Xadrez do passaralho dos tucanos, por Luis Nassif (título original)
Peça 1 – a lógica do
golpe
A lógica do golpe é simples e objetiva.
Há dois focos centrais.
O primeiro, o aprofundamento do desmonte do Estado
brasileiro, com as reformas liberais, privatização, destruição do precário
Estado de bem-estar construído na última década.
O segundo, a garantia de um presidente de direita nas
próximas eleições - ou, na ausência de um candidato competitivo, até mesmo o
adiamento das eleições.
Esses são os fios condutores para entender toda a lógica da
turma do impeachment.
Peça 2 – o mercado de
opinião
Tudo isso se dá no que se convencionou chamar de mercado. Não
se trata apenas do mercado em si, mas de todo um sistema de opinião que engloba
não apenas a estrutura de poder, mas a gendarmeria.
No topo, Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), a
Procuradora Geral da República, os grupos de mídia, órgãos de controle de uma
maneira geral. Na base, juízes de 1ª instância, procuradores, Polícia Federal,
Polícia Militar etc.
Quando determinada questão ameaça os objetivos finais,
acende-se uma luz amarela. O clima fica tenso, as autoridades envolvidas
começam a receber sinais tácitos indicando que ali não se mexe. Dado o grau de
pusilanimidade das organizações burocráticas e suas lideranças, não há a
necessidade de ordens diretas, ameaças ou outras formas de pressão. São mais
disciplinados que jornalistas da Globonews.
Quem sai da linha, é pressionado por seu próprio meio,
colegas ou familiares. Essa sincronização do golpe mereceria um belo estudo
acadêmico, sobre a força das ideologias na articulação de movimentos, como o
impeachment, mesmo sem haver um cérebro condutor. Aliás, o único cérebro mofa
em um presídio de Curitiba.
Peça 3 – os que irão
morrer
No início do golpe, Aécio Neves era peça central; o
governador Geraldo Alckmin, elemento secundário. Qualquer envolvimento de Aécio
enfraqueceria o principal mote do golpe, que era o impeachment de Dilma.
O Procurador Geral da República Rodrigo Janot recomendou seu
não indiciamento, apesar de evidências muito mais fortes do que aquelas, por
exemplo, que envolviam o senador petista Lindbergh Farias, denunciado.
Mesmo em posição secundária, Geraldo Alckmin também foi
poupado, e ajudou a salvar Dilma Rousseff da tentativa do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), comandado por Gilmar Mendes, de cassar seu mandato logo após as
eleições. Na última hora descobriu-se que Alckmin poderia ser atingido por uma
das acusações que se lançava contra Dilma.
Na medida em que a Lava Jato foi avançando, foram aparecendo
mais e mais evidências contra Aécio.
Criou-se um ping-pong entre dois adversários mortais, mas
irmanados na defesa de Aécio: Janot e Gilmar Mendes. Os dois revezavam-se nos
pedidos de prorrogação do prazo de investigação de Aécio. Mesmo assim, a cada
indício novo e a cada nova postergação das denúncias o capital político de
Aécio ia se esvaindo.
Quando ocorreu o episódio JBS, Aécio dançou por dois motivos.
Pelo seu excesso de ambição, foi considerado um peru gordo por Joesley
Baptista, nas negociações com a PGR. Quando Janot recebeu o pacote, para atirar
em Temer não poderia desconsiderar os grampos em Aécio.
A partir dali, Aécio virou pato manco. Há uma boa
probabilidade de que, na próxima semana, o STF autorize a denúncia criminal
contra ele, além de mandar para a prisão Eduardo Azeredo, do mensalão tucano, à
esta altura uma decisão vazia de significado político.
Principalmente porque a blindagem dos tucanos ficou ostensiva
demais para ser aceita até por um país e uma mídia acostumados a toda sorte de
hipocrisias.
Dentro dessa lógica, José Serra, Aloysio Nunes e Cássio Cunha
Lima poderiam ser liquidados tranquilamente, sem atrapalhar os objetivos finais
do golpe. Estão sendo poupados porque o algoritmo viciado do STF jogou seus
processos no colo de Gilmar, e Gilmar não é desses de deixar companheiros
feridos no campo de batalha. Apenas por isso.
Peça 4 – o fator
Alckmin
Embora não desperte nenhum entusiasmo, nem entre os seus
próximos, Alckmin ainda é peça chave no jogo político, como único candidato da
direita com alguma possibilidade.
Essa é a razão principal da PGR ter remetido seu caso para
ser julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, ao invés de remeter
para o grupo da Lava Jato. E o autor da façanha foi o subprocurador Luciano
Maia, com bela ficha no Ministério Público Federal, e, até assumir o cargo de
vice-procurador, considerado corajoso e de posições independentes.
Mas não adianta. A lógica do poder brasiliense é imbatível.
Por isso, um caso em que Alckmin, através de seu cunhado, recebe R$ 10 milhões
da Odebrecht, que têm obras contratos grandes com o governo de São Paulo, foi
transformado em um mero caso de irregularidade no financiamento de campanha. O
pagamento foi por fora.
Apesar de federal, o TRE de São Paulo é majoritariamente
composto por juízes e desembargadores paulistas, historicamente alinhados com o
PSDB.
A decisão de Maia – certamente endossada pela PGR – expôs de
maneira nítida a parcialidade da nova PGR no jogo político.
Aliás, não bastassem essas trapalhadas, e o procurador-bufão
Oscar Costa Filho, do MPF do Ceará, o mesmo que tenta todo ano anular o ENEM,
intimou a Universidade federal do Ceará a retirar o nome “golpe” de um curso
preparado por ela.
Às vezes tento convencer colegas que o MPF é mais que os
Ailton Benedito – o de Goiás – ou Oscar Costa “Enem” Filho, mas os fatos sempre me desmentem, como
desmentiram quando supus em Raquel Dodge uma dimensão mais relevante do que a
de Janot.
Peça 5 – os próximos
passos
Não se imagine que o impacto da prisão de Lula vá refrear a
marcha do fascismo.
As recentes votações do Supremo e as decisões da PGR
comprovam que continuam a reboque da Lava Jato. E continuarão até a Lava Jato
completar sua obra, de destruição final de Lula e de inviabilização do PT.
De qualquer modo, foram tantas as críticas que Dodge recebeu,
até de jornalões, por sua benevolência com Alckmin, que provavelmente deve
ter-se dado conta de que foi mais realista que o rei, o que condicionará suas
próximas ações. É possível que o país
comece a assistir episódios inéditos de tucanos engaiolados.
Aliás, a análise política de autoridades do Judiciário, da
PGR ao Supremo, mereceria estudos de Pavlov.
Depois de liquidado Lula, será fácil acabar com a operação.
Bastará a mídia levantar a pauta proposta por Gilmar Mendes na última sessão do
Supremo, sobre os indícios de corrupção, devido ao poder absoluto de que
passaram a dispor.
P. S.: – a ave da ilustração representa o Passaralho, figura
mitológica que sobrevoa as redações nas vésperas das grandes demissões.
GGN