Depois
de um primeiro mês atabalhoado, começam a sair as primeiras medidas, uma
sucessão infindável de propostas fundamentalistas
A
economia mundial está sob influência dos seguintes fatores negativos, um
desmanche em toda organização que vigorou no pós-guerra.
Peça 1 – desaceleração
das economias
União Europeia
Nos
últimos meses houve uma redução abrupta da oferta de crédito, com reflexos nas
diversas economias. E uma obsessão por ajustes fiscais que derrubou as
condições sociais estimulando partidos radicais em praticamente todos os
países.
Alemanha –
no final do ano passado mostrou os primeiros sinais de recessão, com queda
brusca na produção industrial. A dívida alemã está sendo negociada com
rendimentos negativos, sinal de que se aproxima uma deflação da economia. No
segundo semestre de 2018 houve uma queda de 3,2% na produção industrial da
Alemanha. Em dezembro, as encomendas caíram 7% em relação ao mesmo mês do ano
anterior. A recessão começou com a indústria automobilística e já se espalhou
para construção, produtos químicos e farmacêuticos.
Itália –
A Comissão Europeia reviu o crescimento em 2019 para 0,2%. Além disso, o país corre
o risco de uma nova crise da dívida, tendo que refinanciar 400 bilhões de euros
em dívidas em 2019.
Inglaterra –
presa às indefinições do Brexit, sem liderança e sem estratégia clara sobre as
regras de saída. Em 2016 montou-se uma campanha a favor do Brexit sem nenhuma
informação mais concreta sobre as implicações da decisão na vida das pessoas.
Seque analisaram-se as implicações na política interna, como a manutenção do
Acordo de Sexta Feita Santa de 1998, que celebrou a paz na Irlanda do Norte,
após três décadas de guerras sangrentas. Além disso, os números da economia
mostram o menor crescimento desde 2012.
EUA –
o FED (Banco Central dos EUA) interrompeu momentaneamente a alta nas taxas
básicas de juros. Mas ficou a dúvida no ar sobre os próximos passos.
Peça 2 – alto
endividamento
Anos
de juros perto de zero provocaram um megaprocesso de endividamento corporativo
e de países. A tomada de empréstimos se baseia na relação entre a taxa de
crescimento da economia e o volume de crédito tomado. Quando cai o crescimento,
aumenta o peso dos juros. O mercado de taxas traz indicações preocupantes de
deflação na zona do euro. O que significa redução do numerador.
Mais
que isso. O excesso de crédito inflou os ativos internacionais. A manutenção
das cotações depende, sempre, da expectativa de crescimento dos investimentos e
da manutenção da liquidez internacional.
Com
menos crédito, haverá menos expectativa de rentabilidade dos ativos – que já
estão caros. Essa parada poderá deflagrar o chamado “overshooting” para baixo.
Isto é, deflagração de ordens maciças de venda.
Além
da queda da atividade econômica global, há um conjunto de crises latentes:
Guerra
comercial entre EUA e China.
Confisco
do ouro da Venezuela em bancos europeus, trazendo um fator adicional de
insegurança jurídica.
Crise
política se alastrando na França, inclusive com embates verbais com a Itália.
A
indefinição em relação aos juros norte-americanos.
A
indefinição em relação ao Brexit.
Peça 3 – o fator
Bolsonaro
É
nesse universo turbulento que o governo Bolsonaro começa a apresentar suas
fichas. Tem-se um maremoto pela frente e no leme do país um governo mais
preocupado em desmontar o barco movido por dois fundamentalismos: o religiosos
e o econômico.
Depois
de um primeiro mês atabalhoado, começam a sair as primeiras medidas, uma
sucessão infindável de propostas fundamentalistas, descoladas da realidade, e,
especialmente a equipe da cota dos Bolsonaro, com um despreparo abismante.
Se
a educação e as relações exteriores estão sob controle de fundamentalistas
religiosos, a política econômica foi entregue a fundamentalistas econômicos. O
Ministro da Economia Paulo Guedes não é uma pessoa racional, que se debruça
sobre a realidade para encontrar soluções. É um ideólogo sem noção, que julga
que destruindo a ordem econômica em vigor, irá brotar do caos uma nova ordem
conduzida pela mão invisível do mercado.
Desde
o governo Temer, vem sendo desmontadas peças centrais da economia, com reflexos
terríveis nas próximas décadas.
O
desmonte do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social)
começou com a mudança da taxa referencial de juros, procurando aproximar suas
taxas de longo prazo das taxas de mercado através do expediente mais nocivo
possível: elevando as taxas mais baixas do banco, em vez de trabalhar para
reduzir as taxas do mercado.
O
desmonte da legislação trabalhista criou duas bombas relógio.
A
primeira, os impactos gradativos sobre a receita fiscal. O que a tolice
guedesiana chama de “herança getulista”, nada mais é do que um engenhosos
mecanismo implementado por Roberto Campos, que transformou o desconto em folha
em peça central da arrecadação fiscal, do financiamento da Previdência e
do financiamento da infraestrutura, através do FGTS.
Com
o desestímulo progressivo à formalização, haverá impactos de monta na receita
fiscal e praticamente a inviabilização da previdência pública.
Sua
proposta de reforma da Previdência – de impor a capitalização individual para
os novos contribuintes – não tem pé nem cabeça. Existe um sistema em vigor, a
chamada repartição simples, no qual a contribuição dos ativos banca a
aposentadoria dos inativos. Se já há dificuldade em manter o sistema atual,
como pretende incluir um novo sistema? Se os novos contribuintes deixarem de
contribuir para a repartição simples, haverá um crescimento exponencial do
déficit atuarial. Se acumular duas contribuições, o custo se tornará inviável
para o empregado.
Portanto,
há dois mega-rombos a caminho, caso passe a reforma: a redução da formalização
do emprego; a interrupção do fluxo de contribuições ao sistema de repartição.
Tome-se
a ausência completa de políticas contra cíclicas, para melhorar o nível de
atividade, mais o desmonte das políticas sociais, o aumento da informalidade,
um plano de segurança pública meramente bacharelesco, e a guerra religiosa que
se prenuncia, para se ter um quadro complicado pela frente.
A
guerra hoje não é entre centro-esquerda e centro-direita. É entre a
irracionalidade mais delirante a os setores racionais do país, é entre a
liberdade religiosa e o fundamentalismo mais canhestro, entre os direitos
sociais e individuais e as milícias. Ou os setores formais e racionais se unem
contra essa avalanche fundamentalista ou a reconstrução se tornará impossível.
GGN