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terça-feira, 2 de abril de 2019

NAZISMO FOI UM MOVIMENTO DE DIREITA, DIZ MUSEU DO HOLOCAUSTO VISITADO POR BOLSONARO E ERNESTO ARAÚJO

Instituição conta a história do genocídio de seis milhões de judeus pelos Nazistas e, mais, explica didaticamente que o regime liderado por Adolf Hitler era de extrema direita e nacionalista.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
No terceiro dia de visita oficial ao governo de Israel, esta terça-feira (02), o presidente Jair Bolsonaro conheceu o centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém.
O local conta a história do genocídio de seis milhões de judeus pelos Nazistas e, mais, explica didaticamente que o regime liderado por Adolf Hitler era de extrema direita e nacionalista. A exposição sobre a história do Museu contraria a visão defendida pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que também estava na comitiva que acompanhou Bolsonaro na visita ao memorial.
Em um artigo publicado no sábado (30) no seu blog pessoal, Araújo afirmou que o nazismo é um movimento de esquerda. “Livres dessa inibição, podemos facilmente notar que o nazismo tinha traços fundamentais que recomendam classificá-lo na esquerda do espectro político”, escreveu o chanceler.
Em uma recente entrevista ao canal do YouTube Brasil Paralelo, da mesma linha ideológica de Olavo de Carvalho, Araújo disse ainda que “fascismo e nazismo são fenômenos de esquerda”.
Em seu site oficial, o centro de memória do Holocausto Yad Vashem traz um breve histórico sobre a ascensão do partido nazista na Alemanha, entre a Primeira e a Segunda guerras mundiais.
A instituição lembra que as principais potências europeias, ao assinar o Tratado de Versailles para selar a paz na região, considerou a alemanha a principal culpada pelos conflitos, obrigando o país a aceitar uma série de imposições que levando os alemães a perderes parte de seus territórios, zonas de exploração mineral e colônias.
“Essa frustração, junto a intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do Comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista”, explica o museu. E esse é o cenário dá origem à criação do Partido Nazista, em 1920.
Um dos principais pontos de apoio para quem argumenta que o Partido Nazista era de esquerda está no nome completo da sigla “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães”.
Trecho no site do museu Yad Vashem dizendo que o Partido Nazista surgiu como uma reação às ameaças do comunismo na Alemanha entre a Primeira e Segunda grandes guerras.
Em entrevista à BBC News Brasil, Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário, rebate esse argumento usado nos debates da internet.
“Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram. O que é fundamental aí é o termo ‘nacional’, não o termo ‘socialista’. Essa é a linha de força fundamental do nazismo – a defesa daquilo que é nacional e ‘próprio dos alemães’. Aí entra a chamada teoria do arianismo”, explica.
Em setembro passado, o embaixador alemão no Brasil, Georg Witchel, em entrevista ao jornal O Globo chamou de “besteira” afirmar que o nazismo foi um movimento político de esquerda.
“É uma besteira argumentar que o fascismo e o nazismo são movimentos de esquerda. Isso não é fundamental, é um erro, é simplesmente uma besteira”, analisou.
“Isso é um fato bem fundamentado na História. É um consenso entre os historiadores da Alemanha e do mundo que o nazismo foi um movimento de extrema direita”, completou.
Sobre a confusão que se criou, especialmente em grupos radicais de direita no Brasil, de que o Nazismo é de esquerda, a professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Denise Rollemberg, disse em entrevista à BBC News Brasil que quando surgiu, o partido Nazista também se apresentou contra o capitalismo liberal que existia na época.
“Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha”, completou.
Do GGN

domingo, 24 de março de 2019

LINKS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL, DE 1894 A 2018, POR SEBASTIÃO FARIAS

Bibliografia digital para entender os acontecimentos e, o que se passa com o país, na atualidade, desde 1894, passando pela redemocratização, eleição de Lula e o golpe.
Cara Maiara Paixão, excelente matéria informativa e instrutiva ao povo brasileiro, sedento de instrução cidadã. A sequência temporal a seguir, sobre a evolução e história política do Brasil, que interessa ao povo, com fundamento no que a internet apresenta, a partir de 1894, tem a ver com sua matéria e, nos dá a resposta que todos precisamos, para entendermos os acontecimentos e, o que se passa com o país, na atualidade.
Pertinente a tudo isso, a Igreja Católica lançou, como faz a todo ano, a Campanha da Fraternidade-2019, que tem como Tema: a Fraternidade e Políticas Públicas e, como Lema: “Sereis libertos pelo direito e pela justiça”(Isaias 1,27).
Que aqueles que têm interesse em conhecer as causas de tudo isso, leiam e, por sua própria consciência, tirem suas conclusões e, ajudem a instruir cidadãos, pais, filhos e netos e a quem puderem, sobre isso que é, a história dos governos do brasil, por épocas, até a atualidade.
Boa pesquisa e bom aproveitamento:
1ª Parte: (de 1894 a 1930)
Os donos do Brasil, são as elites rurais e urbanas, os banqueiros, a imprensa corporativista e partidária, o coronelato, as oligarquias, etc:
2ª Parte: (de 1930 a 1964)
Os donos do Brasil, descobrem que o País tem dono soberano, O Povo Brasileiro:
3ª Parte:
As elites e parte da classe média, a imprensa corporativista e partidária e as forças armadas protagonizam o golpe cívico/militar/midiático de 1964 a 1985:
4ª Parte: (1985 a 2016)
O Povo Brasileiro reconquistam a democracia e seu Poder Constitucional e Soberano:
O Artigo 3º da CF, define os Objetivos Fundamentais da República Federativa do Brasil, que deve servir de base para orientar os Planos de Governo, as Políticas Públicas e, servir de Referência para se analisar e avaliar, se os governos pós-ditadura, a bem dos interesses do povo e da nação, estão respeitando esses Objetivos Sagrados.
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
10) REDE GLOBO mostra realidade do governo LULA –
5ª Parte: (2016 a 2018) 
Reação das elites e ruralistas, parte da classe média, banqueiros, imprensa corporativista e partidária, parte dos partidos, do Executivo, do judiciário e do legislativo, dos evangélicos, dos católicos, etc, resultou no Golpe Cívico/Parlamentar/partidários/judiciário/midiático:
Tudo isso, são as nossas contribuições e sugestões, para que o povo brasileiro e o Brasil, encontrem a paz social, a justiça, o bem-comum e a fraternidade, perdidas, para o bem de todos nós.
Sebastião Farias
Um brasileiro nordestinamazônida
Do GGN

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

XADREZ DOS RUMOS DO FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – os ciclos da história
Desde o Plano Cruzado me interessei pelos ciclos históricos, pela maneira caprichosa com que os fatores históricos vão sendo tecidos e os eventos se repetem, com cem anos de diferença, mas seguindo a mesma lógica férrea. Explano essa processo no meu livro “Os cabeças de planilha”.
Quem primeiro me chamou a atenção foi a leitura de “América Latina, males de origem”, do médico, psicólogo, historiador Manuel Bonfim.
Admirador da revolução americana, descreveu logo após a República o que seria o desenho de um país moderno e sua decepção com a República que se desenhava no país. Especialmente com a maneira como o Brasil naufragou com o encilhamento e o jogo político dos financistas.
Justamente por mudar o foco dos males nacionais, do mito da sub-raça (que ele desmontou, como médico) para o da sub-elite, acabou ignorado pela geração seguinte de brasilianistas, de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda.
Essa visão dos ciclos é essencial para entender a quadra atual do mundo e do Brasil, o advento do fascismo em suas diversas formas.
Em meados do século 19 e início do século20 ganham forma as grandes inovações tecnológicas, especialmente nos meios de transporte e nos serviços públicos. Essas inovações permitem a notável expansão do capital financeiro, mas, ao mesmo tempo, provocam terremotos nas atividades tradicionais, levando insegurança a todos os setores.
Como descreve Madeleine Albright no beste-seller “Fascismo, um alerta”:
  • Invenções espantosas como a eletricidade, o telefone, o automóvel e o navio a vapor aproximavam o mundo, mas essas inovações deixavam milhões de fazendeiros e trabalhadores manuais sem emprego. Por toda parte, pessoas estavam em movimento. Famílias de trabalhadores rurais se amontoavam nas cidades e milhões de europeus levantavam acampamento e cruzavam o oceano. Para muitos dos que ficavam, as promessas inerentes ao iluminismo e às Revoluções Francesa e Americana haviam se esvaziado.

No plano internacional, além disso, vivia-se o advento de uma nova potência industrial, os Estados Unidos, desequilibrando o jogo de poderes na Europa. E o modelo de articulação entre as nações, a Liga das Nações, não mais conseguia administrar os conflitos entre as partes.
A Velha República esboroa-se no Brasil e em todas as partes do mundo. Na Europa, a crise decreta o fim das dinastias monárquicas que dominavam os países mais relevantes.
Cem anos depois, o modelo financista esgota-se com a crise de 2008. Em outros tempos, cederia espaço à socialdemocracia. Mas, na Europa, a socialdemocracia agonizava, devido às enormes concessões feitas à financeirização. Em 2010, a única esperança de revitalização da socialdemocracia era Lula, recém-saído de um governo vitorioso.
É esse quadro que provoca, tanto há cem anos, quanto agora, o fim do modelo de democracia restrita, abrindo espaço para as lideranças agressivas, populistas, primárias, brandindo discursos de ódio.
Peça 2 – psicologia do fascismo
Esse é o tema principal do livro de Madeleine Albright. Além das comparações históricas, Albright se dedica a dissecar a psicologia do fascismo, a partir dos exemplos maiores – Hitler e Mussolini -, mas também dos partidos de extrema-direita que aparecem nos Estados Unidos, Inglaterra e França.
O medo como fator impulsionador
  • O medo é a razão de o alcance emocional do fascismo se estender a todos os níveis da sociedade. Não existe movimento político que floresça sem apoio popular , mas o fascismo depende tanto dos ricos e poderosos como do homem ou da mulher da esquina – dos que têm muito a perder e dos que não têm nada. Essa colocação nos fez pensar que talvez o fascismo deva ser visto menos como ideologia política e mais como forma de se tomar e controlar o poder.
  • Na Itália dos anos 1920, por exemplo, havia autodeclarados fascistas de esquerda (que advogavam uma ditadura dos despossuídos), de direita (que defendiam um Estado corporativista autoritário) e de centro (que lutavam pelo retorno a uma monarquia absolutista).
  • Na origem da formação do Partido Nacional-Socialista Alemão (Nazista) há uma lista de reivindicações com apelo a antissemitas, anti-imigrantes e anticapitalistas, mas que defendia também pensões mais altas aos idosos, mais oportunidades educacionais aos pobres, fim do trabalho infantil e melhorias no sistema de saúde para as mães. Os nazistas eram racistas e, na cabeça deles, ao mesmo tempo reformistas.
  • Enquanto uma monarquia ou uma ditadura militar são impostas à sociedade de cima para baixo, a energia do fascismo é alimentada por homens e mulheres abalados por uma guerra perdida , um emprego perdido , uma lembrança de humilhação ou a sensação de que seu país vai de mal a pior . Quanto mais dolorosa for a origem da mágoa, mais fácil é para um líder fascista ganhar seguidores ao oferecer a expectativa de renovação ou prometer restituir - lhes o que perderam.

O fascismo de Trump
  • Nesse processo , aviltou sistematicamente o raciocínio político nos Estados Unidos , exibiu um desprezo impressionante pelos fatos , caluniou predecessores , ameaçou “ encarcerar ” rivais políticos , referiu - se aos jornalistas da grande mídia como “ inimigos do povo americano ” , espalhou mentiras sobre a integridade do processo eleitoral do país , promoveu de forma impensada uma política comercial e econômica nacionalista , vilanizou imigrantes e os países de onde vieram e alimentou uma intolerância paranoica direcionada aos seguidores de uma das principais religiões do mundo

A violência e a hipocrisia
  • (Mussolini) aceitava dinheiro de grandes corporações e bancos, mas falava a língua dos veteranos e dos trabalhadores. (...) Como o clima político continuava a piorar, teve de tornar-se cada vez mais militante só para manter-se em compasso com as forças que alegava comandar. A um repórter que lhe pediu para resumir seu programa, Mussolini respondeu: “É quebrar os ossos dos democratas... e quanto mais cedo, melhor”.
  • (...) Discursando em praças, cervejarias e tendas circenses, Hitler se utilizava repetidamente dos mesmos verbos de ação – esmagar, destruir, aniquilar, matar. Sua rotina era gritar até espumar de fúria, vociferando em meio ao agitar de braços contra os inimigos da nação.

A ditadura dentro do devido processo legal
  • Em 1924 , Mussolini forçou a aprovação de uma lei eleitoral que entregava aos fascistas o controle do parlamento . Quando o líder socialista apresentou provas de que a votação fora fraudada , foi raptado por bandidos e assassinado . Ao final de 1926, Il Duce já havia abolido todos os partidos políticos concorrentes, acabado com a liberdade de imprensa, neutralizado o movimento trabalhista e reservado a si mesmo o direito de nomear autoridades municipais. (...) Assumiu o controle da polícia nacional, expandiu-a e multiplicou sua capacidade de conduzir a fiscalização interna. Para sufocar a monarquia, reivindicou o poder de aprovar o sucessor do rei. Para apaziguar o Vaticano, mandou fechar os bordéis e aumentar os ganhos dos padres, mas em troca ficou com o direito de aprovação dos bispos.
  • (...) Aos 43 anos, (Hitler) fez um apelo aos parlamentares por confiança, na esperança de que não pensariam muito a fundo antes de votarem o próprio epitáfio. Sua meta era assegurar a aprovação de uma lei que o autorizasse a ignorar a Constituição, passar por cima do Reichstag e governar por decreto. Garantia a seus ouvintes que não tinham nada com que se preocupar; seu partido não tinha a intenção de minar as instituições alemãs. (...)  Poucas semanas depois, os partidos políticos que colaboraram haviam sido abolidos, e os socialistas, presos. O Terceiro Reich havia começado.

O início das ditaduras fascistas
  • (Hitler) Começou pela abolição das assembleias locais e pela substituição dos governadores das províncias por nazistas. Enviou valentões da SA para brutalizar adversários políticos e, quando necessário, despachá-los para os recém-abertos campos de concentração. Deu cabo dos sindicatos ao declarar o 1o de maio de 1933 feriado nacional sem desconto em folha e então ocupar as sedes dos sindicatos país afora no dia 2. Expurgou o serviço público de elementos desleais e emitiu um decreto banindo judeus de profissões. Pôs a produção teatral, musical e cinematográfica sob o controle de Joseph Goebbels e impediu jornalistas não simpatizantes de trabalhar. Para garantir a ordem, consolidou numa nova organização, a Gestapo, funções policiais, políticas e de inteligência.

Como o sistema os recebia
  • Destilava seu escárnio pelos comunistas, estratégia que lhe valeu amigos na comunidade financeira e cobertura favorável em alguns dos maiores veículos de imprensa do país.
  • (...) O establishment político do país – grandes empresários, militares e Igreja – descartara inicialmente os nazistas como um bando de brutos gritalhões que jamais atrairiam o apoio das massas. Com o tempo, passaram a enxergar valor no partido como bastião anticomunista, mas nada além. Não tinham metade do medo de Hitler que deveriam ter. Subestimavam-no em razão da falta de estudo e se deixavam levar por suas tentativas de cativá-los. Ele sorria se fosse preciso e certificava-se de responder-lhes às perguntas com mentiras tranquilizadoras. Para a velha guarda, era claramente um amador com uma ideia exagerada de si, improvável de manter-se popular por muito tempo.

Rádio e Internet
  • O Führer foi o primeiro ditador capaz de atingir 80 milhões de pessoas num único instante com um chamamento à união. O rádio era a internet dos anos 1930, mas, como meio de comunicação de mão única, mais fácil de controlar. Jamais estivera disponível ferramenta tão eficiente para manipular a mente humana.

As mulheres do lar
  • Ao tomar posse, Hitler quase que de imediato retirou mulheres de funções burocráticas, prometendo “emancipá-las da emancipação”. Eram aconselhadas a cuidar da lareira, fazer remendos, costurar, cozinhar apfelkuchen [tortas de maçã] e dar à luz uma nova geração de super-homens arianos.

A globalização
  • O ímpeto globalizante atordoava a muitos e os levava a buscar refúgio na toada familiar das noções de nação, cultura e fé; e, por toda parte, pessoas pareciam em busca de líderes que trouxessem respostas simples e satisfatórias às perguntas complicadas da modernidade.

O fascismo na Inglaterra
  • Sir Oswald Mosley , um intrépido inglês com um bigode escovinha de fazer inveja a Hitler , libido comparável à do Duce e o que uma colega definia como “ arrogância esmagadora e convicção inabalável de ter nascido para reinar ” , era alguém que se via em tal papel .
  • De volta a Londres , Mosley fundou a União Britânica de Fascistas ( BUF , na sigla em inglês ) , com uma plataforma que abarcava o característico programa de obras públicas , anticomunismo , protecionismo e libertação da Grã - Bretanha de estrangeiros , “ sejam hebreus ou qualquer outro tipo de forasteiro ” . À imagem e semelhança do Duce , recrutou uma força de segurança de aparência ameaçadora , ensinou - os a fazer a saudação romana e distribuiu - lhes camisas pretas inspiradas no modelo de seus uniformes de esgrima . Em 1934 , os comícios de Mosley atraíam multidões de trabalhadores , comerciantes , empresários , aristocratas , membros descontentes do Partido Conservador e um punhado de repórteres , soldados e policiais de folga .

O fascismo na França
  • Na França , o Solidarité Française , com suas camisas azuis , foi um dos vários grupos de direita a digladiar com a esquerda : assumidamente pró - nazista , fez campanha com o slogan “ A França para os franceses ” e foi banido pelo governo socialista em 1936 .

O fascismo nos EUA
  • O escritor autodidata William Pelley fundou a Silver Legion of America em janeiro de 1933, poucas horas após Hitler ascender ao posto de chanceler da Alemanha. Sediada em Asheville, na Carolina do Norte, atraiu cerca de 15 mil filiados. Seus seguidores usavam calças azuis e camisas prateadas com um “L” escarlate acima do coração, que significava Love, Loyalty and Liberty (Amor, Lealdade e Liberdade). Os camisas prateadas militavam pelo antissemitismo e buscavam reproduzir o modelo nazista de vigilantismo. (...) Em 1936, Pelley foi candidato à presidência com o slogan “Fora, vermelhos, fora, judeus”, mas seu nome só esteve na cédula do estado de Washington e recebeu menos de 2 mil votos. Os camisas prateadas não tardaram a desaparecer, mas os preconceitos que disseminaram encontraram eco em organizações como a Ku Klux Klan e nas transmissões em rede nacional do padre Charles Coughlin, polêmico radialista isolacionista de Detroit.

Peça 3 – o fascismo à brasileira
O fascismo à brasileira transcende a figura de Jair Bolsonaro. Há uma fase de transição, já em andamento, que definirá o desfecho dessa trajetória política do fascismo.
Com as devidas ressalvas, já que o país atravessa uma fase de profunda irracionalidade, com a besta solta nas redes sociais e nas ruas, é possível delinear alguns desdobramentos do governo Bolsonaro. Principalmente quando o governo estiver em andamento e as expectativas do eleitorado não forem atendidas.
Os fundamentalistas
Pessoalmente, Jair Bolsonaro é uma personalidade vulnerável psicológica, intelectual e socialmente. Depende, em tudo, dos filhos.
Dos seus quatro filhos, um é apolítico, dois são baixo clero de pequena ambição e o quarto, Eduardo, é o megalomaníaco. Tem ideias grandiosas, ambiciona suceder o pai. Assim como um Duce tupiniquim, acredita piamente na sua intuição e nas asneiras que repete. E tem seguidores que também acreditam.
É de sua responsabilidade a parte mais non-sense do Ministério: o inacreditável chanceler Ernesto Araújo, o Ministro da Educação Ricardo Veléz e a Ministra de Direitos Humanos Damares Alves. A mediocridade  de seu círculo de influência mostra um político de tiro curto.
Pela lógica interna do governo, dada pelo núcleo mais racional, o dos militares, não se espere longa vida dos fundamentalistas, especialmente do Ministro das Relações Exteriores. Trata-se de um bajulador que assimilou as pirações fundamentalistas dos Bolsonaro por puro oportunismo e monta um jogo de cena mirando exclusivamente a falta de discernimento dos Bolsonaro sem se importar com as consequências para o país.
Ocorre que o MRE terá uma função chave, para complementar as estratégias econômicas do futuro Ministro da Economia Paulo Guedes. Em poucos meses, mesmo antes de começar o governo as declarações de Ernesto e Jair têm produzido terremotos na imagem do Brasil no exterior. Possivelmente, nem nos tempos da Albânia, da Coreia do Norte, estados nacionais conseguiram produzir uma dupla tão ridiculamente atemorizante quanto o duo Jair-Ernesto. Esse estilo rede social é totalmente incompatível com qualquer projeto sério de país, de direita ou esquerda.
Não se tenha dúvida que partirá de Eduardo o primeiro grande trauma político do governo Bolsonaro.
Os catões
A posse de Bolsonaro, no dia 1º de janeiro, marcará formalmente a transmutação da Lava Jato de agente desestabilizador para co-participante do banquete dos vitoriosos. Essa mudança está expondo de uma maneira surpreendentemente rápida seu viés político. E exigirá do futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro habilidades políticas que, aparentemente, ele não dispõe.
Nem se fale do caso do motorista de Flávio Bolsonaro. Os palpiteiros gerais da nação, Deltan Dallagnol e colegas, não ousaram ir além de comentários genéricos. O procurador que montou um power point em cima de provas indiciárias, e se tornou dono de uma verborragia incontrolável, sobre o caso do motorista limitou-se a um sintético “Bem lembrado”, ao comentário de uma colega, sobre as razões do motorista não ter sido submetido a uma condução coercitiva.
Nos primeiros dias após ter aceito o convite, Moro garantiu que funcionaria como um filtro dos escândalos do governo Bolsonaro. Escândalos não embasado seriam relevados, escândalos de peso seriam considerados.
O caso do novo Ministro do Meio Ambiente  Ricardo Salles será seu terceiro desafio.
No primeiro, o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, demonstrou uma enorme incapacidade de construir sofismas verossímeis, sugerindo que estava absolvido por ter demonstrado arrependimento.
No segundo, o caso do motorista, o silêncio foi constrangedor.
O terceiro será mais desafiador: encarar as acusações contra o futuro Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Enquanto Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Salles modificou mapas elaborados pela Universidade de São Paulo, alterou a minuta do plano de manejo e é acusado de ter perseguido funcionários da Fundação Florestal que se recusaram a participar da jogada, que beneficiava mineradoras em áreas de manejo florestal. Como fica?
Mas o desafio final serão as revelações sobre a vida pregressa política de Jair, um frequentador histórico das práticas políticas do baixo clero.
Se o motorista do filho já produziu esse estrago, o que não ocorreria com a revelação das práticas de Jair?
Os militares
De certo modo, a eleição de Bolsonaro não é o início de um novo tempo, mas o capítulo final da desmoralização do poder civil e das instituições democráticas. Afinal, para os inimigos da democracia, é o exemplo mais acabado da irracionalidade do processo eleitoral.
Na montagem do governo, os militares montaram o eixo mais racional, impedindo a ação dos lobbies no Ministério das Minas e Energia e em outros postos chave. Além de monitorarem as impropriedades de Bolsonaro, providenciando correção rápida das declarações absurdas, que poderiam ter implicações nas relações externas.
Á medida em que se sucedam as impropriedades da banda fundamentalista, o eixo militar irá ampliando sua atuação. Já há notícias de que reivindicam o comando da Infraero e outras estatais chaves.
Retomando nosso fio inicial, sobre a repetição de padrões históricos, a experiência de 1964 foi uma repetição a dos tenentes em 1930 e será repetida em 2019.
Os primeiros militares ascendem aos postos com o sentido de missão. À medida em que seu poder vai se estendendo, haverá um movimento similar na iniciativa privada, de contratação de militares da reserva bem relacionados com os que estão no governo. Retornarão os convites sociais aos comandantes militares, serão retomadas as visitas aos quarteis.
Tudo isso resultará em um ganho de status social e econômico que, mais à frente, será o maior fator de resistência para os militares se recolherem novamente aos quarteis e clubes militares.
Com a ascensão do poder militar, o projeto da direita ganhará racionalidade. Mas, a julgar pelo mais influente dos militares no governo, o general Augusto Heleno, não se abandonará o discurso do perigo vermelho e dos inimigos da pátria. Enfim, não parecem ter cabeça para um projeto unificador do país.
Peça 4 – o fim do ciclo fascista na 2ª guerra
O livro de Madeleine Fullbright traz um bom retrato do que virou o fascismo na Itália, depois que Mussolini caiu em desgraça.
  • As notícias da partida de Mussolini foram o estopim para celebrações Itália afora. Milhares de fotos emolduradas do ditador deposto foram retiradas de paredes e jogadas no lixo; de uma hora para outra, um fascista assumido virara a criatura mais rara de se encontrar.

Aqui no Brasil, assim que cair o mito Bolsonaro, os neo-direitistas se recolherão e voltarão a fazer profissão de fé, ou no poder militar, ou na democracia, dependendo apenas do vento do momento.
Na época de Hitler, Charles Chaplin produziu e protagonizou um filme célebre, “O grande ditador”, no qual um inofensivo barbeiro é confundido com o ditador.
O discurso final ajudou a acalentar a humanidade nas décadas seguintes, em que o mundo redescobriu a colaboração e tentou se civilizar:
  • Em vez da torrente de impropérios esperada pela plateia , Chaplin profere uma homilia sobre a resiliência do espírito humano perante o mal . Pede aos soldados que não se entreguem a “ homens que os desprezam , escravizam . . . tratam a vocês como gado e os usam como bucha de canhão . . . homens antinaturais – homens mecânicos com mentes e corações mecânicos . Vocês não são máquinas ! Vocês não são gado ! Vocês são homens ! Têm o amor da humanidade em seus corações . ” “ Neste momento minha voz atinge milhões de pessoas mundo afora ” , diz à plateia o humilde barbeiro . “ Milhões de homens , mulheres e crianças desesperados – vítimas de um sistema que leva homens a torturar e aprisionar gente inocente . Aos que podem me ouvir , digo : não se desesperem . . . O ódio dos homens vai passar , os ditadores perecerão e o poder que tomaram do povo retornará ao povo . . . A liberdade nunca perecerá .”

Do GGN

sábado, 3 de março de 2018

História do Golpe: Para entender o xadrez da política - 3, por Luis Nassif


Vamos a uma atualização do nosso cenário político.
01 de fevereiro de 2013: Sobre o xadrez na política - Notas 2
Esses jogos de guerra, famosos desde os anos 70, são interessantes por possibilitar identificar poderes, correlações entre eles, fatores relevantes para a vitória etc.
Vamos tentar montar essa lógica para nosso Jogo das Guerras Políticas.
O objetivo é impedir que o outro jogador consiga desestabilizar politicamente o país. Competir e vencer ou perder eleições é questão dos partidos políticos e cabe em outro tipo de jogo. Nesse, a maior ou menos possibilidade de reeleição só interessa como fator deflagador ou mitigador de crises políticas.
Os últimos meses foram relativamente calmos. Mas não se deve perder de vista o clima de ebulição que tomou conta do país por ocasião do julgamento do “mensalão”. Não se deve afastar a possibilidade de criação de novas catarses.
As duas frentes de batalha: Congresso e Judiciário
As batalhas se desenvolvem em duas frentes: Congresso e Judiciário.
O Congresso tem o poder de decretar impeachments de presidentes. Lá, o desafio consiste em manter a base aliada consolidada. Já o STF (Supremo Tribunal Federal) tem o poder de intervir, também. E, como se observou no julgamento do “mensalão”, o chamado “clamor da opinião publicada” tem enorme influência sobre o plenário.
O fator deflagrador de crises é o chamado Clamor da Mídia.
O contraponto central é a expectativa de Reeleição do presidente.
Reeleição mantém a base unida, esvazia as tentativas de reeditar movimentos de Clamor da Mídia e dilui intenções golpistas de membros do STF. E aí depende fundamentalmente do fator econômico.
A frente econômica
Hoje em dia, nos temas econômicos a guerra midiática se dá em duas frentes.
A primeira é a macroeconomia, em torno do binômio (muitas vezes conflitante) de Inflação e Crescimento. No momento, são pontos relativamente pacificados, mas com algumas incertezas no ar. De qualquer modo, é fora de dúvida de que para o governo a estabilidade econômica é fator maior.
A segunda é o da gestão pública, especialmente em torno de três frentes: as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), os problemas da Petrobras/PréSal e o ritmo emperrado dos ministérios.
Um bom desempenho da economia esvaziaria completamente o Clamor da Mídia
Estratégia – A presidente mudar o estilo e descentralizar um pouco que seja a gestão de governo; voltar a fortalecer a Petrobras; e interromper a ansiedade de uma medida pontual por semana na área econômica. 
Os fatores que criam Clamor da Mídia
Hoje em dia, o Clamor da Mídia é influenciado por dois fatores principais:
Guerra Fria.
Escandalizações.
Guerra Fria não pega. 
O tema da ameaça subversiva poderia ganhar alguma relevância se as centrais sindicais se curvassem às provocações – ou à ameaça de processo contra Lula – e saíssem às ruas, hipótese, por enquanto, pouco provável. Fica no ar o desfecho da análise das denúncias de Marcos Valério, pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais, agora que o episódio Renan Calheiros comprovou, para os que ainda não acreditavam, o forte ativismo político do Procurador Geral Roberto Gurgel.
Estratégia – Evitar manifestações de rua e não ceder às provocações.
Já escandalizações continuam eficientes, especialmente após a cobertura intensiva do “mensalão”.
Há dois pontos vulneráveis no governo, podendo gerar escândalos ou escandalizações. O regime do RDC (Regime Diferenciado de Contratação), estendido para todas as grandes contratações públicas, que pode dar margem a jogadas; e os megafinanciamentos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) aos chamados campeões nacionais, principalmente se alguns deles começarem a fazer água obrigando o banco a saídas pouco ortodoxas.  A repetição de episódios como a Marfrig e LAEP seria desastroso.
Estratégia – o BNDES proceder a um pente fino em todos os megafinanciamentos e, identificando vulnerabilidades nos tomadores, tratar de se antecipar, buscando soluções de mercado.
Ações pontuais junto à base aliada
Fora esses grandes eixos, há ações pontuais que poderia reduzir ainda mais o risco de desestabilização.
É nítido que Dilma Rousseff não tem a mínima vontade de tratar de questões políticas. Então, tem que se azeitar outros canais.
Lula faz um meio de campo eficaz. A grande manobra dos adversários têm sido a tentativa de envenenar as relações dele com Dilma - acenando com o fantasma da reeleição.  Nos últimos tempos, pessoas de segundo escalão – ligados aos dois - ajudaram na montagem da rede de intrigas. O desmentido cabal, por parte de Lula, desobstruiu esse canal. 
Estratégia – melhorar a Secretaria de Relações Institucionais. A senadora Ideli Salvatti tem inúmeras qualidades, mas não a de interlocução com o meio político – trabalho que foi feito com grande competência por seus antecessores, José Mucio e Alexandre Padilha.
Ações junto ao Sistema Judiciário
A decisão sobre os vetos parlamentares às Medidas Provisórias  mostrou alguns pontos relevantes.
Como se recorda, o estado do Rio de Janeiro entrou com um pedido de liminar para impedir que o Congresso derrubasse os vetos da presidência à lei dos royalties. O  Ministro Luiz Fux – que concedeu a liminar – praticamente paralisou os trabalhos do Congresso, ao obrigar que todos os vetos fossem votados em ordem cronológica. Depois, alegou que não tinha ido informado dessas consequências – comprovando a mesma leviandade de quando votou às cegas com o relator do “mensalão” Joaquim Barbosa e condenou até um réu absolvido pelo relator, passando a impressão de que não se aprofunda nos seus votos.
Desdobramentos desse caso:
Na entrevista aos correspondentes estrangeiros, Joaquim Barbosa criticou expressamente a insensibilidade do voto de Fux. Endossou a posição de bom senso dos Ministros que julgaram que a ordem cronológica deveria ser respeitada daqui para frente; não, retroativamente. Mais do que demonstração de bom senso, a posição de Barbosa confirmou o que fontes próximas a ele já haviam percebido: caiu sua ficha em relação ao inacreditável Fux, seu ponto de apoio para a radicalização do julgamento do mensalão.
Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Luiz Fux votaram pela decisão mais drástica, de manter o confronto com o Congresso na questão dos royalties. Gilmar Mendes votou contra, mas não por nenhum assomo de bom senso: a manutenção da lei dos royalties (sem os vetos da presidente) aumentará exponencialmente os royalties que Mato Grosso (seu estado natal e sua base política).
A superexposição dos Ministros teve esse subproduto positivo para a sociedade, ao demonstrar didaticamente a prevalência das convicções partidárias ou pessoais sobre o espírito das leis e da razoabilidade.  Forma-se o grupo dos cinco em temas em que sobressaia o ativismo do Judiciário. Nos demais temas, especialmente em ações de impacto político, a atuação é do grupo dos quatro - os dois Mello, Gilmar e Fux - respeitados os interesses pessoais em cada matéria votada. As posições de Joaquim Barbosa podem coincidir apenas topicamente com a do grupos dos 4, mas não há alinhamento automático.
O recente confronto de três associações de juízes com Joaquim Barbosa expõe outro ponto importante do STF.
Embora parte majoritária do Judiciário não tenha maiores simpatias pelo PT, a atuação dos cinco do Supremo no julgamento do mensalão foi recebida com espanto por muitos setores da magistratura. O show midiático das novas celebridades chocou um setor em que a maioria dos juízes comporta-se com discrição. Não passaram em branco as grosserias inomináveis de Barbosa contra Ricardo Levandovski, os arroubos adolescente de Celso de Mello, comparando partidos políticos ao PCC - e com essa declaração, explicitando uma posição partidária incompatível com quem estava julgando uma ação penal.
Até agora, o modelo hierárquico do Judiciário segurou as manifestações de desagrado do setor. A falta de cerimônia de Joaquim Barbosa, na entrevistas aos correspondentes estrangeiros, provocou esse primeiro movimento público de protesto contra a síndrome de Deus que acometeu Barbosa e seus pares.
Estratégia – não errar na indicação dos novos Ministros do STF. Terão que ser legalistas até a medula e competentes. Não se pode incorrer mais em enganos, como o de Luiz Fux, ou em indicações de Ministros pouco preparados, como José Toffoli. E torcer para que Gilmar, Marco Aurélio, Fux e Barbosa continuem se expondo à mídia como têm feito.
Conclusão
O Crisômetro, o termômetro da crise, está bastante acomodado neste final de ano. Apenas um mega-escândalo, ou um inquérito continuado - e seus vazamentos - alimentando um noticiário diário poderia elevar a temperatura.
A substituiçãodo PGR, nos próximos meses, deverá tapar um dos principais canais de vazamento de inquéritos.
GGN (Artigo publicado originalmente em 04/03/2013).

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Carla Guimarães: Democracia virou estorvo para a classe dominante brasileira

Há um homem sentado na cadeira de presidente do Brasil. A cadeira, no entanto, não lhe pertence. Um golpe de sorte, ou simplesmente um golpe, colocou-o onde está e ele não quer se levantar. Esse lugar é seu, tem o direito de estar lá. Ou assim ele pensa. O que o homem não sabe, ou ainda não sabe, é que a cadeira está infestada de cupins, como a da famosa história de Saramago. Por fora parece firme e sólida, mas por dentro está praticamente oca. A cadeira está prestes a cair aos pedaços e o único destino possível para esse homem é a queda.

Quando ainda não ocupava a cadeira, o homem escreveu uma carta em que dizia estar se sentindo um vice-presidente decorativo. A presidenta era uma mulher e no Brasil, como em muitos países, ser decorativo é mais próprio do sexo feminino. Ou nisso acreditava ele e muitos como ele. A carta foi o primeiro passo para ficar com a cadeira. Antes do ataque final, uma revista de grande tiragem fez uma reportagem sobre sua esposa. “Bela, recatada e do lar”, assim foi descrita. A “quase primeira-dama”, 43 anos mais jovem do que o “quase presidente”, era o modelo a seguir. O erro de ter uma mulher na cadeira presidencial estava prestes a ser solucionado. Em um dos episódios mais sombrios da recente democracia brasileira, o vice-presidente decorativo tornou-se presidente. Meses depois, escândalo após escândalo, o homem continua sentado na cadeira. Com o dedo em riste, grita “não renunciarei”. Mais do que um monarca em seu trono, parece um refém amarrado com cordas a um assento.

O homem ganhou a cadeira com a promessa de realizar um dos maiores processos de destruição de direitos experimentos pelo país. O pequeno avanço em igualdade dos últimos anos foi demais para a classe dominante brasileira. Em muito pouco tempo, um Congresso notavelmente conservador aprovou leis que deixaram desprotegidos os mais pobres e lançaram por terra algumas das mais importantes conquistas dos trabalhadores brasileiros. Se os deputados continuarem trabalhando nessa velocidade, acabarão por anular a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil.

O mais impressionante em toda essa história, no entanto, são os escândalos recorrentes que os jornais ilustram sem cessar. Os brasileiros acordam todos os dias com novas delações, gravações incriminatórias e prisões preventivas. Sobre o homem sentado na cadeira e alguns de seus principais aliados pesam acusações duríssimas. A suposta cruzada contra a corrupção, que removeu a presidenta de sua cadeira, ironicamente levou ao poder um grupo de réus atuais e futuros. Todos dizem que são inocentes, mas são tantas as acusações e tantos os membros do Governo afetados que o anormal, o impressionante, o extraordinário, seria nos depararmos com a notícia de que existe um homem honesto em Brasília.

O homem sentado na cadeira se sentia um vice-presidente decorativo, mas é um presidente decorativo. Talvez ainda não o saiba, mas nessa cadeira podia estar ele ou qualquer outro. O importante é executar com precisão e diligência um programa de Governo que não foi respaldado pelas urnas, mas decidido por uma ínfima parcela da população. O plano “dos descendentes dos senhores de escravos”, como dizia o sociólogo Darcy Ribeiro, pode ser levado a cabo por qualquer um. Nesse caso, a figura de presidente é tão decorativa como a de um rei europeu. O homem está sentado na cadeira e ao mesmo tempo em queda livre e ao mesmo tempo no chão. O espaço temporal entre a primeira posição e a última não importa. Como na história de Saramago, seu destino já está decidido. Por isso milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades do país para exigir novas eleições.

Somente o voto popular pode dar legitimidade a um futuro governante. As forças que colocaram o homem na cadeira tentarão evitá-lo a todo custo. Nos últimos anos a democracia tornou-se um estorvo para a classe dominante. A cadeira, no entanto, não pertence ao presidente, mas aos brasileiros. São eles, e mais ninguém, os que devem decidir quem pode sentar-se nela. No caso de a elite conseguir o que pretende e continuar seu impopular programa de Governo com outro fantoche, é a democracia que se tornará um elemento meramente decorativo.

*Carla Guimarães, jornalista e escritora, publicou este artigo na edição brasileira de El País.

Tijolaço

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Livros: Textos escolhidos (Os Pensadores), parte I – Denis Diderot

Tradução e notas: Marilena de Souza Chauí e J. Guinsburg

Editora: Abril Cultural
Tradução e notas: Marilena de Souza Chauí e J. Guinsburg
Opinião: muito bom
Páginas: 138

Carta sobre os cegos para uso dos que veem

     “Se vos prestardes por um instante a tal suposição, ela vos lembrará, sob traços supostos, a história e as perseguições dos que tiveram a desgraça de encontrar a verdade em séculos de trevas, e a imprudência de revelá-la aos cegos contemporâneos, entre os quais não deparavam inimigos mais cruéis do que aqueles que, por sua condição e sua educação, pareciam dever estar menos afastados de seus sentimentos.”
*
     “Um meio quase seguro de enganar-se em metafísica é não simplificar bastante os objetos de que nos ocupamos; e um segredo infalível para chegar em físico-matemática a resultados defeituosos é supô-los menos compostos do que o são.”
*
     “Tudo o que é do homem perece com o homem.”
*
     “Vem um tempo em que o gosto dá conselhos cuja justeza se reconhece, mas que não se tem mais a força de seguir.”
*
O sobrinho de Rameau

     “EU — Há uma eternidade que não vos via. Não penso muito em vós quando não vos vejo. Mas sempre me agrada rever-vos. Que tendes feito?

     ELE — O que vós, eu e todos fazem: o bem, o mal e nada. Depois tive fome e comi quando a ocasião se apresentou. Após ter comido, tive sede e bebi algumas vezes. Entrementes minha barba crescia, e quando ficou grande mandei raspá-la.

     EU — Fizestes mal. É a única coisa que vos falta para serdes um sábio.”
*
     “(...) ELE — Se ajuda alguém é sem desconfiar. É um filósofo à sua moda. Só pensa em si próprio. O resto do mundo não lhe interessa. Sua filha e sua mulher poderão morrer quando quiserem; desde que os sinos da paróquia continuem a tanger a décima e a décima sétima badaladas, tudo estará bem, e é uma sorte para ele. O que prezo particularmente nas pessoas de gênio é que são boas só para uma coisa; fora esta, mais nada. Não sabem o que é ser cidadão, pai, mãe, irmão, parente, amigo. Cá entre nós: é necessário assemelhar-se a ele sob todos os aspectos, mas não querer ser farinha do mesmo saco. É preciso homens, mas não homens de gênio. Palavra de honra, não é preciso mesmo. São os reformadores da face do globo, e, como nas menores coisas a estupidez é tão habitual quanto potente, sua reforma não pode ocorrer sem confusão. Por isso, parte do que imaginaram chega a ser instituída, mas o resto fica como dantes. Resultado: dois evangelhos, um traje de arlequim. A sabedoria do monge de Rabelais é a verdadeira sabedoria, para seu repouso e o dos outros: cumprir mal e mal o dever, sempre falar bem do senhor prior e deixar o mundo ao sabor de seus caprichos. O mundo vai bem, pois a multidão está contente com ele. Se conhecesse história, eu vos mostraria que o mal sempre veio cá embaixo pelas artes de algum homem de gênio. Mas não conheço história porque nada sei. O diabo que me carregue se alguma vez aprendi alguma coisa, e se estou pior por não ter aprendido. Um dia, estava à mesa de um ministro do rei de França, cujo espírito vale por quatro. Pois bem, o ministro nos demonstrou, como um e um são dois, que nada era mais útil aos povos do que a mentira, nada mais nocivo do que a verdade. Não me recordo muito de suas provas, mas delas decorria com evidência que as pessoas de gênio são detestáveis. E se uma criança, ao nascer, trouxesse na fronte a marca desse perigoso presente da natureza, dever-se-ia sufocá-la ou lançá-la num antro de vagabundos.

     EU — No entanto, todas essas personagens, tão inimigas do gênio, estão certas de possuí-lo.

     ELE — Creio que no íntimo pensam dessa maneira, mas não creio que ousassem confessá-lo.

     EU — É por modéstia. Desde então concebeste um ódio terrível contra o gênio?

     ELE — Para nunca voltar atrás.

     EU — Mas lembro-me de uma ocasião em que o desespero vos dominava por serdes apenas um homem comum. Se o pró e o contra vos afligirem igualmente, nunca sereis feliz. É preciso tomar um partido e permanecer fiel a ele. Ninguém voltará atrás ao concordar inteiramente convosco, aceitando que os homens de gênio frequentemente são singulares, ou, como diz o provérbio, que não há grandes inteligências sem um grão de loucura. Desprezar-se-ão os séculos que não os produzirem. Serão a honra dos povos entre os quais tiverem existido. Cedo ou tarde, estátuas lhes serão erguidas. E serão encarados como benfeitores do gênero humano. Sem desagradar ao sublime ministro que me haveis citado, creio que a mentira pode servir um momento, mas a longo prazo é necessariamente nociva, e que, ao contrário, a verdade serve necessariamente a longo prazo, embora possa ocorrer que prejudique no momento. Por isso, eu me sentiria tentado a concluir que o homem de gênio, capaz de desacreditar um erro geral ou de empenhar-se numa grande verdade, é sempre um ser digno de nossa veneração. Pode acontecer que se torne vítima do preconceito e das leis, porém há dois tipos de leis: umas, absolutamente equânimes e gerais, outras, estranhas, cuja sanção provém apenas da necessidade ou da cegueira das circunstâncias. Se estas cobrem de ignomínia o culpado que as infringe, a ignomínia é passageira e o tempo se encarrega de revertê-las definitivamente sobre os juízes e as nações. Hoje, quem é o desonrado: Sócrates ou o magistrado que o obrigou a beber cicuta?”
*
     “— Mas pesai o mal e o bem. Daqui a mil anos fará derramar lágrimas; será a admiração dos homens de todos os recantos da terra. Inspirará humanidade, comiseração, ternura. Perguntar-se-á quem foi, qual o seu país, e invejar-se-á a França. Causou sofrimento a algumas pessoas que já não vivem e às quais damos pouco ou nenhum valor. Nada temos a temer de seus vícios e de seus defeitos. Teria sido melhor, sem dúvida, se tivesse recebido da natureza as virtudes de um homem de bem com os talentos de um grande homem. É uma árvore que secou algumas outras, plantadas ao seu redor, que sufocou as plantas que cresciam aos seus pés; mas elevou sua copa até as nuvens e seus ramos se estenderam ao longe, oferecendo sua sombra aos que vinham, vêm e virão repousar à volta de seu tronco majestoso; produziu frutos de raro sabor e que se renovam incessantemente. Seria desejável que Voltaire tivesse também a doçura de Duclos, a candura do Abade Trublet, a retidão do Abade D’Olivet, mas, como isto não é possível, olhemos a coisa por seu lado verdadeiramente interessante. Esqueçamos por um momento o ponto que ocupamos no espaço e na duração, e estendamos nossa vista aos séculos por vir, às regiões mais afastadas e aos povos por nascer. Sonhemos com o bem de nossa espécie. Se não somos bastante generosos, pelo menos perdoemos a natureza por ter sido mais sábia do que nós. Se lançardes água fria sobre a cabeça de Greuze, extinguireis, talvez, seu talento com sua vaidade.”
*
     “Apodrecer sob o mármore, apodrecer sob a terra, é sempre apodrecer.”
*
     “A voz da consciência e da honra é muito fraca quando as tripas gritam.”
*
     “Se ficar rico farei a devolução, e estou mesmo disposto a devolver de todas as maneiras possíveis: pela mesa, pelo jogo, pelo vinho, pelas mulheres.”
*
     “ELE — Vós outros, filósofos, pensais de maneira diversa, pois acreditais que a mesma felicidade é feita para todos. Que estranha visão! Vossa felicidade supõe uma certa propensão romanesca que não temos, uma alma singular, um gosto particular. Enfeitais essa esquisitice com o nome de virtude, chamando-a, também, filosofia. Mas a virtude e a filosofia são feitas para todo mundo? Quem pode tem; quem pode conserva. Imaginai o universo sensato e filosofante. Que terrível chatice! Escutai. Viva a filosofia, viva a sabedoria de Salomão: beber bons vinhos, saborear petiscos delicados, rolar sobre belas mulheres, repousar em camas macias. O resto é vaidade.
     EU — Como? E servir à pátria?
     ELE — Vaidade! Não há mais pátria. De um polo ao outro só vejo tiranos e escravos.
     EU — Servir aos amigos?
     ELE — Vaidade! Quem tem amigos? E quem os tivesse deveria torná-los ingratos? Atentai e vereis que é sempre isso o que se recolhe dos favores prestados. O reconhecimento é um fardo e todo fardo deve ser sacudido.
     EU — Ter uma posição na sociedade e cumprir os deveres?

     ELE — Vaidade! Que importa que se tenha ou não uma posição, desde que se seja rico, pois só se arranja uma posição para isso. Cumprir os deveres? Aonde isso leva? Ao crime, à perturbação, à perseguição. É assim que se progride? Fazer a corte, raios! Fazer a corte! Ver os grandes, estudar seus gostos, prestar-se às suas fantasias, servir aos seus vícios, aprovar suas injustiças. Eis o segredo.
     EU — Cuidar da educação de seus filhos?
     ELE — Vaidade! É tarefa de um preceptor.
     EU — Mas, se o preceptor, convicto de vossos princípios, negligenciar seus deveres, quem deverá ser castigado?
     ELE — Palavra! Garanto que não serei eu! Talvez, um dia, o marido de minha filha, ou a mulher de meu filho.
     EU — Mas, se ambos caírem na orgia e no vício?
     ELE — Será uma consequência de sua posição.
     EU — Se se desonrarem?
     ELE — Faça o que fizer, o rico nunca se desonra.”
*
     “Louva-se a virtude, mas é odiada e dela se foge.”
*
     “Por que vemos frequentemente devotos tão duros, tão irritados, tão insociáveis? Porque impuseram a si próprios uma tarefa que não é natural; sofrem, e quem sofre faz os outros sofrerem também.”
*
     “Só o ridículo e a loucura fazem rir.”
*
     “O espírito e a arte têm seus limites, menos para Deus e para alguns espíritos raros que veem a estrada alongar-se à medida que avançam.”
*
     “Os gênios leem pouco, praticam muito e se fazem por si próprios.”
*
     “É melhor escrever grandes coisas do que executar pequenas.”
*
     “Engolimos em grandes sorvos uma mentira que nos lisonjeia; bebemos gota a gota uma verdade que nos amargura.”
*
     “Sentir-me-ia humilhado se aqueles que falam mal de tanta gente boa resolvessem falar bem de mim.”
*
     “ELE — Não caio nunca, e por uma simples questão de proporção, pois, para uma vez que se deve evitar o ridículo, felizmente há cem outras em que é preciso lançar-se nele. Junto aos grandes não há melhor papel do que o de um louco. Durante muito tempo houve o título de louco do rei. Que eu saiba, nunca houve o de sábio do rei. Sou o louco de Bertin e de muitos outros, o vosso talvez, neste momento. Ou quem sabe se vós sois o meu? Aquele que fosse sábio não teria um louco; portanto, o que tem um louco não é sábio. Ora, se não é sábio talvez seja louco, e talvez, se fosse rei, o louco de seu louco. Além disso, lembrai-vos de que, num assunto tão controvertido como o dos costumes, nada há que seja absoluta, essencial e geralmente verdadeiro ou falso, mas que se deve ser aquilo que o interesse deseja que sejamos: bom ou mau, sábio ou louco, decente ou ridículo, honesto ou vicioso. Se, por acaso, a virtude tivesse conduzido à fortuna, eu teria sido virtuoso ou simulado a virtude como um outro qualquer. Quiseram-me ridículo, assim me fiz. Quanto aos vícios; a despesa ficou por conta da natureza. Quando digo vicioso, digo-o apenas para falar vossa língua, pois, se viéssemos a nos explicar, poderia ocorrer que chamásseis vício o que chamo virtude, e virtude o que chamo vício.”
*
     “Os mendigos se reconciliam quando comem na mesma gamela.”
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    “Se há um gênero onde é importante ser sublime, este gênero é o mal. Cospe-se num pequeno gatuno, mas não é possível recusar uma certa consideração por um grande criminoso: sua coragem espanta, sua atrocidade arrepia. Estima-se muito a coerência do caráter.”
*
     “Geralmente a grandeza de caráter resulta do equilíbrio natural de várias qualidades opostas.”
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     “A criança como o homem, o homem como a criança preferem divertir-se a instruir-se.”
*
     “Os trouxas e os loucos se divertem uns com os outros. Procuram-se. Atraem-se.”
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     “Se ao chegar não tivesse encontrado já pronto o provérbio que diz que ‘o dinheiro dos trouxas é patrimônio dos sabidos’, eu o teria inventado.”
*
Diálogo entre D’alembert e Diderot / O sonho de D’alembert / Continuação do diálogo

     “Nosso verdadeiro sentimento não é aquele no qual jamais vacilamos; mas aquele ao qual mais habitualmente retornamos.”
*
     “SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Mas o que é a nossa duração comparada à eternidade dos tempos? Menos que a gota que peguei com a ponta de uma agulha, comparada ao espaço ilimitado que me rodeia. Sequência indefinida de animálculos no átomo que fermenta, a mesma sequência indefinida de animálculos no outro átomo que se chama Terra. Quem conhece as raças de animais que nos precederam? Quem conhece as raças de animais que sucederão às nossas? Tudo muda, tudo passa, só o todo permanece. O mundo começa e acaba incessantemente, está a cada instante no início e no fim; nunca houve outro e nunca haverá outro. “Neste imenso oceano de matéria, não existe molécula que se assemelhe a outra molécula, molécula que se assemelhe a si própria por um instante: Rerum novus nascitur ordo (Uma nova ordem de coisas nasce), eis sua inscrição eterna...” Depois ajuntou, suspirando: “ó vaidade de nossos pensamentos! Ó pobreza da glória e de nossos trabalhos! Ó miséria! Ó pequeneza de nossas concepções! Não há nada sólido exceto beber, comer, viver, amar e dormir...”
*
     “A conformação original se altera ou se aperfeiçoa pela necessidade e pelas funções habituais. Andamos tão pouco, trabalhamos tão pouco e pensamos tanto, que não desespero que o homem acabe sendo (no futuro) apenas uma cabeça.”
*
     “— É tão comum tomar qualidades naturais por hábitos adquiridos e quase tão velhos como nós.
     — E reciprocamente.”
*
     “— Digo que o espírito monástico se conserva porque o mosteiro se refaz pouco a pouco, e quando entra um novo monge, encontra uma centena de velhos que o arrastam a pensar e a sentir como eles. Uma abelha vai embora, sucede-lhe no cacho outra que logo se põe a par.”
*
     “D’ALEMBERT. — Vós o credes?
     BORDEU. — E sois vós quem me propondes semelhante pergunta! Vós que, entregue a especulações profundas, passastes dois terços de vossa vida a sonhar de olhos abertos e a agir sem querer; sim, sem querer, bem menos que em vossos sonhos. Em vosso sonho comandais, ordenais, sois obedecido; ficais descontente ou satisfeito, experimentais contradição, deparais obstáculos, vós vos irritais, amais, odiais, censurais, ides, vindes. No decurso de vossas meditações, mal vossos olhos se abriam de manhã quando, presa novamente da ideia que vos preocupara na véspera, vós haveis vos vestido, sentado à vossa mesa, meditado, traçado figuras, seguido os cálculos, almoçado, retomado vossas combinações e às vezes deixado a mesa para verificá-las; vós haveis falado a outrem, dado ordens à vossa criada, ceado, vós haveis vos deitado, adormecido sem ter praticado o menor ato de vontade. Não fostes senão um ponto; agistes mas não quisestes. Será que se quer, por si? A vontade nasce sempre de algum motivo interior ou exterior, de alguma impressão presente, de alguma reminiscência do passado, de alguma paixão, de algum projeto no futuro. Depois disso, dir-vos-ei sobre a liberdade apenas uma palavra, é que a derradeira de nossas ações é o efeito necessário de uma causa una: nós, muito complicada, porém una.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Necessário?

     BORDEU. — Sem dúvida. Tentai conceber a produção de outra ação, supondo que o ser atuante seja o mesmo.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Ele tem razão. Uma vez que eu ajo assim, aquele que pode agir de outro modo não é mais eu; e assegurar que no momento em que faço ou digo uma coisa, posso dizer ou fazer outra, é assegurar que eu sou eu e que eu sou um outro. Mas, doutor, e o vício e a virtude? A virtude, esta palavra tão santa em todas as línguas, esta ideia tão sagrada em todas as nações!

     BORDEU. — Cumpre transformá-la na de beneficência, e seu oposto na de maleficência. A gente nasce afortunada ou desafortunadamente; somos irresistivelmente arrastados pela torrente geral que conduz um à glória e outro à ignomínia.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E a autoestima, e a vergonha e o remorso?

     BORDEU. — Puerilidade fundada na ignorância e na vaidade de um ser que se imputa a si próprio o mérito ou o demérito de um instante necessário.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E as recompensas e os castigos?

     BORDEU. — São meios de corrigir o ser modificável que se denomina mau, e encorajar o que se denomina bom.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E essa doutrina toda nada tem de perigoso?

     BORDEU. — Ela é verdadeira ou falsa?

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Creio que é verdadeira.

     BORDEU. — Isto quer dizer que pensais que a mentira tem suas vantagens, e a verdade seus inconvenientes.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Assim penso.

     BORDEU. — E eu também: mas as vantagens da mentira são momentâneas, e as da verdade são eternas; mas as consequências vergonhosas da verdade, quando ela as têm, passam depressa, e as da mentira só terminam com esta.”
*
     “Quem mistura o útil ao agradável obtém todos os votos.” (Horácio, Arte Poética, v. 343)
*
     “BORDEU. — Senhorita, poderíeis informar-me que proveito e que prazer a castidade e a continência rigorosas produzem, seja ao indivíduo que as pratica, seja à sociedade?

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Por Deus, nenhum.

     BORDEU. — Logo, a despeito dos magníficos elogios que o fanatismo lhes prodigalizou, a despeito das leis civis que as protegem, nós as excluiremos do catálogo das virtudes, e conviremos que nada há de tão pueril, de tão ridículo, de tão absurdo, de tão nocivo, de tão desprezível, nada há de pior, à exceção do mal positivo, do que essas duas raras qualidades...”

Do GGN/Blog de Doney