Começa a ficar mais clara a intenção do Ministro Gilmar
Mendes quando, no bate-boca com o colega Luis Roberto Barroso, acusou-o de
beneficiar seu antigo escritório de advocacia.
Barroso era titular do escritório Luis Roberto Barroso &
Associados. Quando assumiu o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2013, o sucessor
do escritório foi Barroso, Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, do
seu sobrinho Rafael Barroso Fontelles.
Cena 1 – Barroso se
declara vítima de distração
No dia 14 de março passado, três órgãos da imprensa
procuraram o gabinete do Ministro Luís Roberto Barroso, com a informação de que
teria favorecido o Banco Itaú em uma ação cujos advogados eram do escritório de
seu sobrinho, sucessor do seu próprio escritório.
A ação visava excluir o ICMS/ISS do PIS/COFINS, reduzindo a
dívida do banco.
A área técnica do seu
gabinete, “sem que ele soubesse”, deu aval a essa ação.
“Jamais atuei em qualquer processo que fosse patrocinado
por meu antigo escritório. Não chego nem perto e até saio do Plenário quando
algum processo entra em pauta”.
Mesmo antes do novo Código de Processo Civil, havia no meu
gabinete a orientação, por motivo de foro íntimo e não por impedimento legal,
de não atuar em casos do Banco Itaú e do Google, por terem sido meus clientes
antes de me tornar ministro.
Apesar da solicitação feita à presidência de que não me
fossem distribuídos processos dessas partes e do próprio controle interno do
meu gabinete, o Gabinete atuou em alguns poucos casos dessas duas empresas, que
escaparam ao filtro, em recursos apresentados antes de 2016.
Lembro que o Gabinete recebe a média de 7 mil processos por
ano. Nunca, porém, atuei em casos dessas empresas levados ao Plenário ou à
Turma. Só houve atuação do Gabinete, em raríssimos casos, em decisões padrão
produzidas pela Assessoria.”
O assunto não entrou nas pautas dos jornais, nem acompanhado
dos esclarecimentos de Barroso. A história é bem mais que um mero caso de
distração de Barroso.
Guardem bem o que disse, para confrontarmos mais adiante com
os fatos.
Cena 2 - a 1ª rodada do
RE (Recurso Extraordinário) do Itaú
Em 2015, depois de ter seu pedido negado no Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, o Banco Itaú ingressou com um Recurso Extraordinário no
STF.
No dia 22.06.2015 o RE foi distribuído para o Ministro
Barroso. No dia 05.08.2015, Barroso deu parcial provimento ao recurso
extraordinário. Decretou como indevida a cobrança majorada do PIS na redação da
Emenda Constitucional no.17.1997, antes de decorridos 90 dias contados da
publicação da emenda.
Disse ele:
“A pretensão merece ser parcialmente acolhida. De início,
cumpre registrar que o acórdão recorrido está em consonância com a
jurisprudência de ambas as Turmas desta Corte no sentido de que a Medida
Provisória no 517/1994 apenas dispôs sobre deduções e exclusões da base de cálculo
da contribuição ao PIS, não dispondo sobre o Fundo Social de Emergência”.
Na sequência, Barroso declarou a inconstitucionalidade da
Emenda Constitucional n. 17/1997 na sua forma original, garantindo o êxito dos
interesses do Banco Itaú, sem submeter à avaliação da Turma ou do Plenário do
STF.
Não há a menor condição de uma sentença questionando uma
Emenda Constitucional tenha saído da área técnica do gabinete de um Ministro do
Supremo.
Releia suas explicações acima:
“Mesmo antes do novo Código de Processo Civil, havia no meu
gabinete a orientação, por motivo de foro íntimo e não por impedimento legal,
de não atuar em casos do Banco Itaú e do Google, por terem sido meus clientes
antes de me tornar ministro”.
Por que a menção ao novo Código de Processo Civil? Porque
este estabelece impedimento do juiz, “quando a parte é cliente do escritório de
advocacia de parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o
terceiro grau, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
Vamos conferir o que ocorreu depois que o novo Código de
Processo Civil entrou em vigor.
Cena 3 – Barroso após o
novo Código de Processo Civil
O Itaú apresentou um agravo regimental, recurso que
obriga a apreciação da matéria pela Turma, a não ser nos casos em que o Ministro
relator reconsidere o voto dado.
No dia 11.05.2016, em decisão monocrática (sem consultar
o plenário), Barroso não apenas reconsiderou, como ampliou a decisão anterior,
conferindo integral provimento ao recurso do Banco Itaú.
Conforme disse no voto, “reconsidero a decisão agravada para
modificar a parte dispositiva reconhecendo o provimento integral do recurso
extraordinário”.
O novo Código de Processo Civil já estava em vigor.
Anda que fosse legalmente obrigado a se declarar impedido, o
Ministro Roberto Barroso optou por ampliar, de forma monocrática, sua decisão
anterior
No
Relatório da Administração do Banco Itaú BBA S.A. de 19 de agosto de 2015,
há a informação de que o Recurso Especial analisado por Barroso representava R$
29.864.000,00, aproximadamente 75% de todos os depósitos em garantia de
obrigação legal pelo banco.
Diz o relatório:
“PIS – Anterioridade Nonagesimal e Irretroatividade – R$
29.864: Pleiteamos o afastamento das Emendas Constitucionais 10/96 e 17/97,
dado o princípio da anterioridade e irretroatividade, visando recolhimento pela
Lei Complementar 07/70. O saldo do depósito em garantia correspondente totaliza
R$ 29.864”.
O escritório Barroso Fontelles Barcellos Mendonça &
Associados foi criado em 2013 como sucessor do escritório Luís Roberto Barroso
& Associados. Possui
diversas ações do grupo Itaú.
No
dia 28.03.2018, o Jornal GGN noticiou que o Ministro Barroso iria
receber pagamento de R$ 46,9 mil do Tribunal de Contas de Rondônia, por
palestra de uma hora de duração.
Para
a coluna de Mônica Bérgamo, Barroso deu as seguintes explicações:
"Não tenho a menor ideia de que valor é este. É um valor
completamente fora do padrão, fora do que eu cobro."
Segundo Barroso, ele foi convidado para dar uma aula em
Rondônia pela editora Fórum, responsável pelo lançamento de seus livros e por organizar
eventos de divulgação aos quais ele às vezes comparece.
"Eu não tinha a menor ideia de que poderia haver o
envolvimento de algum órgão público, do tribunal de contas ou de qualquer
outro. E, se tivesse, não aceitaria", afirma ele. "Meu contrato
é com a editora."
No
dia 04.04.2018, o GGN trouxe informações sobre uma palestra anterior
de Barroso, para o mesmo TCE-RO, no mesmo evento, edição 2017, sendo
intermediado pela mesma empresa contratante e pago o mesmo cachê de R$ 46,8
mil. O tema da palestra foi “combate à corrupção”. A assessoria do Ministro não
explicou esse caso de distração reiterada do Ministro.
As palestras e os temas confirmam o que o GGN vem dizendo há
tempos: as declarações midiáticas permanentes do Ministro contra a corrupção,
como forma de investir no mercado de
palestras.
Como o Ministro Barroso vem sendo vítima de distrações
sucessivas, para que não pairassem dúvidas sobre sua idoneidade, seria
relevante que abrisse mão espontaneamente do sigilo bancário tanto do seu
escritório quanto do sucessor. Mesmo porque, foi em cima do mote da luta contra
a corrupção e o jeitinho que o MInistro se tornou um campeão do mercado de
palestras.
Cena 5 – o pensamento
muito vivo de Barroso
Um breve apanhado dos escritos sociológicos de Barroso,
depois que se tornou Ministro do STF:
Vive-se aqui a crença equivocada de que tudo se ajeitará na
última hora, com um sorriso, um gatilho e a atribuição de culpa a alguma
fatalidade (falsamente) inevitável, e não à imprevidência
Eu cheguei ao Supremo Tribunal Federal vindo da advocacia.
Mais de uma vez chegou a mim a queixa de que eu “virei as costas aos amigos” e
que sou um juiz muito duro. Não sou. Mas sou sério, e isso frustrou a
expectativa de quem esperava acesso privilegiado e favorecimentos
No que diz respeito à ética pública, a verdade é que criamos
um país devastado pela corrupção. Não foram falhas pontuais, individuais,
pequenos deslizes ou acidentes. Foi um modelo institucionalizado, que envolve
servidores públicos, empresas privadas, partidos políticos e parlamentares.
Eram organizações criminosas, que captavam recursos ilícitos, pagavam propinas
e distribuíam dinheiro público para campanhas eleitorais ou para o bolso. Isto
é, para fraudar o processo democrático ou para fins de enriquecimento
ilegítimo. É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil.
O jeitinho brasileiro contribui para esse estado de coisas.
Em primeiro lugar, o hábito de olhar para o outro lado para não ver o que está
acontecendo.
Immanuel Kant enunciou a mesma ideia em uma frase memorável:
“Aja de tal forma que a máxima que inspira a sua conduta possa se transformar
em uma lei .
O jeitinho oscila em uma escala que vai do favor legítimo à
corrupção mais escancarada. E é precisamente porque algumas de suas
manifestações não são condenáveis, que ele termina sendo aceito de forma
generalizada, sem que se distinga adequadamente entre o certo e o errado, o bem
e o mal.
A ética pública, de que tanto nos queixamos, é em grande
medida espelho da ética privada
Improviso, relações familiares e pessoais acima do dever e a
cultura da desigualdade contribuem para o atraso social, econômico e político
do país. Mais grave, ainda, o jeitinho importa, com frequência, em passar os
outros para trás, em quebrar normas éticas e sociais ou em aberta violação da
lei.
E fechando com chave de ouro sua filosofia sobre o brasileiro
padrão, da lavra de um Ministro argentário:
Em uma reunião social, ouvi um interlocutor queixar-se contra
as mazelas do país, sobretudo a corrupção. Em seguida, narrou que a empregada
que contratara não queria assinar a carteira, de modo a não perder o valor que
recebia como bolsa-família. Naturalmente, isto é errado.
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