O
Xadrez de hoje tomou por base uma entrevista com o economista Felipe Rezende.
Peça 1 – as crises de endividamento
Há
três pontos em comum entre as décadas de 1980, 1990 e 2010: um choque de
endividamento na economia que paralisou o país por dez anos até que,
lentamente, o setor privado (e o público) saíssem da armadilha e começasse a
respirar.
A
crise de 1980 foi devido a um choque de petróleo e ao pesado processo de
investimento da era Geisel – que, pelo menos deixou uma indústria de base
implantada.
O
dos anos 90, ao terrível choque de juros do plano Real, junto com uma enorme
apreciação cambial, que amarrou toda a economia a um endividamento circular e
elevou a dívida pública aos píncaros, sem nenhuma contrapartida em ativos.
Nos
dois primeiros casos, o foco central foi crise das contas externas.
A
dos anos 2010 devido à demora em perceber o processo de endividamento que vinha
do período anterior e, quando se percebeu, às formas erradas de tratar o
problema.
São
crises cíclicas.
Primeiro,
há um boom nos investimentos, o “milagre” dos anos 70, a explosão de vendas do
segundo semestre de 1994, decorrente da estabilização econômica, e o boom de
crescimento do período 2008-2010, com o enfrentamento da crise.
As
empresas passam a investir apostando na curva de crescimento. Para tanto, se
alavancam – isto é, se endividam junto ao setor bancário.
Quando
se chega ao fim do ciclo, tem-se um grande endibvidamento e uma queda na
rentabilidade, não suportando mais os encargos financeiros decorrentes
dos investimentos realizados. E, aí, não existe um diagnóstico preciso das
autoridades, para enfrentar a questão.
Peça 2 – a crise de 2015 e o
tratamento errado
Aqui
no GGN, Rezende foi o primeiro economista a alertar para a crise de
endividamento. Os alertas não foram considerados.
Dados
do BIS (o banco central dos bancos centrais) mostravam que as empresas de
família brasileiras tinham saltado de um endividamento de US$ 250 bilhões em
2004 para US$ 1,5 trilhão em 2015. O endividamento das empresas e famílias
saltou de 48% do PIB em dezembro de 2005 para 71% em 2015.
O
lucro – medido pelo EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e
amortização) das empresas de capital aberto cresceu 10% no período, contra 256%
do crescimento real da dívida. Começa aí o esgarçamento dos balanços.
Em
2011 e 2012 havia indícios dessa reversão. Alguns membros do governo já tinham
essa visão, da queda de lucros, mas trabalharam o lado errado do lucro,
melhorando a margem das empresas via subsídios e outros cortes de impostos, o
que não gerou necessariamente investimento. Obviamente, os subsídios ajudaram a
amenizar um pouco o nível do endividamento.
Como
uma empresa faz ajuste de casa? Cortando gastos. E a primeira fonte de cortes
são os investimentos, que caíram de forma generalizada.
Em
2014, o crédito ainda vinha crescendo, mas modelo já havia esgotado. A taxa de
investimento já vinha caindo há 10 trimestres, um recorde histórico. Com a queda
do investimento privado, a economia começou a registrar déficit público,
agravado pelos subsídios concedidos no período anterior.
Em
2015 houve resposta equivocada, com um diagnóstico errado de que a raiz da
crise estava no desequilíbrio fiscal – e não no pesado endividamento da
economia. Houve um contingenciamento muito forte dos gastos públicos,
equivalente a 1,2% do PIB, aumento muito forte dos juros, como reação ao choque
de preços administrados, incluindo o câmbio.
Com
forte alavancagem do setor privado, cortar de forma dramática os investimentos
privados e promover choques de juros, é receita para matar a economia.
E
o Brasil não foi a única economia a errar nesse diagnóstico. Em outras
economias que passaram por processos de endividamento, os resultados foram
muito parecidos.
Peça 3 – o ortodoxia superada
Qual
a razão de empresas e governo sempre caírem na armadilha do fim de ciclos?
Não
houve uma atualização do pensamento econômico brasileiro, nem o ortodoxo, nem o
heterodoxo, explcia Rezende. Os economistas atuais se formaram no exterior,
quando estavam em voga teorias econômicas que foram superadas pela crise global
de 2008 e nas quais os processos de alavancagem (endividamento) não estavam no
radar. Por aqui, não houve uma atualização do debate.
Antes
da crise de 2008, grande parte dos economistas acreditava que política
monetária poderia reverter situações de crise.
Um
dos pilares desse modelo era a crença de que a economia jamais entraria em
crise. Menos ainda, o mercado financeiro. Julgavam que com mercados perfeitos e
expectativas racionais, o setor financeiro jamais geraria bolhas. Bastaria,
então, uma política monetária ativa que derrubasse as expectativas de inflação
e as taxas futuras de juros, para o investimento voltar.
Com
isso, negligenciaram um dos pontos centrais da crise, os balanços das empresas
do setor financeiro. De acordo com o pensamento ortodoxo, o setor financeiro
seria apenas um intermediário, portanto sem influência sobre as crises. Com
base nessa crença, o presidente do FED, Ben Bernanke, sustentava que o aumento
de liquidez na economia, através do sistema bancário, não produziria bolhas
especulativas. E sua aposta falhou.
Essa
visão foi superada nos centros desenvolvidos, com uma visão mais cuidadosa
sobre o problema do endividamento. Não no Brasil, onde a geração de economistas
que tomou o poder – diretamente ou através da área econômica – continuava presa
a conceitos superados, mas que ajudaram na construção da sua fama junto ao
mercado. Ficaram com receio de reciclar e perder reputação: o mercado só
aprecia as certezas absolutas, não as auto-críticas.
Peça 4 – a análise do endividamento
Segundo
Rezende, a partir de 2015, o governo reagiu como se fosse contra uma crise
tradicional de balanço de pagamentos: contraiu a demanda interna com choque de
juros e de crédito para gerar superávits nas suas contas externas. A intenção
foi um choque fiscal mas, de fato, a terapia era similar àquela para choques
externos.
Os
economistas não se deram conta de que a crise atual tinha causas totalmente
diversas.
Como
mencionado, acreditavam eles que a espoleta para deflagrar os investimentos
seria a taxa de juros longa – aquela que, em teoria, melhor anteciparia os
rumos futuros da economia. Bastaria então cortar a despesa até o limite do
equilíbrio fiscal, sem levar em conta os impactos sobre a própria geração de
receita; e aumentar os juros reais até o limite da imprudência,
independentemente dos impactos sobre a dívida pública e, obviamente, sobre as
expectativas fiscais.
Quando
se atingisse essa equação impossível, as taxas de juros longas cairiam e
milagrosamente começariam a brotar investimentos por todo o país.
Foi
isso que levou o pacote Levy a uma fortíssima contração fiscal junto com uma
paralisação virtual do crédito.
Mesmo
supondo que a lógica fosse correta, no Brasil há uma enorme manipulação das
expectativas futuras de inflação e de juros por parte do mercado.
Da
forma como BC trabalha, sempre haverá estímulo para o mercado praticar o
chamado “overshooting” – isto é, acentuar os movimentos de alta e baixa das
expectativas.
O
operador acredita que a inflação cairá para 5%. Mas coloca 5,5% ou 6% nas
pesquisas do Copom. O mesmo ocorre com a curva de juros. A cada queda das
expectativas, o operador ganha com sua aposta. E o BC – mesmo sendo o maior
operador do mercado – assiste impassível a esse jogo de manipulação.
Desde
2015 e 2016, nos relatórios do banco, comparando as previsões do início e do
fim do ano, se vê uma tendência de superestimar a inflação, assim como as taxas
de juros longas.
No
pé da coluna tem uma breve explicação sobre o jogo de taxas e os ganhos
decorrentes das superestimativas das taxas.
Isso
ocorre em outros países. Mas em qualquer país desenvolvido, o Banco Central –
seja o FED norte-americano, o BCE europeu, o Banco do Japão – atuam fortemente
na ponta para reduzir a taxa futura de juros. Inclusive a custo do próprio BC
operando contra o mercado.
Peça 5 – as saídas custosas para a
crise
Não
haverá crescimento sem antes resolver situação dos balanços das empresas,
problemas negligenciado há dois ou três anos. Recentemente o Ministro da
Fazenda Henrique Meirelles reconheceu que a de que economia sofre alavancagem,
mas não apresentou políticas concretas para tratar da questão.
Há um conjunto de alternativas
estudadas:
1.
Decretar falência e divida desaparecer. Muito doloroso, como em 30. Não está na
mesa de discussão.
2.
Gerar renda: família, em salários ou aumentos reais; empresas, lucros
crescendo. Trata-se de processo lento que depende de novos impulsos na economia.
3.
Valorização dos ativos. No caso da economia norte-americana, a cada queda na
taxa de juros há um aumento no valor dos ativos. No Brasil, esse efeito é muito
pequeno.
É
por isso que o cenário de médio prazo depende exclusivamente da
2a alternativa e é de quase estagnação
A
política monetária traria alivio 3, 4 anos atrás. Hoje não. Em 2015, o retorno
sobre patrimônio líquido da indústria foi de menos 10%. Mesmo em cenário
hipotético, com BC trazendo os juros a zero, como economias avançadas, ainda assim
haveria um custo de carregamento negativo, diz Rezende.
Se
a política monetária é impotente para tirar a economia da crise, o estímulo
precisaria vir de outro canal.
De
investimento privado, não vem. Além do alto endividamento, há capacidade ociosa
e retorno negativo sobre o capital.
Também
não virá do investimento e consumo das famílias, com 13,5 milhões de
desempregados.
Outra
opção seria o setor externo. Pode ajudar agropecuária este ano, só que atingiu
seus limites. A economia chinesa está com dificuldade de manter taxas de
crescimento, economia europeia patinando e americana ainda dando sinais de
esgotamento, em função da normalização da política monetária dele.
Único
fator que sobra são os gastos públicos.
Peça 6 – o mantra dos investimentos
públicos
Na
PEC do Teto deveriam ter colocado alguma válvula de escape e deixar
investimentos de lado. Não só em momentos de crise, mas de crescimento, porque,
especialmente na infraestrutura, não há nada que substitua o investimento
público em áreas novas.
Rezende
fez um levantamento mundial, em parceria com a Universidade de Columbia, e
financiado pelo BNDES e pelo CAF, analisando a formação de investimentos no
mundo.
O
setor privado só aceita investimentos já maturados. Mas os investimentos novos,
os que acrescentam ganhos à infraestrutura, são os pioneiros, os
projetos greenfield, e aí só o setor público tem condições de investir.
Na
economia brasileira atual, não há mais espaço para investimento público. O
governo anunciou corte muito forte justamente em investimentos públicos.
Quando
a PEC do Teto foi discutida no Congresso, Rezende apresentou estudo do FMI
mostrando que, em países que adotaram regras similares, a variável de ajuste
foi investimento público.
Isso
foi padrão para todos que implementaram essa regra de gastos.
Final - Entendendo a lógica do
overshotting das taxas
Não
se entenda por “mercado” o conjunto de atores do mercado financeiro, mas
aqueles que efetivamente manobram a boiada, que induzem os movimentos do
mercado em uma direção, para ganhar quando a tendência inverte.
Esse
fenômeno é batizado de “overshooting” – isto é, radicalizar o movimento do
mercado em determinada direção, de modo a acentuar as quedas ou altas.
No
mercado futuro de juros, o jogo é o seguinte:
Taxa
de juros – aposta-se na taxa anual no fim do período longo. Suponha que
seja 10% para títulos com vencimento daqui a 10 anos.
Taxa
de juros diária – corresponde à taxa anual (10%) dividida geometricamente
pelo número de dias úteis do ano (256). Ou, no exemplo, taxa diária de 0,037237%.
A conta é: 1,10 ^ (1/256) -1
Prazo –
calculado em sequencia de dias úteis durante a vida do título. Considera-se que
o ano tem 256 dias úteis. 10 anos = 2.560 dias úteis
Marcação
a mercado – corresponde ao valor diário do título, descontados os juros
calculados até o vencimento e supondo que o valor de vencimento seja 100.
Suponha
no 300o dia útil:
Valor
a mercado = 100 / (1+0,00037237)^300 = 89,43200081. Ou seja, descontando
juros do prazo que falta para o vencimento, o valor do título no mercado é de
89,43200081.
Ou
seja, quem comprar o título a 89,43200081, caso a taxa de juros futura
permaneça em 10% ao ano, chegara ao final do prazo com o título valendo 100.
Mas
imagine que a taxa de juros longa caia para 8% (ou 0,0300674% ao dia).
Imediatamente
muda o valor do título a mercado:
Novo
valor a mercado = 100 / (1+0,000300674)^300 = 91,37587244
Ou
seja, a qualquer queda na taxa de juros longa, imediatamente ocorre uma
valorização do título a mercado.
Só
com essa mudança de expectativa, há um ganho imediato de 1,9439 sobre cada 100,
em um mercado que movimenta valores bilionários.
São
essas variações que explicam o interesse do mercado profissional em
superdimensionar as expectativas de taxas futuras de inflação e de juros.
Abaixo
uma tabela mostrando os ganhos do especulador a cada variação de um contrato
futuro comprado a 10% ao ano, dependendo da nova taxa de juros e do prazo de
vida do papel.