Era
previsível o lance de Jair Bolsonaro, conclamando suas milícias digitais a
enfrentar as instituições. Ontem mesmo previmos esse movimento. Aliás, não há
nada de mais previsível que Jair Bolsonaro, justamente por sua incapacidade de
planejar qualquer movimento.
Aliás,
o mesmo ocorre com seu guru Olavo de Carvalho. Ambos se assemelham a boxeadores
que lutam de cabeça baixa distribuindo murros a granel. Como deu certo até
agora, devido a imbecilização coletiva do país, continuaram acreditando no seu
toque de Midas-reverso – que transforma em merda tudo o que tocam – até toparem
pela frente com o muro da realidade.
Ontem,
Olavo recuou admitindo que exagerou nas suas invectivas contra militares. Bater
em militar é um pouquinho mais arriscado do que atacar Marilena Chauí.
Bolsonaro
baixou a cabeça e saiu esmurrando, difundindo em sua rede o tal manifesto.
Assim como no episódio Marielle, já se sabe quem é o assassino. Faltou saber
quem mandou, ou seja, quem foi o autor do manifesto. E aí entra o nosso Xadrez
Peça 1 – o fator mercado
É
evidente que o artigo compartilhado por Bolsonaro foi produzido por alguém
ligado ao mercado financeiro. É uma análise de cenário, mostrando um Bolsonaro
derrotado e a recomendação final de “vender” o Brasil.
É
nítido que o mercado financeiro se encantou com as possibilidades de negócios
abertas pela eleição de Bolsonaro.
É
o caso da Eletrobrás, alvo do G3, de Jorge Paulo Lehman. Ou a maluquice-mor de
Paulo Guedes, de promover a fusão do Banco do Brasil com o Bank of America
(BofA). Ou ainda, os acordos de leniência fechados entre Departamento de
Justiça e grandes empresas brasileiras, como a Petrobras, com a Lava Jato se
comportando como agente auxiliar do DoJ. E os contratos de compliance fechados
entre Petrobras, Eletrobras, Embraer com grandes escritórios norte-americanos,
em um lobby coordenado por Ellen Gracie, ex-Ministra do Supremo Tribunal
Federal. Definitivamente, com o aval da Lava Jato, o Brasil se tornou uma mina
de ouro para esses grupos.
Peça 2 – os grupos de
lobby
Prevendo
esse campo para grandes negócios, muitos centros de lobby norte-americanos
resolveram investir no grande negócio da parceria com Ministérios Públicos de
vários países e autoridades regulatórias. Foi o caso do Atlantic Council e suas
ligações com procuradores gerais latino-americanos. E de duas empresas
interligadas.
1. A
tal Câmara de Comércio Brasil-Estados
Unidos (Brazilian-American Chamber of Commerce) – não confundir com a
respeitada Amcham, a Câmara de Comércio Brasil-EUA sediada em São Paulo. Seu
presidente é Alexandre Bettamio, presidente do Bank of America (BofA) para a
América Latina.
2. O
Milken Institute, um centro de lobby criado por Michael
Milken, operador americano que melhor explorou os fundos abutres e terminou
condenado e preso nos anos 90 por informação privilegiada e proibido
de operar no mercado.
Ambos
são amigos e trabalham na mesma linha de lobby: grandes eventos anuais, que
lhes permitem se aproximar de autoridades norte-americanas e de outros países.
E têm uma especial predileção pela Lava Jato.
Aqui,
um evento da Brazilian-American Chamber of Commerce com Sérgio Moro.
Aqui,
outro evento com o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato carioca.
O
patrocinador é o escritório de advocacia Debevoise & Plimpton LLP, um dos
grandes escritórios nova-iorquino participantes da ampla promiscuidade com
procuradores do DoJ. No mês passado, ele se vangloriava de ter contratado Lisa
Zornberg, ex-Chefe da Divisão Criminal da Procuradoria dos Estados Unidos no
Distrito Sul de Nova York.
O
escritório tem um leque de produtos para
clientes brasileiros, desde assessoria em casos de denúncia até trabalhos
de compliance.
Já
o Milken Institute armou eventos com grandes players brasileiros, dentre os
quais Jorge Paulo Lehmann, Henrique Meirelles e o indefectível Betammio.
Aqui,
foto do evento da Brazilian-American Chamber que premiou Sérgio Moro e Mike
Bloomberg. Na foto, o próprio Bettamio com o casal Moro, Bloomberg e João
Dória.
Peça 3 – Bettamio, Guedes
e Bolsonaro
E,
assim, entramos no nosso personagem principal, Alexandre Bettamio.
Assim
que Bolsonaro foi eleito, foram empinados alguns balões de ensaio indicando Bettamio
para a presidência do Banco do Brasil. Ele declarou que havia recusado. Mas
passou a investir pesadamente no governo Bolsonaro e na parceria com Paulo
Guedes, com quem conviveu nos tempos em que trabalhou no USB-Pactual.
Á
frente da Câmara de Comércio, Bettamio tratou de aprofundar relações não só com
a Lava Jato como com Bolsonaro.
Foi
ele que insistiu no evento em Nova York, para homenagear Bolsonaro, que
acabou se convertendo no maior mico de um governo coalhado de micos.
Antes
de Bolsonaro assumir o governo, Paulo
Guedes já difundia a ideia da fusão entre BB e BofA. Ontem,
Guedes voltou a insistir na fusão BB-BofA e a acenar com venda de
ativos da Petrobras.
Peça 4 – a reversão de
expectativas
É
esse horizonte, propício para alguns dos maiores negócios da história, que
ficou coberto pelos raios e trovoadas da ingovernabilidade.
De
um lado, o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro avançando nas
investigações sobre Flávio Bolsonaro, que inevitavelmente baterão no pai. As
ruas, tomadas por estudantes protestando contra os cortes do MEC. E, na
economia, o aprofundamento da crise, com os últimos dados sobre desemprego,
mostrando a total inoperância de Paulo Guedes, na política econômica, e de Onix
Lorenzoni, na articulação política.
Guedes
é incapaz de uma ideia criativa sequer. Todo seu talento, em outros tempos, se
resumia a montar cenários econômicos em momentos de grande inflexão da
economia. Mesmo como gestor de fundos de equity, jamais demonstrou visão
prospectiva. Limitava-se a ir atrás de empresas familiares em setores
tradicionais, demonstrando enorme aversão a risco. Além de cultivar uma relação
frutífera com fundos de pensão de estatais.
Levou
esse travamento para o Ministério da Economia. A crise se aprofunda e o
Ministério é incapaz de qualquer coisa além de prometer o céu se a reforma da
Previdência for aprovada, um blefe óbvio. A inércia chegou a tal a ponto que o
Congresso resolveu assumir para si a responsabilidade de definir políticas
anticíclicas – uma excrescência fruto exclusivo do desespero com a inoperância
de Guedes.
É
nesse quadro que surge o tal manifesto replicado por Bolsonaro, cuja última
linha manda “vender” Brasil.
Foi
um manifesto de mercado, que chegou a Bolsonaro em plena ida a Dallas,
provavelmente entregue a ele por seu anfitrião. E, com o manifesto, a
explicitação da intenção de Bolsonaro de insuflar suas milícias – digitais e
provavelmente as armadas – contra as instituições.
Não
poderia ter escolhido melhor cenário. Dallas foi local em que foi planejado e
executado o assassinato de John Kennedy, o presidente americano visto como de
esquerda pelos supremacistas brancos.
Do
GGN