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Neoliberalismo, mercado financeiro e cegueira institucional
Impõe-se a cada dia outro caminho a ser liderado por quem
melhor compreender a convergência que se forma em torno da contrariedade ao
receituário neoliberal.
A crise global de 2008 abriu uma nova perspectiva de
reorganização geopolítica mundial. Até então, o receituário neoliberal
predominava desde o fim do acordo de Bretton Woods, que havia fixado a
regulação do mundo das finanças a partir do fim da Segunda Guerra.
Por força disso, as finanças mundiais seguiram a cartilha
regulacionista entre os anos de 1945 e 1975, o que permitiu importante ênfase
do Estado na defesa do crescimento econômico com inclusão social. Essa fase, então,
passou a ser reconhecida como sendo a dos trinta anos gloriosos do capitalismo.
Com o esgotamento do acordo de Bretton Woods, a partir da
primeira metade da década de 1970, transcorreu o reposicionamento do papel do
Estado em conformidade com o retorno da centralidade dos interesses nas
finanças globais. Assistiu-se, assim, o agigantamento das corporações
transnacionais em detrimento do apequenamento dos Estados nacionais e da
regulação das instituições multilaterais internacionais.
O resultado disso terminou sendo, em geral, o retorno das
desigualdades, com perdas significativas para o mundo do trabalho, deslocamento
da produção industrial do Ocidente para o Oriente, esvaziamento das classes
médias assalariadas e uma significativa fragilização das políticas públicas
voltadas para o crescimento econômico com inclusão social.
O questionamento à ordem neoliberal governada pelas altas
finanças vem gradualmente ganhando corpo desde a crise global de 2008, uma vez
que as forças motoras da globalização passaram a perder potência. Entre os anos
1980 e 2008, por exemplo, o comércio externo, que representava quase um terço
do PIB mundial saltou para cerca de 50% deste, enquanto em 2016 situou-se
próximo de dois quintos, ou 40%, da produção global.
O atual descenso relativo do comércio externo na produção
mundial tem sido também acompanhado do esvaziamento da participação dos ativos
financeiros. Em contraste, a China imprime o projeto do cinturão econômico em
torno da antiga rota da seda, cujo orçamento de 26 trilhões de dólares até o
ano de 2030 envolve a participação de 65 nações que respondem por quase dois
terços da população mundial.
Para além desses indicadores econômicos de esvaziamento da
globalização neoliberal emergem simultaneamente as insubordinações políticas de
significativa relevância, como a vitória do Brexit no Reino Unido, a negação
das reformas liberalizantes de Renzi na Itália, a eleição de Donald Trump, o
enorme apoio à Frente Nacional na França, entre outras. De maneira geral, levantam-se
cada vez mais fortes as vozes contrárias à combinação do endividamento
predatório das altas finanças, o livre comércio, a austeridade fiscal, as
reformas degradantes da sociedade e o avanço do trabalho precário.
Todas essas manifestações tendem a apontar para o rechaço da
ordem atual do capitalismo financeiro global. No Brasil, isso não parece ser
diferente, uma vez que as manifestações populares, cada vez maiores, colocam-se
em oposição à “Ponte para o Futuro” do governo Temer e seus aliados neoliberais.
Neste caso, uma inegável expressão de cegueira
institucional, quando a elite que domina se nega a ver a força da realidade.
Tal como avestruz, procura esconder a sua cabeça do todo, imaginando superar,
assim, os seus problemas.
Mas eles aumentam e impõem, mais dias, menos dias, outro
caminho a ser liderado por quem melhor compreender a convergência que se forma
em torno da contrariedade ao receituário neoliberal. Neste campo, a força da
esquerda não se encontra só, pois também a extrema direita possui o seu leito
próprio de crescimento em disputa no interior da sociedade.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e
pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da
Universidade Estadual de Campinas
Do GGN