esse movimento. Aliás, não há nada de mais previsível que Jair Bolsonaro, justamente por sua incapacidade de planejar qualquer movimento.
Aliás, o mesmo ocorre com seu guru Olavo de Carvalho. Ambos se assemelham a boxeadores que lutam de cabeça baixa distribuindo murros a granel. Como deu certo até agora, devido a imbecilização coletiva do país, continuaram acreditando no seu toque de Midas-reverso – que transforma em merda tudo o que tocam – até toparem pela frente com o muro da realidade.
Ontem, Olavo recuou admitindo que exagerou nas suas invectivas contra militares. Bater em militar é um pouquinho mais arriscado do que atacar Marilena Chauí.
Bolsonaro baixou a cabeça e saiu esmurrando, difundindo em sua rede o tal manifesto. Assim como no episódio Marielle, já se sabe quem é o assassino. Faltou saber quem mandou, ou seja, quem foi o autor do manifesto. E aí entra o nosso Xadrez
Peça 1 – o fator mercado
É evidente que o artigo compartilhado por Bolsonaro foi produzido por alguém ligado ao mercado financeiro. É uma análise de cenário, mostrando um Bolsonaro derrotado e a recomendação final de “vender” o Brasil.
É nítido que o mercado financeiro se encantou com as possibilidades de negócios abertas pela eleição de Bolsonaro.
É o caso da Eletrobrás, alvo do G3, de Jorge Paulo Lehman. Ou a maluquice-mor de Paulo Guedes, de promover a fusão do Banco do Brasil com o Bank of America (BofA). Ou ainda, os acordos de leniência fechados entre Departamento de Justiça e grandes empresas brasileiras, como a Petrobras, com a Lava Jato se comportando como agente auxiliar do DoJ. E os contratos de compliance fechados entre Petrobras, Eletrobras, Embraer com grandes escritórios norte-americanos, em um lobby coordenado por Ellen Gracie, ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal. Definitivamente, com o aval da Lava Jato, o Brasil se tornou uma mina de ouro para esses grupos.
Peça 2 – os grupos de lobby
Prevendo esse campo para grandes negócios, muitos centros de lobby norte-americanos resolveram investir no grande negócio da parceria com Ministérios Públicos de vários países e autoridades regulatórias. Foi o caso do Atlantic Council e suas ligações com procuradores gerais latino-americanos. E de duas empresas interligadas.
1. A tal Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Brazilian-American Chamber of Commerce) – não confundir com a respeitada Amcham, a Câmara de Comércio Brasil-EUA sediada em São Paulo. Seu presidente é Alexandre Bettamio, presidente do Bank of America (BofA) para a América Latina.
2. O Milken Institute, um centro de lobby criado por Michael Milken, operador americano que melhor explorou os fundos abutres e terminou condenado e preso nos anos 90 por informação privilegiada e proibido de operar no mercado.
Ambos são amigos e trabalham na mesma linha de lobby: grandes eventos anuais, que lhes permitem se aproximar de autoridades norte-americanas e de outros países. E têm uma especial predileção pela Lava Jato.
Aqui, um evento da Brazilian-American Chamber of Commerce com Sérgio Moro.
Aqui, outro evento com o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato carioca.
O patrocinador é o escritório de advocacia Debevoise & Plimpton LLP, um dos grandes escritórios nova-iorquino participantes da ampla promiscuidade com procuradores do DoJ. No mês passado, ele se vangloriava de ter contratado Lisa Zornberg, ex-Chefe da Divisão Criminal da Procuradoria dos Estados Unidos no Distrito Sul de Nova York.
O escritório tem um leque de produtos para clientes brasileiros, desde assessoria em casos de denúncia até trabalhos de compliance.
Já o Milken Institute armou eventos com grandes players brasileiros, dentre os quais Jorge Paulo Lehmann, Henrique Meirelles e o indefectível Betammio.
Aqui, foto do evento da Brazilian-American Chamber que premiou Sérgio Moro e Mike Bloomberg. Na foto, o próprio Bettamio com o casal Moro, Bloomberg e João Dória.
Peça 3 – Bettamio, Guedes e Bolsonaro
E, assim, entramos no nosso personagem principal, Alexandre Bettamio.
Assim que Bolsonaro foi eleito, foram empinados alguns balões de ensaio indicando Bettamio para a presidência do Banco do Brasil. Ele declarou que havia recusado. Mas passou a investir pesadamente no governo Bolsonaro e na parceria com Paulo Guedes, com quem conviveu nos tempos em que trabalhou no USB-Pactual.
Á frente da Câmara de Comércio, Bettamio tratou de aprofundar relações não só com a Lava Jato como com Bolsonaro.
Foi ele que insistiu no evento em Nova York, para homenagear Bolsonaro, que acabou se convertendo no maior mico de um governo coalhado de micos.
Antes de Bolsonaro assumir o governo, Paulo Guedes já difundia a ideia da fusão entre BB e BofA. Ontem, Guedes voltou a insistir na fusão BB-BofA e a acenar com venda de ativos da Petrobras.
Peça 4 – a reversão de expectativas
É esse horizonte, propício para alguns dos maiores negócios da história, que ficou coberto pelos raios e trovoadas da ingovernabilidade.
De um lado, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro avançando nas investigações sobre Flávio Bolsonaro, que inevitavelmente baterão no pai. As ruas, tomadas por estudantes protestando contra os cortes do MEC. E, na economia, o aprofundamento da crise, com os últimos dados sobre desemprego, mostrando a total inoperância de Paulo Guedes, na política econômica, e de Onix Lorenzoni, na articulação política.
Guedes é incapaz de uma ideia criativa sequer. Todo seu talento, em outros tempos, se resumia a montar cenários econômicos em momentos de grande inflexão da economia. Mesmo como gestor de fundos de equity, jamais demonstrou visão prospectiva. Limitava-se a ir atrás de empresas familiares em setores tradicionais, demonstrando enorme aversão a risco. Além de cultivar uma relação frutífera com fundos de pensão de estatais.
Levou esse travamento para o Ministério da Economia. A crise se aprofunda e o Ministério é incapaz de qualquer coisa além de prometer o céu se a reforma da Previdência for aprovada, um blefe óbvio. A inércia chegou a tal a ponto que o Congresso resolveu assumir para si a responsabilidade de definir políticas anticíclicas – uma excrescência fruto exclusivo do desespero com a inoperância de Guedes.
É nesse quadro que surge o tal manifesto replicado por Bolsonaro, cuja última linha manda “vender” Brasil.
Foi um manifesto de mercado, que chegou a Bolsonaro em plena ida a Dallas, provavelmente entregue a ele por seu anfitrião. E, com o manifesto, a explicitação da intenção de Bolsonaro de insuflar suas milícias – digitais e provavelmente as armadas – contra as instituições.
Não poderia ter escolhido melhor cenário. Dallas foi local em que foi planejado e executado o assassinato de John Kennedy, o presidente americano visto como de esquerda pelos supremacistas brancos.
Do GGN

terça-feira, 30 de abril de 2019

A INDÚSTRIA DO COMPLIANCE COMO NOVO FOCO DE CORRUPÇÃO, POR LUÍS NASSIF

Como nasceu a Lava Jato? Qual o papel do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na formação da força-tarefa? Como a indústria de compliance surgiu a partir da operação na Petrobras?
No GGN publiquei um “Xadrez” sobre a maneira como o Departamento de Justiça dos EUA passou a tratar a questão da corrupção política e como que preparou a Lava Jato, procuradores e juízes brasileiros.
Isso começa no começo dos anos 2000 com a criação da Seção de Integridade Pública do DOJ, incumbido de investigar crimes políticos, crimes que envolviam a administração pública de uma maneira geral.
Pra evitar pressão política, foi dada cobertura total a esse departamento. Blindagem total. Um grupo de 36 pessoas, procuradores e outros, que passara a investigar os grandes escândalos corporativos e políticos.
Leia mais: 
Um dos primeiros episódios foi o da Enron e da Andersen Consulting, que era a empresa de auditoria da Enron.
Ali, pela primeira vez, foi testada uma “tecnologia” de atropelar direitos, que depois foi incorporada pela Lava Jato.
Então no artigo eu mostro um conjunto de fatores, o fato de esconderem provas das defesas, o fato de usar o acesso às provas para impor narrativas aos réus e testemunhas para aceitarem delação premiada.
E depois, como lá tem um sistema jurídico que chega, em certo momento, a dar um cabo nesses abusos, quando chegavam nas instâncias superiores e se percebiam os abusos, muitos procuradores saiam e iam trabalhar em grandes escritórios de advocacia.
Por aí a gente vê esse knowhow importado para o Brasil, essa ligação entre procuradores e grandes escritórios de advocacia e compliance.
Compliance se trata de um conjunto de regras e tudo visando blindar uma empresa contra corrupção. Não tem mistério. É só você mapear todos os processos de decisão da empresa que geram os contratos, que geram a saída de dinheiro, identificar e definir valores e tudo, e definir atribuições, estabelecer instâncias de decisão. Tal valor tem que tais e tais diretorias envolvidas… A partir de tal valor… O Banco do Brasil tem isso estupendamente, tanto que não teve rolo nenhum dele nesse período. O BNDES tem esse mesmo processo, o que aconteceu com ele foi arbitrariedade da Lava Jato do Rio.
Então, agora, o compliance é o seguinte: os mais velhos se lembram da bolha de tecnologia que houve no começo dos anos 2000. Quando você tem essas bolhas, essas bolhas impedem uma precificação do projeto. O projeto, quanto que vale? As bolhas extrapolam esses valores.
Então você teve muito de dinheiro lavado através de projetos de tecnologia.
Você montava um projeto, fazia uma start-up, entrava o dinheiro… Têm filhas de políticos aqui que ficaram ricos por conta disso.
Com o compliance ocorre o mesmo. Você tem um quadro novo, que são procuradores sem limites avançando sobre empresas, destruindo empresas. Nos Estados Unidos, destruíram a Enron, a Andersen Consulting.
Depois de anos, que se percebeu, em vez de criminalizar, digamos, pessoas que cometeram atos, eles criminalizaram a própria empresa. Quebraram a empresa, como foi feito aqui com a Petrobras pela Lava Jato.
Então você espalha o terror. Tem casos aí, que nem aqui no Brasil, do sujeito ser mantido preso durante um tempo, até abrir o bico.
As delações premiadas serem de acordo com o que procurador queria. Então você espalha o medo nas empresas. A partir daí entram as empresas de compliance.
No caso brasileiro, o que houve aqui com Petrobras, Eletrobras, com Ellen Grace, isso vai dar uma CPI em algum momento.
Não tinha nada para justificar 200 milhões de dólares para fazer compliance na Petrobras, sendo que já tinham grandes escritórios paulistas contratados para fazer esse trabalho.
A mesma coisa com a Eletrobras. No caso do acordo que houve nos EUA, a class-action, um acordo da Petrobras com todos os chutes aí… Eles calculavam a propina da Petrobras em 900 milhões de dólares. Um chute, um chute.
A propina saia da margem de lucro da empresa. E você vê: se a Petrobras era vítima, as multas das empreiteiras tinham que reverter para a Petrobras. Em vez disso, a Petrobras assina o contrato nos EUA, com o Departamento de Justiça, e com a participação dos procuradores brasileiros, em que ela se compromete a pagar 3 bilhões de dólares em indenização. E daí, 2 milhões e meio de reais vem para administração da Lava Jato.
Todos esses procuradores, e ninguém para defender o Brasil lá. Uma empresa pública, um patrimônio nacional.
Então essa questão do compliance é a chave para entender tudo que está ocorrendo aí. É um jogo milionário, sem limites. Sem limites. Quanto mais o terror implantado aqui do lado dos procuradores, mais as empresas vão estar dispostas a pagar. E pagar é compra de proteção, porque compliance, qualquer pessoa medianamente, qualquer sistema de RP, tudo, você implanta compliance em uma empresa. ‘Mas aqui você vai fazer com tais e tais escritórios de advocacia’, porque eles têm ligações com o DOJ e vendem uma proteção.
Por aí se entende muito desse jogo da indústria da delação anticorrupção, que acabou fazendo com que a corrupção mudasse de lado.
A venda de defesa, através desses contratos de compliance, faz com que as empresas sangrem muito mais do que com a corrupção que existia antes. Até mais.
GGN

sexta-feira, 28 de julho de 2017

O procurador que usou o MPF como escada, Nassif

A entrevista do procurador  Carlos Fernando dos Santos Lima à Folha é significativa dos males que a Lava Jato causou ao Ministério Público Federal pela falta de comando do PGR (Procurador Geral da República) e do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). E mostra como a espetacularização do Judiciário prejudicou a Justiça, em benefício de membros dos dois poderes.

Anos atrás participei de um debate sobre o tema no Encontro Nacional dos Juízes Federais. Eugênio Bucci dizia que os holofotes sobre a Justiça aumentariam a transparência do Judiciário. Eu rebati sustentando que quem participasse desse show da vida acabaria se comportando de acordo com as características do ambiente. Para se manter no show teriam que ceder cada vez mais às exigências do público. 
Do pré-mensalão para cá, o maior fator de estímulo à opinião pública – especialmente dos executivos de mercado e de grandes empresas – foi a anti-política, o anti-petismo radical. Tornou-se a bola da vez, abrindo espaço para palestras, consultorias de toda espécie. 
É só conferir aquele economista que participa do Manhatan Connection. No início, era um sujeito de bom senso e conhecimento técnico, em meio a colegas jejunos no assunto. Hoje em dia, no Twitter, suas mensagens são do nível de um Lobão. E sempre acompanhadas de mensagens autopromocionais. 
O primeiro a surfar nessas ondas do ódio à política foi Joaquim Barbosa, que trocou o cargo de Ministro do Supremo por uma banca de advocacia à qual recorrem grandes empresas que não querem dificuldades com a lei. Nem se diga que o radicalismo de Barbosa foi ensaiado. É de nascença mesmo. 
Não se trata meramente da crítica à política, mas da propagação do ódio em todos os níveis como ferramenta de marketing. 
Se esse marketing rentável pegou até quem galgou todos os degraus da carreira de procurador, o que não dizer de procuradores que fizeram toda sua carreira em centros menores, como é o caso de Curitiba. 
Em todos esses momentos, exercitaram, por palavras e atos, o exercício do ódio mais visceral. 
É só conferir as declaração de Carlos Fernando, sobre as fraquezas de Sérgio Moro de absolver socialites cariocas claramente envolvidas e beneficiadas com os golpes dos maridos: 
- Ele tende a ser mais brando com as mulheres, mesmo. Nós pedimos autorização para condução coercitiva de Marisa Lula e ele não concedeu.
Ou seja, não bastava invadir a casa de Lula, revirar camas e quartos, conduzi-lo coercitivamente com toda a imprensa avisada. Tinha também que submeter a esposa ao mesmo rito de humilhação. 
E contou isso, em uma entrevista, com a mesma naturalidade de qualquer frequentador de boteco contando as últimas machezas para a roda. 
Em seu perfil ataca os “inimigos da operação” e adota frases como "vamos acreditar que podemos ser livres, que podemos escolher pessoas íntegras, que existe esperança". 
Na entrevista à Folha, Carlos Fernando conta, de passagem, o final da grande encenação: aposentadoria do MPF e montagem de um escritório de advocacia que se especializará em ... compliance, é claro.

Com a quantidade de empresas envolvidas devida ou indevidamente com a Lava Jato, é previsível o sucesso do futuro escritório. Afinal, não contratará apenas um escritório especializado em compliance,  mas um escritório especializado em uma ciência à parte: o que o MPF, mais especificamente, o MPF brasileiro, mas especificamente, as Forças Tarefas, entendem por compliance. Contratar o futuro advogado significará percorrer o caminho das pessoas íntegras e descobrir que existe a esperança. Amém!

Seu poder não deriva mais do cargo, nem ele está mais submetido às regras disciplinares do MPF. Agora, o procurador está dotado da Força: a capacidade de cada pum no Facebook se tornar manchete em jornais que perderam totalmente a capacidade de avaliar as notícias pela relevância. Com o Poder, ele se considera mais forte que o próprio PGR. 
Na entrevista, critica os erros de comunicação do PGR no acordo com a JBS, critica a decisão do TRF4 de absolver Vaccari, ensina jurisprudência ao Judiciário. Critica tudo. Os únicos que têm o monopólio do acerto são eles, da Lava Jato. E se a Justiça não aceita apenas indícios como prova, é porque o Judiciário está desatualizado. Não se conhece um trabalho de fôlego do procurador sobre o tema. 
Indagado sobre a falta de isenção de quem se manifesta politicamente na rede, é taxativo:
“Se eu estivesse fazendo consideração político-partidária, eu estaria realmente vinculado a certos posicionamentos. Se você defende princípios que estão na Constituição, esse argumento é absurdo. Eu vou falar. Não posso deixar de falar. Eu tenho uma obrigação de falar”.

Obviamente, do PT e do PMDB, sem nenhuma menção ao PSDB. Durante toda a entrevista fala dos processos. E, oportunamente, aproveita para anunciar seu futuro escritório de advocacia especializado em compliance.

Não se pode negar que ambos – ele e Deltan Dallagnol – tem o faro apurado do investidor de oportunidades. Aproveitaram ao máximo os holofotes da mídia, exercitaram com maestria o discurso do ódio, forneceram carne fresca à vontade para um mercado sedento de sangue, e fincaram as bases para o salto profissional. Mas é piada falar em meritocracia. Por mérito, Carlos Fernando jamais passaria de procurador regional no Paraná.
À Folha ele afirmou que seu objetivo, com as catilinárias nas redes sociais, é inspirar os procuradores que combatem a corrupção Brasil afora. 

Aliás, um bravo procurador, envolvido com a Lava Jato e com outras grandes operações, dia desses se queixava da tendência das novas gerações, de usarem o MPF como trampolim para carreiras no setor privado. Esta é a parte pior da herança deixada por por Janot: a leniência com o protagonismo excessivo da Lava Jato, que escancarou a falta de isenção e, agora, a falta de disciplina e de discrição que deveria caracterizar a carreira de procurador.
Do GGN

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Xadrez da indústria da leniência e do compliance, Luis Nassif

Cena 1 – o procurador que mudou de lado
Marcelo Miller era procurador de ponta no Ministério Público Federal. Bem formado, com visão liberal da economia, conhecimento do mundo dos negócios e das offshores, conduziu a Operação Norbert que, atrás de um casal de doleiros no Rio de Janeiro, acabou identificando contas da família Neves em Liechtenstein.

Indicado Procurador Geral, um dos primeiros atos de Rodrigo Janot foi trazer Miller para sua assessoria pessoal, envolvendo-o também nas investigações da Lava Jato.

Causou surpresa a notícia de que, no início de março, largou o MPF por um contrato de advogado na Trench Rossi Watanabe, um dos maiores escritórios de advocacia do país, representante do influente escritório nova-iorquino Baker McKenzie.

O escritório defende a SAAB-Scania, alvo de uma operação do MPF conduzida pelo próprio Miller, visando apurar as circunstâncias da licitação FX da FAB. Apesar de ter sido conduzida de forma transparente, a licitação caiu nas garras do MPF e transformou uma denúncia vazia em um contrato de bom valor para a Trech Rossi Watanabe.

Vamos entender um pouco melhor esse jogo e como a indústria da leniência se transformou no negócio do momento para os escritórios de advocacia.

Cena 2 – a indústria dos acordos de leniência
As práticas jurídicas, acordos de leniência, acordos de delação, estimularam uma disputa feroz entre escritórios de advocacia e empresas de auditoria em todo mundo.

É uma indústria em franca expansão, na qual as estratégias consistem em se aproximar de órgãos públicos, cooptar procuradores, advogados com influência nos órgãos de controle, empresas de auditoria, atuando muitas vezes nas três pontas: nas empresas acusadas de corrupção, nas empresas vítimas da corrupção e nos governos nacionais.

É um mundo pouco conhecido, mas que mereceria um holofote em cima, para ser melhor entendido. E o caminho é analisar alguns episódios recentes envolvendo o mais influente dos escritórios do gênero, o Baker McKenzie.

Cena 3 – o acordo de leniência da Embraer
Confira-se o que ocorreu com a Embraer.

Em outubro de 2016, a Embraer assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Ministério Público Federal. Era a finalização de um caso envolvendo corrupção em diversos países.

Nos Estados Unidos, a Embraer pagou mais de US$ 200 milhões de multa. No Brasil, a multa foi bem menor. Os termos do acordo geraram desconforto no MPF.

O procurador do caso era Marcelo Miller. O escritório que representava a Embraer, a Trench Rossi Watanabe; o escritório para os EUA, o Baker McKenzie.

Aqui (https://goo.gl/z8TFVb) as referências a Miller, no Brasil, e à Baker McKenzie nos Estados Unidos.

Cena 4 – o acordo de delação da JBS
A JBS decide fazer um acordo de delação com a Procuradoria Geral da República (PGR). Seu escritório é o mesmo Trench Rossi e Watanabe.

Desde fins de 2016, a JBS vinha se preparando para uma delação-bomba, que lhe permitisse arrancar um grande acordo de delação com a Procuradoria Geral da República brasileira, ao mesmo tempo em que negociava um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Um dia antes das gravações de Joesley Batista, da JBS, no presidente Michel Temer, o procurador pede afastamento do Ministério Público Federal e vai trabalhar na Trench Rossi e Watanabe.

Aqui, a forma de saída de Miller e a maneira como convenceu Janot a aceitar a delação (https://goo.gl/ubAHLX).

Miller foi contratado com salário de R$ 30 mil mensais mais bônus anual garantido de U$ 450 mil. Pouco aparece no escritório Trench Rossi Watanabe. O escritório saiu do acordo de leniência, mas continua trabalhando para a JBS em casos bastante lucrativos. O referral fee (o pagamento recebido pela indicação do cliente) do contrato é de Miller.

Nos EUA, a JBS conseguiu um acordo de leniência com o Departamento de Justiça sendo representada pela... Baker McKenzie, é claro (https://goo.gl/BiHVh4).

O procurador geral da Divisão do Ministério Público Norte Americano responsável pelo caso JBS é Trevor McFadden (https://goo.gl/jDWDBK). Onde Trevor trabalhava antes de assumir essa função? Até janeiro de 2017, na Baker McKenzie (https://goo.gl/kII9lv).

Cena 5 – as investigações na Petrobras
Odebrecht e Braskem são grandes clientes da Trench Rossi Watanabe e da Baker McKenzie. Essas informações foram omitidas da Petrobras, quando contratado para conduzir as investigações internas na empresa.

É um custo bastante alto, também omitido do site da empresa, provavelmente bem maior do que os valores recuperados pela Lava Jato.

A mesma Baker McKenzie foi contratada pela Braskem para celebrar a leniência nos Estados Unidos (https://goo.gl/vwEf7t).

Já em 2014, a Trench Rossi Watanabe foi contratada para investigações internas na Petros, o fundo de pensão da Petrobras. Nada encontrou sobre a JBS. Quem a assessorou foi a empresa de auditoria EY, autora de relatório controverso sobre a Eldorado Celulose, no qual não identificou nenhuma irregularidade (https://goo.gl/xiGvSv). Posteriormente, na delação o próprio Joesley admitiu as irregularidades (https://goo.gl/9H7afW).

Um de seus advogados era Dalton Miranda, ex-conselheiro do CARF (https://goo.gl/eUwKZI), denunciado em fevereiro de 2017 na Operação Zelotes (https://goo.gl/bifJKb). A sócia administrativa da Trench Rossi Watanabe é Simone Musa, que também contratou Marcos Neder, advogado bastante influente e controvertido que, a exemplo de Miller, passou a advogar para empresas investigadas por ele (https://goo.gl/FIId7).

Conclusão
Puxa-se uma pena, vem a galinha toda, já dizia o preclaro Ministro Gilmar Mendes.

Os dados acima são as penas e algumas partes da galinha. Indo mais a fundo, é capaz de aparecer o galinheiro completo.

Do GGN, Luís Nassif