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segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

XADREZ DOS RUMOS DO FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – os ciclos da história
Desde o Plano Cruzado me interessei pelos ciclos históricos, pela maneira caprichosa com que os fatores históricos vão sendo tecidos e os eventos se repetem, com cem anos de diferença, mas seguindo a mesma lógica férrea. Explano essa processo no meu livro “Os cabeças de planilha”.
Quem primeiro me chamou a atenção foi a leitura de “América Latina, males de origem”, do médico, psicólogo, historiador Manuel Bonfim.
Admirador da revolução americana, descreveu logo após a República o que seria o desenho de um país moderno e sua decepção com a República que se desenhava no país. Especialmente com a maneira como o Brasil naufragou com o encilhamento e o jogo político dos financistas.
Justamente por mudar o foco dos males nacionais, do mito da sub-raça (que ele desmontou, como médico) para o da sub-elite, acabou ignorado pela geração seguinte de brasilianistas, de Gilberto Freyre a Sérgio Buarque de Holanda.
Essa visão dos ciclos é essencial para entender a quadra atual do mundo e do Brasil, o advento do fascismo em suas diversas formas.
Em meados do século 19 e início do século20 ganham forma as grandes inovações tecnológicas, especialmente nos meios de transporte e nos serviços públicos. Essas inovações permitem a notável expansão do capital financeiro, mas, ao mesmo tempo, provocam terremotos nas atividades tradicionais, levando insegurança a todos os setores.
Como descreve Madeleine Albright no beste-seller “Fascismo, um alerta”:
  • Invenções espantosas como a eletricidade, o telefone, o automóvel e o navio a vapor aproximavam o mundo, mas essas inovações deixavam milhões de fazendeiros e trabalhadores manuais sem emprego. Por toda parte, pessoas estavam em movimento. Famílias de trabalhadores rurais se amontoavam nas cidades e milhões de europeus levantavam acampamento e cruzavam o oceano. Para muitos dos que ficavam, as promessas inerentes ao iluminismo e às Revoluções Francesa e Americana haviam se esvaziado.

No plano internacional, além disso, vivia-se o advento de uma nova potência industrial, os Estados Unidos, desequilibrando o jogo de poderes na Europa. E o modelo de articulação entre as nações, a Liga das Nações, não mais conseguia administrar os conflitos entre as partes.
A Velha República esboroa-se no Brasil e em todas as partes do mundo. Na Europa, a crise decreta o fim das dinastias monárquicas que dominavam os países mais relevantes.
Cem anos depois, o modelo financista esgota-se com a crise de 2008. Em outros tempos, cederia espaço à socialdemocracia. Mas, na Europa, a socialdemocracia agonizava, devido às enormes concessões feitas à financeirização. Em 2010, a única esperança de revitalização da socialdemocracia era Lula, recém-saído de um governo vitorioso.
É esse quadro que provoca, tanto há cem anos, quanto agora, o fim do modelo de democracia restrita, abrindo espaço para as lideranças agressivas, populistas, primárias, brandindo discursos de ódio.
Peça 2 – psicologia do fascismo
Esse é o tema principal do livro de Madeleine Albright. Além das comparações históricas, Albright se dedica a dissecar a psicologia do fascismo, a partir dos exemplos maiores – Hitler e Mussolini -, mas também dos partidos de extrema-direita que aparecem nos Estados Unidos, Inglaterra e França.
O medo como fator impulsionador
  • O medo é a razão de o alcance emocional do fascismo se estender a todos os níveis da sociedade. Não existe movimento político que floresça sem apoio popular , mas o fascismo depende tanto dos ricos e poderosos como do homem ou da mulher da esquina – dos que têm muito a perder e dos que não têm nada. Essa colocação nos fez pensar que talvez o fascismo deva ser visto menos como ideologia política e mais como forma de se tomar e controlar o poder.
  • Na Itália dos anos 1920, por exemplo, havia autodeclarados fascistas de esquerda (que advogavam uma ditadura dos despossuídos), de direita (que defendiam um Estado corporativista autoritário) e de centro (que lutavam pelo retorno a uma monarquia absolutista).
  • Na origem da formação do Partido Nacional-Socialista Alemão (Nazista) há uma lista de reivindicações com apelo a antissemitas, anti-imigrantes e anticapitalistas, mas que defendia também pensões mais altas aos idosos, mais oportunidades educacionais aos pobres, fim do trabalho infantil e melhorias no sistema de saúde para as mães. Os nazistas eram racistas e, na cabeça deles, ao mesmo tempo reformistas.
  • Enquanto uma monarquia ou uma ditadura militar são impostas à sociedade de cima para baixo, a energia do fascismo é alimentada por homens e mulheres abalados por uma guerra perdida , um emprego perdido , uma lembrança de humilhação ou a sensação de que seu país vai de mal a pior . Quanto mais dolorosa for a origem da mágoa, mais fácil é para um líder fascista ganhar seguidores ao oferecer a expectativa de renovação ou prometer restituir - lhes o que perderam.

O fascismo de Trump
  • Nesse processo , aviltou sistematicamente o raciocínio político nos Estados Unidos , exibiu um desprezo impressionante pelos fatos , caluniou predecessores , ameaçou “ encarcerar ” rivais políticos , referiu - se aos jornalistas da grande mídia como “ inimigos do povo americano ” , espalhou mentiras sobre a integridade do processo eleitoral do país , promoveu de forma impensada uma política comercial e econômica nacionalista , vilanizou imigrantes e os países de onde vieram e alimentou uma intolerância paranoica direcionada aos seguidores de uma das principais religiões do mundo

A violência e a hipocrisia
  • (Mussolini) aceitava dinheiro de grandes corporações e bancos, mas falava a língua dos veteranos e dos trabalhadores. (...) Como o clima político continuava a piorar, teve de tornar-se cada vez mais militante só para manter-se em compasso com as forças que alegava comandar. A um repórter que lhe pediu para resumir seu programa, Mussolini respondeu: “É quebrar os ossos dos democratas... e quanto mais cedo, melhor”.
  • (...) Discursando em praças, cervejarias e tendas circenses, Hitler se utilizava repetidamente dos mesmos verbos de ação – esmagar, destruir, aniquilar, matar. Sua rotina era gritar até espumar de fúria, vociferando em meio ao agitar de braços contra os inimigos da nação.

A ditadura dentro do devido processo legal
  • Em 1924 , Mussolini forçou a aprovação de uma lei eleitoral que entregava aos fascistas o controle do parlamento . Quando o líder socialista apresentou provas de que a votação fora fraudada , foi raptado por bandidos e assassinado . Ao final de 1926, Il Duce já havia abolido todos os partidos políticos concorrentes, acabado com a liberdade de imprensa, neutralizado o movimento trabalhista e reservado a si mesmo o direito de nomear autoridades municipais. (...) Assumiu o controle da polícia nacional, expandiu-a e multiplicou sua capacidade de conduzir a fiscalização interna. Para sufocar a monarquia, reivindicou o poder de aprovar o sucessor do rei. Para apaziguar o Vaticano, mandou fechar os bordéis e aumentar os ganhos dos padres, mas em troca ficou com o direito de aprovação dos bispos.
  • (...) Aos 43 anos, (Hitler) fez um apelo aos parlamentares por confiança, na esperança de que não pensariam muito a fundo antes de votarem o próprio epitáfio. Sua meta era assegurar a aprovação de uma lei que o autorizasse a ignorar a Constituição, passar por cima do Reichstag e governar por decreto. Garantia a seus ouvintes que não tinham nada com que se preocupar; seu partido não tinha a intenção de minar as instituições alemãs. (...)  Poucas semanas depois, os partidos políticos que colaboraram haviam sido abolidos, e os socialistas, presos. O Terceiro Reich havia começado.

O início das ditaduras fascistas
  • (Hitler) Começou pela abolição das assembleias locais e pela substituição dos governadores das províncias por nazistas. Enviou valentões da SA para brutalizar adversários políticos e, quando necessário, despachá-los para os recém-abertos campos de concentração. Deu cabo dos sindicatos ao declarar o 1o de maio de 1933 feriado nacional sem desconto em folha e então ocupar as sedes dos sindicatos país afora no dia 2. Expurgou o serviço público de elementos desleais e emitiu um decreto banindo judeus de profissões. Pôs a produção teatral, musical e cinematográfica sob o controle de Joseph Goebbels e impediu jornalistas não simpatizantes de trabalhar. Para garantir a ordem, consolidou numa nova organização, a Gestapo, funções policiais, políticas e de inteligência.

Como o sistema os recebia
  • Destilava seu escárnio pelos comunistas, estratégia que lhe valeu amigos na comunidade financeira e cobertura favorável em alguns dos maiores veículos de imprensa do país.
  • (...) O establishment político do país – grandes empresários, militares e Igreja – descartara inicialmente os nazistas como um bando de brutos gritalhões que jamais atrairiam o apoio das massas. Com o tempo, passaram a enxergar valor no partido como bastião anticomunista, mas nada além. Não tinham metade do medo de Hitler que deveriam ter. Subestimavam-no em razão da falta de estudo e se deixavam levar por suas tentativas de cativá-los. Ele sorria se fosse preciso e certificava-se de responder-lhes às perguntas com mentiras tranquilizadoras. Para a velha guarda, era claramente um amador com uma ideia exagerada de si, improvável de manter-se popular por muito tempo.

Rádio e Internet
  • O Führer foi o primeiro ditador capaz de atingir 80 milhões de pessoas num único instante com um chamamento à união. O rádio era a internet dos anos 1930, mas, como meio de comunicação de mão única, mais fácil de controlar. Jamais estivera disponível ferramenta tão eficiente para manipular a mente humana.

As mulheres do lar
  • Ao tomar posse, Hitler quase que de imediato retirou mulheres de funções burocráticas, prometendo “emancipá-las da emancipação”. Eram aconselhadas a cuidar da lareira, fazer remendos, costurar, cozinhar apfelkuchen [tortas de maçã] e dar à luz uma nova geração de super-homens arianos.

A globalização
  • O ímpeto globalizante atordoava a muitos e os levava a buscar refúgio na toada familiar das noções de nação, cultura e fé; e, por toda parte, pessoas pareciam em busca de líderes que trouxessem respostas simples e satisfatórias às perguntas complicadas da modernidade.

O fascismo na Inglaterra
  • Sir Oswald Mosley , um intrépido inglês com um bigode escovinha de fazer inveja a Hitler , libido comparável à do Duce e o que uma colega definia como “ arrogância esmagadora e convicção inabalável de ter nascido para reinar ” , era alguém que se via em tal papel .
  • De volta a Londres , Mosley fundou a União Britânica de Fascistas ( BUF , na sigla em inglês ) , com uma plataforma que abarcava o característico programa de obras públicas , anticomunismo , protecionismo e libertação da Grã - Bretanha de estrangeiros , “ sejam hebreus ou qualquer outro tipo de forasteiro ” . À imagem e semelhança do Duce , recrutou uma força de segurança de aparência ameaçadora , ensinou - os a fazer a saudação romana e distribuiu - lhes camisas pretas inspiradas no modelo de seus uniformes de esgrima . Em 1934 , os comícios de Mosley atraíam multidões de trabalhadores , comerciantes , empresários , aristocratas , membros descontentes do Partido Conservador e um punhado de repórteres , soldados e policiais de folga .

O fascismo na França
  • Na França , o Solidarité Française , com suas camisas azuis , foi um dos vários grupos de direita a digladiar com a esquerda : assumidamente pró - nazista , fez campanha com o slogan “ A França para os franceses ” e foi banido pelo governo socialista em 1936 .

O fascismo nos EUA
  • O escritor autodidata William Pelley fundou a Silver Legion of America em janeiro de 1933, poucas horas após Hitler ascender ao posto de chanceler da Alemanha. Sediada em Asheville, na Carolina do Norte, atraiu cerca de 15 mil filiados. Seus seguidores usavam calças azuis e camisas prateadas com um “L” escarlate acima do coração, que significava Love, Loyalty and Liberty (Amor, Lealdade e Liberdade). Os camisas prateadas militavam pelo antissemitismo e buscavam reproduzir o modelo nazista de vigilantismo. (...) Em 1936, Pelley foi candidato à presidência com o slogan “Fora, vermelhos, fora, judeus”, mas seu nome só esteve na cédula do estado de Washington e recebeu menos de 2 mil votos. Os camisas prateadas não tardaram a desaparecer, mas os preconceitos que disseminaram encontraram eco em organizações como a Ku Klux Klan e nas transmissões em rede nacional do padre Charles Coughlin, polêmico radialista isolacionista de Detroit.

Peça 3 – o fascismo à brasileira
O fascismo à brasileira transcende a figura de Jair Bolsonaro. Há uma fase de transição, já em andamento, que definirá o desfecho dessa trajetória política do fascismo.
Com as devidas ressalvas, já que o país atravessa uma fase de profunda irracionalidade, com a besta solta nas redes sociais e nas ruas, é possível delinear alguns desdobramentos do governo Bolsonaro. Principalmente quando o governo estiver em andamento e as expectativas do eleitorado não forem atendidas.
Os fundamentalistas
Pessoalmente, Jair Bolsonaro é uma personalidade vulnerável psicológica, intelectual e socialmente. Depende, em tudo, dos filhos.
Dos seus quatro filhos, um é apolítico, dois são baixo clero de pequena ambição e o quarto, Eduardo, é o megalomaníaco. Tem ideias grandiosas, ambiciona suceder o pai. Assim como um Duce tupiniquim, acredita piamente na sua intuição e nas asneiras que repete. E tem seguidores que também acreditam.
É de sua responsabilidade a parte mais non-sense do Ministério: o inacreditável chanceler Ernesto Araújo, o Ministro da Educação Ricardo Veléz e a Ministra de Direitos Humanos Damares Alves. A mediocridade  de seu círculo de influência mostra um político de tiro curto.
Pela lógica interna do governo, dada pelo núcleo mais racional, o dos militares, não se espere longa vida dos fundamentalistas, especialmente do Ministro das Relações Exteriores. Trata-se de um bajulador que assimilou as pirações fundamentalistas dos Bolsonaro por puro oportunismo e monta um jogo de cena mirando exclusivamente a falta de discernimento dos Bolsonaro sem se importar com as consequências para o país.
Ocorre que o MRE terá uma função chave, para complementar as estratégias econômicas do futuro Ministro da Economia Paulo Guedes. Em poucos meses, mesmo antes de começar o governo as declarações de Ernesto e Jair têm produzido terremotos na imagem do Brasil no exterior. Possivelmente, nem nos tempos da Albânia, da Coreia do Norte, estados nacionais conseguiram produzir uma dupla tão ridiculamente atemorizante quanto o duo Jair-Ernesto. Esse estilo rede social é totalmente incompatível com qualquer projeto sério de país, de direita ou esquerda.
Não se tenha dúvida que partirá de Eduardo o primeiro grande trauma político do governo Bolsonaro.
Os catões
A posse de Bolsonaro, no dia 1º de janeiro, marcará formalmente a transmutação da Lava Jato de agente desestabilizador para co-participante do banquete dos vitoriosos. Essa mudança está expondo de uma maneira surpreendentemente rápida seu viés político. E exigirá do futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro habilidades políticas que, aparentemente, ele não dispõe.
Nem se fale do caso do motorista de Flávio Bolsonaro. Os palpiteiros gerais da nação, Deltan Dallagnol e colegas, não ousaram ir além de comentários genéricos. O procurador que montou um power point em cima de provas indiciárias, e se tornou dono de uma verborragia incontrolável, sobre o caso do motorista limitou-se a um sintético “Bem lembrado”, ao comentário de uma colega, sobre as razões do motorista não ter sido submetido a uma condução coercitiva.
Nos primeiros dias após ter aceito o convite, Moro garantiu que funcionaria como um filtro dos escândalos do governo Bolsonaro. Escândalos não embasado seriam relevados, escândalos de peso seriam considerados.
O caso do novo Ministro do Meio Ambiente  Ricardo Salles será seu terceiro desafio.
No primeiro, o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, demonstrou uma enorme incapacidade de construir sofismas verossímeis, sugerindo que estava absolvido por ter demonstrado arrependimento.
No segundo, o caso do motorista, o silêncio foi constrangedor.
O terceiro será mais desafiador: encarar as acusações contra o futuro Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Enquanto Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Salles modificou mapas elaborados pela Universidade de São Paulo, alterou a minuta do plano de manejo e é acusado de ter perseguido funcionários da Fundação Florestal que se recusaram a participar da jogada, que beneficiava mineradoras em áreas de manejo florestal. Como fica?
Mas o desafio final serão as revelações sobre a vida pregressa política de Jair, um frequentador histórico das práticas políticas do baixo clero.
Se o motorista do filho já produziu esse estrago, o que não ocorreria com a revelação das práticas de Jair?
Os militares
De certo modo, a eleição de Bolsonaro não é o início de um novo tempo, mas o capítulo final da desmoralização do poder civil e das instituições democráticas. Afinal, para os inimigos da democracia, é o exemplo mais acabado da irracionalidade do processo eleitoral.
Na montagem do governo, os militares montaram o eixo mais racional, impedindo a ação dos lobbies no Ministério das Minas e Energia e em outros postos chave. Além de monitorarem as impropriedades de Bolsonaro, providenciando correção rápida das declarações absurdas, que poderiam ter implicações nas relações externas.
Á medida em que se sucedam as impropriedades da banda fundamentalista, o eixo militar irá ampliando sua atuação. Já há notícias de que reivindicam o comando da Infraero e outras estatais chaves.
Retomando nosso fio inicial, sobre a repetição de padrões históricos, a experiência de 1964 foi uma repetição a dos tenentes em 1930 e será repetida em 2019.
Os primeiros militares ascendem aos postos com o sentido de missão. À medida em que seu poder vai se estendendo, haverá um movimento similar na iniciativa privada, de contratação de militares da reserva bem relacionados com os que estão no governo. Retornarão os convites sociais aos comandantes militares, serão retomadas as visitas aos quarteis.
Tudo isso resultará em um ganho de status social e econômico que, mais à frente, será o maior fator de resistência para os militares se recolherem novamente aos quarteis e clubes militares.
Com a ascensão do poder militar, o projeto da direita ganhará racionalidade. Mas, a julgar pelo mais influente dos militares no governo, o general Augusto Heleno, não se abandonará o discurso do perigo vermelho e dos inimigos da pátria. Enfim, não parecem ter cabeça para um projeto unificador do país.
Peça 4 – o fim do ciclo fascista na 2ª guerra
O livro de Madeleine Fullbright traz um bom retrato do que virou o fascismo na Itália, depois que Mussolini caiu em desgraça.
  • As notícias da partida de Mussolini foram o estopim para celebrações Itália afora. Milhares de fotos emolduradas do ditador deposto foram retiradas de paredes e jogadas no lixo; de uma hora para outra, um fascista assumido virara a criatura mais rara de se encontrar.

Aqui no Brasil, assim que cair o mito Bolsonaro, os neo-direitistas se recolherão e voltarão a fazer profissão de fé, ou no poder militar, ou na democracia, dependendo apenas do vento do momento.
Na época de Hitler, Charles Chaplin produziu e protagonizou um filme célebre, “O grande ditador”, no qual um inofensivo barbeiro é confundido com o ditador.
O discurso final ajudou a acalentar a humanidade nas décadas seguintes, em que o mundo redescobriu a colaboração e tentou se civilizar:
  • Em vez da torrente de impropérios esperada pela plateia , Chaplin profere uma homilia sobre a resiliência do espírito humano perante o mal . Pede aos soldados que não se entreguem a “ homens que os desprezam , escravizam . . . tratam a vocês como gado e os usam como bucha de canhão . . . homens antinaturais – homens mecânicos com mentes e corações mecânicos . Vocês não são máquinas ! Vocês não são gado ! Vocês são homens ! Têm o amor da humanidade em seus corações . ” “ Neste momento minha voz atinge milhões de pessoas mundo afora ” , diz à plateia o humilde barbeiro . “ Milhões de homens , mulheres e crianças desesperados – vítimas de um sistema que leva homens a torturar e aprisionar gente inocente . Aos que podem me ouvir , digo : não se desesperem . . . O ódio dos homens vai passar , os ditadores perecerão e o poder que tomaram do povo retornará ao povo . . . A liberdade nunca perecerá .”

Do GGN

terça-feira, 23 de outubro de 2018

BOLSONARO É FASCISTA! NOSSA TAREFA ESSA SEMANA É MOSTRAR AO BRASIL O QUE É FASCISMO, DIZ SERRANO

O discurso do jurista Pedro Serrano, em evento da campanha de Fernando Haddad (PT), no auditório do TUCA, em São Paulo, na noite de 22 de outubro de 2018.
***
"Estamos aqui todos estarrecidos. Como pode a metade da sociedade brasileira, por causa de um antipetismo abstrato, votar num sujeito que idolatra outro sujeito, que colocou rato na vagina de mulheres para fazer elas confessarem. Que comandou um órgão que torturou crianças de 1 ano, como o filho do jornalista Demir Azevedo. É um impacto moral que atravessa todos nós. 
Isso se dá por uma palavra que a gente precisa falar em alto e bom som. Isso se dá por fascismo. Bolsonaro é um fascista! Isso quem fala não somos nós, é a direita europeia usando isso com legitimidade.
Parece difícil a gente conseguir virar até lá. Porque, na realidade, uma grande parcela das pessoas que convivem conosco criaram um muro no ouvido. Não querem ouvir. Porque o fascismo tem uma característica interessante, ele dialoga muito bem com o senso comum.
O senso comum é aquele senso que entende a verdade pelas aparências. Nós temos a condição de virar isso porque lutamos contra o senso comum todos os dias.
Aqui temos homens da ciência. A ciência fala para o senso comum: 'você está vendo estrelas?' Não, ela responde, o que você está vendo é a luz de uma estrela que morreu há centenas de milhões de anos. Olha a dificuldade que é fazer isso, mas todo dia o cientista, de alguma forma, vence.
O esporte, desde as Olimpíadas gregas, mostra para as pessoas que disputar faz parte da vida, mas que eu disputo de forma agônica, não antagônica. Eu disputo com adversários, não com inimigos, porque todos merecem a existência e o direito de competir.
Nós temos artistas, gente do belo, mas que incomoda muito o senso comum porque mostra que harmonia e equilíbrio nem sempre está na ordem, muitas vezes está no caos, porque o caos representa melhor essa vida contínua caótica que a gente tem do que a eventual ordem. É a beleza que está perante a gente que coloca cotidianamente o senso comum em choque e atenção.
Temos aqui as religiões que, independente de suas divindades, ensinam para nós que não basta ter respeito, não basta ter ponderação, que é importante ter compaixão, amar o outro, e amor ao outro é pular no abismo pelo outro.
Senhores, a nossa tarefa, de todos aqui, é mais simples que a tarefa que a gente tem no cotidiano. Precisamos mostrar ao povo brasileiro que o fascismo é contra toda sabedoria, todo conhecimento, toda disputa com respeito, toda beleza e toda forma de amor entre os homens. É essa a nossa tarefa até a semana que vem." Veja o vídeo AQUI.
GGN

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A ASCENSÃO DO FASCISMO, POR JESSÉ SOUZA

FASCISMO PROPRIAMENTE DITO
Todo fascismo é reflexo de uma luta de classes truncada, percebida de modo distorcido e por conta disso violento e irracional no seu cerne. A elite e a alta classe média haviam, com sucesso, legitimado a opressão das classes populares pelo moralismo seletivo da corrupção apenas do Estado e da política como forma de criminalizar a soberania popular. Os “belgas”, que se vem como estrangeiros na própria terra, oprimiram o “Congo”, ou seja, o próprio povo, e o reduziram á pobreza e á ignorância. O ódio ao escravo se transformou simplesmente em ódio ao pobre. O escravo negro é eternizado nas massas majoritariamente mestiças com escolaridade precária condenadas ao trabalho desqualificado e semiqualificado. Esta é a base primeira de todo o ódio e ressentimento reprimido e recalcado que é o núcleo da sociedade brasileira. O fascismo implícito sempre foi o DNA da opressão de classes entre nós. O que tem que ser explicado, portanto, é como ele contaminou as próprias classes populares.
O SURGIMENTO DO PT
A ascensão do partido dos trabalhadores, com todas as suas limitações, foi uma inflexão importante no processo de organização popular. Com o golpe de 2013/2016 a reação conservadora veio primeiro de cima, da alta classe média nas ruas, da sistemática corrosão de valores democráticos diariamente perpetrada pela imprensa, e do acanalhamento do STF e por consequência da constituição. O governo Temer promoveu o saque e a rapina que a elite queria e empobreceu o povo que havia experimentado uma pequena ascenção social. Foi dito a este povo que a corrupção política havia sido a causa do empobrecimento. Quando a corrupção dos partidos de elite fica óbvia a todos, sem ser reprimida, todo o sistema perde representatividade. O golpe de misericórdia foi a prisão injusta do líder das classes populares desmobilizadas. Aqui o último elo de expressão racional da revolta popular foi cortado.
NOTÍCIAS FALSAS (FAKE NEWS)
Abriu-se a partir daí a porta para a revolta agora irracional das massas. Neste contexto a ocasião faz o ladrão. A belíssima marcha do “ele não”, majoritariamente composta pelas mulheres da classe média mais crítica e engajada, possibilitou a cooptação do voto feminino das classes populares, última cidadela contra a “ética da virilidade” do fascismo popular. Aqui entra em cena o que há de mais sujo na política das “fake News” e da mentira institucionalizada. Analistas de ultradireita da campanha fascista, que perceberam as consequências do isolamento político dos indivíduos que é o que capitalismo financeiro representa na esfera política, se aproveitaram impiedosamente deste fato para oporem mulheres emancipadas da classe média contra as mulheres pobres e evangélicas.Se você é pobre e humilhada o ganho emocional que a distinção moral construída artificialmente com relação a mulheres supostamente “indecentes” exerce, por meio de mentiras que não podem ser desmentidas, passa a ter um apelo irresistível. É uma “vingança de classe”, obviamente distorcida e contra a fração errada da classe média, como escape em relação à pobreza vivida diariamente, mas cujas causas não são compreendidas.
“OS DELINQUENTES”
Como já discuti no meu livro “A ralé brasileira”, contracorrente, 2017, a oposição pobre honesto versus pobre delinquente perpassa os mais pobres dificultando enormemente qualquer solidariedade de classe. Daí também a importância de líderes políticos que os representem a partir de cima e secundarizem a contradição interna de classe com uma política de interesse de todos os pobres. Era isso que Lula representava. Sem isso a porta fica aberta para a guerra de classe entre os próprios miseráveis divididos entre os supostos honestos e supostos delinquentes como definidos pelas elites.
“BOIS DE PIRANHAS”
É aqui que a “ética da virilidade”- ou seja, a ética dos que não tem ética – do fascismo reina absoluta. O fascismo arregimenta a partir de cima os ressentimentos, medos e ansiedades sem explicação possível e os canaliza a “bodes expiatórios” externos. O antipetismo é apenas o mais óbvio. Mas todo fascismo usa e abusa da sexualidade reprimida das classes populares. A homossexualidade que não pode ser admitido em si mesmo é canalizado em selvagem agressão externa e o ódio a mulher percebida como ameaça incitam a uma agressiva regressão a padrões primitivos de relações de gênero. O pobre não é apenas pobre. Ele é humilhado e dominado por valores construídos para subjuga-lo. Isso confere ao fascismo enorme capilaridade e contamina a vida familiar e relações de vizinhança em todos os níveis da sociabilidade popular.
O FASCISMO À BRASILEIRA 
O líder fascista sem discurso e sem argumentos é o profeta exemplar perfeito das massas destituídas em todas as dimensões da vida. Sem organização hierárquica como os nazistas alemães, o nosso é um fascismo miliciano, capilarizado e sem controle. O que é necessário explicar ao povo de modo compreensível é porque ele ficou mais pobre. Sem isso se pavimenta o caminho ao ódio irreversível.  
GGN

sábado, 15 de setembro de 2018

PROTAGONISMO FEMININO E DERROTA DO FASCISMO, POR ION DE ANDRADE

As pesquisas eleitorais publicadas pelo Vox Populi, e em seguida pelo XP/Ipespe e Datafolha trouxeram resultados diferentes sobretudo em relação ao primeiro do Instituto Vox Populi.
Não vamos aqui fazer nenhuma análise de validade ou de viés proposital das pesquisas e vamos admitir a priori que as três pesquisas exprimem realmente os números que encontraram e que as diferenças entre elas sejam metodológicas decorrentes da seleção dos municípios, período da pesquisa, do nível de confiança de 95% (que não é e não pode ser 100%) e do erro 2 para mais 2 para menos.
A análise do conjunto desses dados revela que o único candidato que teve uma oscilação positiva e fora da margem de erro no período analisado foi Haddad. Se tomarmos períodos mais longos também Ciro (de 9 para 13 segundo o Datafolha) e Bolsonaro (de 22 para 26 segundo o Datafolha) tiveram crescimento fora da margem de erro, porém o candidato da extrema direita variou em torno de um eixo situado em 24 pontos, e o do PDT em torno de 11 pontos, o que torna o crescimento de ambos discutível, sobretudo porque a conjuntura já não é a mesma de uma semana atrás.
Porém a situação de Ciro não é a mesma de Bolsonaro. Houve dois fatos maiores, que não envolvem a candidatura Ciro Gomes ainda operando nessa conjuntura, que são susceptíveis de beneficiar candidaturas e que não podem deixar de ser considerados: o ataque a faca a Bolsonaro e o apoio de Lula a Haddad.
Entretanto, somente o apoio de Lula a Haddad produziu crescimento eleitoral fora da margem de erro, tanto segundo o Datafolha, de 9 a 13%, quanto segundo o Vox Populi de 12 a 22% em favor de Haddad. O Datafolha não exprimiu o dado dessa forma, "com apoio de Lula", como o fez o Vox Populi e o XP mas a pesquisa foi realizada no período em que o apoio de Lula já estava expresso, permitindo que o o fortalecimento da candidatura Haddad fosse captado.
Porém o mesmo não ocorreu com a candidatura Bolsonaro. O episódio do ataque, contrariamente a todas as previsões, não produziu aumento significativo do eleitorado do candidato.
Porém essa má notícia eleitoral para o candidato do PSL se acompanha de outras que não poderão deixar de se manifestar num futuro breve.
Imagem e Proposta
Como já afirmamos em artigo anterior, o êxito do ataque e a agora patente vulnerabilidade do candidato, sobre quem se erguia um mito de força e invulnerabilidade imprescindíveis ao seu discurso, arruínam de uma vez: (1) a sua imagem eleitoral que se mostra falsa e (2) a alma da sua campanha, a violência para a solução de conflitos que, força cega e indomável que é, o vitimou pessoalmente.
Atentemos para o fato de que, exceto pela hipnose fascista, a maioria do nosso povo rejeita a violência como forma de resolver problemas. Aliás, culturalmente cristãos, muitos a entendem como pecado. O ataque a faca carrega para esses milhões de brasileiros, o reconheçam ou não, um incontornável significado simbólico de castigo.
Com a imagem eleitoral e a proposta profundamente feridas, o discurso da candidatura, como um avião que perde as asas, não é mais sustentável. Acrescenta-se a isso o afastamento do candidato da campanha. 
Dissenções internas
O episódio do ataque a faca pressionou a coligação bolsonarista a uma crise interna. O candidato a vice, de patente militar superior à do candidato a presidente, (general x capitão), se insurgiu na coligação, recorrendo, sem consulta ou autorização dos seus aliados, ao TSE para ter direito de representar Bolsonaro nos debates televisivos. O episódio que exprime para a opinião pública uma crise de confiança interna de implicações imprevisíveis, vamos imaginar o que poderia ocorrer nos contextos de pressão inerentes ao exercício do Poder Executivo, terá, obviamente, implicações eleitorais.
O fator feminino
Como se não bastassem os péssimos resultados da extrema direita entre as mulheres, elas resolveram se organizar. Hoje os grupos de mulheres contra Bolsonaro nas redes sociais já reagrupam mais de 2 milhões. Ora, com cerca de 70 milhões de eleitoras no Brasil, essa cifra vem a significar hoje, a enormidade de uma eleitora a cada 35 mulheres.
Esse movimento suprapartidário, não nos enganemos, é o maior fenômeno político da contemporaneidade no Brasil, depois da criação do PT nos anos 80. Ele revela não apenas um apego inegociável das mulheres à democracia, pois são antifascistas, como demonstra também a necessidade, essa de longo prazo, de um protagonismo feminino de peso nos assuntos que interessam às mulheres e estão para além dos limites ideológicos e partidários.
Ora, ter uma mulher pintada para guerra a cada 35 num movimento que não para de crescer é um pesadelo para forças que já não podem agora declarar-se não machistas.
Esclarecer a opinião pública
Para que a mensagem contida na conjuntura possa surtir os efeitos eleitorais desejados, é imprescindível que as forças democráticas possam decodificá-las para o amplo entendimento dos eleitores.
Portanto:
É preciso manter firme a crítica à violência como forma de resolução de conflitos, em linha com os valores e tradições do nosso povo,
É preciso demonstrar que a confiança interna a uma coligação é elemento crucial para a governança e, mais importante que tudo;
É preciso assumir ostensivamente uma agenda de igualdade de gêneros que possa fazer justiça às mulheres.
Conclusões
Há quatro componentes mesclados nessas eleições de 2018.
O primeiro deles, mais óbvio, é eleitoral no sentido estrito. Temos que escolher um presidente e parlamentares para a governança da máquina pública. A vitória para a democracia nesse item é eleger um candidato democrata comprometido com as aspirações das maiorias.
O segundo elemento emerge do fato de que devemos nos esforçar para que essas eleições exprimam de forma plebiscitária uma rejeição ao golpismo. Portanto, um segundo turno que pudesse ter candidatos que não apoiaram o golpe (Haddad x Ciro) seria a fórmula mais clara de exprimir essa rejeição.
O terceiro elemento é o componente antifascista dessas eleições. A vitória nesse caso é vencer a extrema direita pela via democrática, preferentemente excluindo-a desde já do segundo turno das eleições.
O quarto é a emergência de um incontornável protagonismo feminino que ganhou autonomia política, tem pauta antifascista e em breve terá, para além dos partidos, protagonismo para o atendimento à grande pauta não atendida de interesse das mulheres.
Os dois primeiros elementos são políticos o terceiro e quarto elementos são civilizatórios.
É óbvio, portanto que as candidaturas Haddad e Ciro são complementares se quisermos ter êxito nesses quatro componentes, eleger um democrata, rejeitar o golpe, rejeitar o fascismo e assumir os compromissos necessários com a agenda das mulheres.
Esse quarto elemento, novo na política e que veio para ficar, precisa ser analisado com todo o cuidado pelos democratas.
Segundo o Datafolha, enquanto Haddad e Ciro têm ambos 13% dos votos entre homens e mulheres, igualmente, Bolsonaro tem 35% dos votos dos homens, (cerca de 17 a 18% do eleitorado total), mas apenas 18% dos votos femininos, ou cerca de 9% do eleitorado total.
A organização ativa das mulheres (uma eleitora a cada 35 no front) tende pelo menos a manter esses números onde estão, se é que não o reduzirão.
Isso significa que para ter 50% mais um dos votos, a extrema direita precisaria ter 84% dos votos masculinos. Percebam que com apenas 18% das mulheres, que representam 9% do eleitorado total, Bolsonaro precisaria ter 42% do eleitorado formado por homens, dos cerca de 50% que eles representam (84% dos homens + 18% das mulheres equivale a 42% do eleitorado + 9% do eleitorado = 51%). As mulheres ergueram na frente da "marcha triunfante" extrema direita uma muralha muito difícil de ser transposta.
Reconheçamos todos que se conseguirmos manter o Brasil dentro do mundo civilizado teremos uma dívida nacional impagável para com as mulheres.
Blog do Ion de Andrade

sábado, 28 de abril de 2018

“A sociedade dos FASCISTAS de bem”, por Katarina Peixoto

Tem muita gente com certeza a respeito da própria bondade e bom caráter, que acredita que estamos em uma democracia. Para muitos, enquanto não houver OBan e DOPS, não há ditadura. Um juízo generoso sobre essas crenças depende da atribuição de ignorância e ou de uma certa complacência quanto às próprias certezas sobre si mesmos. Está claro que os fascistas são ignorantes. 
Fascismo é isto: uma grande ignorância irascível, mortal, organizada militarmente e inimiga de toda institucionalidade. O que muita gente não vê ou se recusa a ver, é que não estamos diante da violência estatal, transmutada em golpistas clássicos, fardados, vociferando as imbecilidades paranoides de sempre. 
O processo de desestabilização brasileiro começou e depende do veneno na sociedade, da paranoia insidiosa e da mentira. Com esse expediente, as famílias midiáticas cevaram o ódio que se alastra, armado, com a certeza psicótica de que estão a extirpar um furúnculo, enquanto disseminam uma septicemia. 
Hoje, uma mulher e um homem foram baleados. O homem teve uma bala atravessada em seu pescoço. Lula segue preso acusado e condenado por uma mentira na qual é preciso uma dose cavalar de imbecilidade e ódio de classe para acreditar. 
A justiça do inimigo disseminou censura, paranoia, perseguições, demissões, crise política e agravamento da crise econômica. Só entregam miséria moral, violência, impunidade e falta de perspectiva. Ruíram com o arcabouço constitucional e comandam um governo sem voto, sem apoio, sem legitimidade, que acredita se sustentar nos seus canais de propaganda televisivos e radiofônicos. 
Já há dezenas de mortos na conta do golpe. O campo está um açougue. Marielle e Anderson segue insepultos na impunidade e Marisa Letícia, idem. Quem não está pior, para quem não piorou? Quem, em sã e tranquila consciência, pode afirmar que haverá eleição para presidente no Brasil, neste ano? 
O que os fascistas adestrados pela mídia familiar e protegidos pelo aparato golpista querem é uma reação. Querem uma desculpa, querem que alguém, com indignação o suficiente e nervos, de menos, mostre-lhes, na sua linguagem, o que eles são. Querem um sacrifício ainda maior que aquele a que submeteram o Lula. Não lhes é suficiente dilacerar a sociedade e marcar gerações com ódio e desconfiança mútua, um expediente que nem o stalinismo mais militante foi capaz de promover. Não lhes é suficiente desempregar aos milhões e aniquilar com o investimento estatal. Não lhes é suficiente transformar o campo em um açougue impune. Não lhes é relevante a próxima geração de famintos que está com um ano. 
O golpe brasileiro recrudesce com o desejo irrefreável de aniquilar a todos e a cada um de nós, da esquerda. É disso que se trata e é isso o que está em jogo. Por trás da carcaça dos delinquentes golpistas e de seus protetores togados e do aparato judicial e corporativo, está uma necessidade cada vez mais evidente: a sua sobrevivência depende da nossa aniquilação. Seria um jogo da galinha não estivéssemos fora de qualquer jogo. 
Nem sei por que estou escrevendo isso. Não adianta, mas eu preciso. Eu só queria que minhas amizades e anexades saíssem da zona perceptiva que nos protege, nas classes médias para cima, para perceber que o veneno é ecumênico. E que é preciso resistir, em cada consciência, em cada minuto de atenção, em cada aperto de mão, em cada notícia que se lê. Em cada juízo que fazemos.
Eu pensava, em fins de 2015, que um cenário chileno 73' era a fantasia golpista. Eu estava errada. O que estamos vivendo, ceteris paribus (que ironia, como se cláusulas houvesse), é um cenário muito parecido com o argentino, nas vésperas de 76. E, com um agravante: a partir de setores organizados dentro da sociedade, com o cinismo e a proteção do aparato golpista, que repudia no atacado e protege no varejo, o extermínio e a perseguição dos inimigos do regime. Em um cenário como esse, OBAn e DOPs não são requeridos. E ninguém está protegido, por incrível que pareça. Está em curso uma guerra suja. 
GGN

quinta-feira, 5 de abril de 2018

A liberdade que não nos podem tirar., por Fernando Brito

Ontem, o país viveu um das últimos – e certamente o maior – obstáculo ao despenhadeiro do fascismo e da perda da institucionalização.
O maior, tenham em mente, desde o dia em que o circo da Câmara dos Deputados votou pela abertura do processo de impeachment da presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff.
Não se iluda por questões de legalidade constitucional, destas que há muito a maioria do Supremo deixou para trás e que fizeram soar patética a aula de constitucionalismo dada pelo insuspeito Celso de Mello em seu voto.
A Constituição é lana caprina, expressão que os advogados usam para dar nome a algo de pouco valor, tal como foi o impeachment sem crime de responsabilidade há dois anos.
Sob certos aspectos, porém, o que se deu ontem é pior, muito pior que o domingo da vergonha de 2016, porque ali apunhaláva-se o presente mas sobrevivia o futuro do processo eleitoral.
Agora, o que se fez foi matar a esperança de que  se pudesse voltar ao leito democrático em outubro.
Há um ar inescondível de tragédia.
Tintas de uma releitura do agosto de 1954, onde a cena trágica será ainda vivida, com as imagens mórbidas da condução de Lula à cadeia, num féretro que será festejado pelos corvos e abutres de uma classe média, enfim, condenada a roer a sua vida miserável pondo a culpa de todas as nossas mazelas no povo brasileiro, esta gente -para eles – indolente, desonesta, negra e parda, inferior ao ponto de merecer o nome de “povinho”.
O processo que começou com os udenistas de 2013, os do “padrão Fifa”, deságua na cena previsível, mais ainda pelo próprio Lula, ao resumir, na única declaração da qual, até agora, se tem publicada: ““Ninguém deu um golpe para me deixar candidatar.”
Ontem, antes do trágico espetáculo que Cármen Lúcia dirigiu no Supremo com o mesmo cinismo com que Eduardo Cunha comandou a apresentação circense – Luís Roberto Barroso, aliás, com seu demagógico discurso, encarnou uma versão “cult” daqueles que prometiam o Brasil dos céus ao votarem pela ruptura democratíca – o analista de pesquisas Antonio Carlos Almeida, autor do clássico “A cabeça do brasileiro”, escreveu o que se pode sentir no imaginário deste país:
Lula é politicamente grande porque tem voto, e isso é o fundamento da democracia. Lula tem voto para receber e transferir, quem trabalha com pesquisa sabe disso. Porque tem voto, ele motiva medo em seus adversários e esperança em seus seguidores.(…)Vale aqui novamente o contrafactual: se Lula não fosse do tamanho que é, não estaríamos nem escrevendo, nem lendo sobre ele, nem conversando nem ouvindo o que dizem dele, tampouco estaríamos preocupados com o desfecho dos julgamentos que a ele dizem respeito. Os ministros do Supremo, ao julgarem o habeas corpus de Lula, independentemente do resultado, apenas dizem o mesmo que esse artigo: Lula é politicamente grande. É importante que o país tenha consciência disso.
Na gente que não fala, que é o personagem ausente da polêmica política, fica algo que, nas pesquisas, só aparece nas intenções de voto, não em respostas explícitas: Lula é perseguido porque ousou fazer algo pelos pobres.
Esta é a sua resistência, como foi, há mais de 60 anos, a transformação de Getúlio Vargas em um fantasma a assombrar e maldizer a direita.
É preciso não fazer bravatas, cantar vitórias ou propor tolices.
A dor pode ser combustível de nossas chamas, mas não a mão que nos guia.
O primeiro passo é recusar o processo autofágico e recordar que tudo isso ocorre não pelos defeitos e erros do petismo ou de Lula, que existem, é claro.Ocorre por seu significado, ocorre pelo seu simbolismo, ocorre pelo que ele representa para o Brasil.
E não vai deixar de representar porque meia-dúzia, exatamente meia-dúzia, de algozes da elite negaram, por algum tempo, seu direito de ser um homem “externamente livre”.
Porque as nossas cabeças, as nossas idéias, os nossos pensamento e ações, a estes não há grades capazes de conter.
 Do Tijolaço